sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Afinal, onde foi que nos f....?

 - En qué momento se habia jodido el Peru?

é a pergunta que se faz Santiago ao sair do jornal em que trabalhava em Lima. Está logo na primeira página de Conversación en la Catedral de Mario Vargas Llosa. Catedral, diferentemente do sugere o nome, é um bar da capital peruana, local dos encontros entre el periodista Santiago e  Ambrósio um ex-chofer do seu pai, um próspero empresário envolvido em transações marcadas pela corrupção na ditadura do general Manoel Odria que governou o Perú no período de 1948/1956.

Não lí todo o livro, mas certamente a frase, que segundo a crítica marca a obra,  revela um profundo desencanto do personagem - alter-ego do escritor -  com seu país retratado impiedosamente na década de 50 do século passado  por Vargas Llosa.

Tomei conhecimento da frase em um artigo de Manuel de Almeida para O Globo e logo pensei no Brasil, na América Latina. Ela resume bem as mazelas, contrastes, o realismo fantástico - lembrando um gênero literário de muito sucesso por essas bandas - que vi e vivi como brasileiro nos meus 73 anos de vida en Sudamérica. 

Somos uma virtualidade que não se realiza, condenados a recorrentes períodos de crescimento econômico  com a amplitude do alcance de um voo de galinha. Nos 40 anos de democratização nossos avanços  foram pífios; nosso  PIB foi  ultrapassado por China e India, agora os fortões do que se chama Sul Global e a Indonésia deve nos ultrapassar em pouco tempo. Em termos de PIB per capita, a Coréia que já nos ultrapassara em 1985, agora nos supera por um fator de 3; a Turquia  que tinha valores  próximos aos nossos,  hoje nos é superior por um fator de  1,5. Gráficos ilustram os dados na matéria do Poder360 de 15.03. Em termos de educação, pilar para o desenvolvimento de qualquer país, nosso desempenho também é decepcionante;  as avaliações do Pisa em 2022  para educação básica em matemática, leitura e ciências, feitas em 82 paises pela OCDE nos colocam no quartil inferior da classificação, ao nível da outrora grande  Argentina e só melhores que o Paraguai na América do Sul (Folha, 5.12.23).

Para arrematar passemos ao realismo fantástico. Saiu a poucos dias um Relatório Mundial da Felicidade feito pela ONU em 147 países. Leva em consideração o PIB de cada país, suporte social, expectativa de vida saudável, liberdade, generosidade e percepção de corrupção. Vamos surpreendentemente bem,  ocupando a  36a colocação, abaixo apenas do Uruguai na América do Sul (CNNBrasil). Em compensação, no Índice de Percepção da Corrupção de 2024 elaborado pela organização Transparência Internacional ocupamos a 107a posição em um ranking de 180 países, o pior desde que o indice passou a ser publicado. Dado mais preocupante, é o baíxíssimo índice de confiança interpessoal tanto brasileiro (5%), como latino-americano (15%) de acordo com dados do Informe Latinobarómetro 2024. Países líderes nesse índice, como Suécia e Noruega apresentam valores entre 60 e 70%. Vai entender... felizes acima da média,  mas desconfiando do próximo em gráu máximo e com altas taxas de corrupção. 

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Ainda lembro de  uma entrevista do Antonio Callado, grande jornalista e escritor que já nos deixou faz tempo, dada - acho que -  ao Caderno B do Jornal do Brasil, em que ele afirmava ter desistido da América Latina. Foi lá no século passado. Roberto Campos dizia que somos um país que não perde oportunidade de perder uma oportunidade.

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Coincidência ou não, Bolivar Lamounier escreve  no Estadão de 22.03 - Por que não saimos do lugar?

Apocalipse now

A faixa de Gaza não deixa de produzir imagens impressionantes. E saber que ela é vizinha do que costuma se chamar Terra Prometida. 

Ironia suprema é que ela pode se tornar mesmo uma Terra Prometida, a depender dos delírios trumpistas e seus incorporadores imobiliários que pretendem expulsar seus habitantes para transformá-la num résort de luxo. Está tudo fora de lugar!






