- En qué momento se habia jodido el Peru?
é a pergunta que se faz Santiago ao sair do jornal em que trabalhava em Lima. Está logo na primeira página de Conversación en la Catedral de Mario Vargas Llosa. Catedral, diferentemente do sugere o nome, é um bar da capital peruana, local dos encontros entre el periodista Santiago e Ambrósio um ex-chofer do seu pai, um próspero empresário envolvido em transações marcadas pela corrupção na ditadura do general Manoel Odria que governou o Perú no período de 1948/1956.
Não lí todo o livro, mas certamente a frase, que segundo a crítica marca a obra, revela um profundo desencanto do personagem - alter-ego do escritor - com seu país retratado impiedosamente na década de 50 do século passado por Vargas Llosa.
Tomei conhecimento da frase em um artigo de Manuel de Almeida para O Globo e logo pensei no Brasil, na América Latina. Ela resume bem as mazelas, contrastes, o realismo fantástico - lembrando um gênero literário de muito sucesso por essas bandas - que vi e vivi como brasileiro nos meus 73 anos de vida en Sudamérica.
Somos uma virtualidade que não se realiza, condenados a recorrentes períodos de crescimento econômico com a amplitude do alcance de um voo de galinha. Nos 40 anos de democratização nossos avanços foram pífios; nosso PIB foi ultrapassado por China e India, agora os fortões do que se chama Sul Global e a Indonésia deve nos ultrapassar em pouco tempo. Em termos de PIB per capita, a Coréia que já nos ultrapassara em 1985, agora nos supera por um fator de 3; a Turquia que tinha valores próximos aos nossos, hoje nos é superior por um fator de 1,5. Gráficos ilustram os dados na matéria do Poder360 de 15.03. Em termos de educação, pilar para o desenvolvimento de qualquer país, nosso desempenho também é decepcionante; as avaliações do Pisa em 2022 para educação básica em matemática, leitura e ciências, feitas em 82 paises pela OCDE nos colocam no quartil inferior da classificação, ao nível da outrora grande Argentina e só melhores que o Paraguai na América do Sul (Folha, 5.12.23).
Para arrematar passemos ao realismo fantástico. Saiu a poucos dias um Relatório Mundial da Felicidade feito pela ONU em 147 países. Leva em consideração o PIB de cada país, suporte social, expectativa de vida saudável, liberdade, generosidade e percepção de corrupção. Vamos surpreendentemente bem, ocupando a 36a colocação, abaixo apenas do Uruguai na América do Sul (CNNBrasil). Em compensação, no Índice de Percepção da Corrupção de 2024 elaborado pela organização Transparência Internacional ocupamos a 107a posição em um ranking de 180 países, o pior desde que o indice passou a ser publicado. Dado mais preocupante, é o baíxíssimo índice de confiança interpessoal tanto brasileiro (5%), como latino-americano (15%) de acordo com dados do Informe Latinobarómetro 2024. Países líderes nesse índice, como Suécia e Noruega apresentam valores entre 60 e 70%. Vai entender... felizes acima da média, mas desconfiando do próximo em gráu máximo e com altas taxas de corrupção.
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Ainda lembro de uma entrevista do Antonio Callado, grande jornalista e escritor que já nos deixou faz tempo, dada - acho que - ao Caderno B do Jornal do Brasil, em que ele afirmava ter desistido da América Latina. Foi lá no século passado. Roberto Campos dizia que somos um país que não perde oportunidade de perder uma oportunidade.
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Coincidência ou não, Bolivar Lamounier escreve no Estadão de 22.03 - Por que não saimos do lugar?