A cara do Brasil

Com alentada cobertura da midia e o rabo entre as pernas, Neymar está de volta ao Brasil após os fiascos em série nos anos pós-Barcelona. Miava como gatinho lá fora, já está cantando de galo por aqui. Em terras tupiniquins, ele é o Príncipe. Quem sabe ele se reinventa, como se diz por aí.

Alicia Klein  em seu blog na UOL, disse tudo em texto corajoso. Está sendo xingada impiedosamente, para surpresa de ninguém. Surpreso estou  diante do silêncio obsequioso dos seus coleguinhas da imprensa esportiva face a todas as manobras marqueteiras e a pajelança que envolvem o retorno apoteótico. Receio da reação do menino mimado e seus parças... ou então de queimar a língua com o que possa acontecer no futuro?

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O retorno terá um final  feliz para o menino Ney? Os fatos pretéritos aconselham a dizer não.

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Por ora, tudo é festa.

terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Frenesi

A nação está em transe. O motivo são as 3 indicações para o Oscar do filme Ainda Estou Aqui. Ví o filme e fiz minha apreciação de leigo em post anterior que, aliás,  aborda outro assunto.  Dias atrás aconteceu o mesmo com as vitórias do jovem tenista João Fonseca no Aberto da Austrália, e um pouco mais atrás  com a indicação de Vinicius Jr ao Fifa The Best, após ter sido preterido no Ballon D'Or   o que provocou a indignação de boa parte da nossa imprensa, que botou na cabeça que ele deveria ter sido o indicado. Indignação que se repete; leio que Le Monde teve que apagar mais de 20000 comentários ofensivos que recebeu de brasileiros depois de críticas ao filme. Quem sabe o presidente Lula convoque uma Invencível Armada para invadir a França pelos desgostos que ela está nos causando primeiro com a preterição do Vinicius Jr. e agora com as críticas do Le Monde.

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Brasil feliz, escreveu Loyola Brandão no Estadão. Qual o motivo para tamanha desmedida? Ainda Estou Aqui, João Fonseca ou Vinicius Jr. vão mudar nossa condição de péssimo desempenho nos rankings de desenvolvimento social, educacional, percepção da corrupção... apesar de sermos a 8o PIB mundial? Talvez nossa frustração por não fazermos o óbvio, nos leve a esses delírios quando conseguimos nos destacar em algum aspecto, que apesar de importante, não é decisivo para melhorar a condição da maior parte da nossa população. 

Ou será porque gostamos mesmo é de aparecer? Fico imaginando como se comportaria a maior parte dos brasileiros,  caso nosso país fosse uma potência do porte de China ou Estados Unidos...

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Talvez eu seja um velho rabugento e o melhor seria desfrutar das pequenas alegrias que alguns brasileiros nos dão e que compensam a eterna frustração de - apesar das nossas potencialidades - não conseguirmos nos destacar no mundo nos indicadores que fariam toda a nossa população viver com dignidade. 

- Já que não tem tu, vai tu mesmo!

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Liberalismo

- Faça o que quiser, mas não espante os cavalos.

Perfeito. Livres para  fazer o que queremos, mas com limites.

Era o que a avó da Deirdre Nansen McCloskey, não cansava de dizer prá ela.  Deirdre é professora emérita de economia da Universidade de Illinois; a terrível escola de Chicago, que faz nossos economistas heterodoxos surtar a qualquer menção que se faça a ela ou a um de seus alunos ou professores. A Folha publica semananalmente seus artigos. Divirto-me lendo os comentários que a nossa esquerda faz deles, além dos ataques que a ela dirige. Quanta ignorância e boçalidade de boa parte dos seus signatários! 

domingo, 5 de janeiro de 2025

Vórtice

Obra de Sonia Dias Souza em exposição na mostra Da Terra que Somos no Museu da República em Brasilia. É um triângulo invertido formado por círculos de terra. Segundo sua autora representa a forma arquetípica feminina, simboliza fertilidade e transformação. 

O Estadão - 05.01.2025


Do meu ponto de vista - hétero/cis -  o nome representa à perfeição o que  consome o imaginário masculino. Para ele convergimos submetidos à ação de  sua força centrípeta inexorável.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Feliz Ano Novo!

 Os anos passam... e a vida continua.

Fran_Kie - Adobe original (Estadão 02.01.25)

A "malaise" é geral.

2024 se foi  e não via tanto desalento com o novo ano e com o nosso futuro.

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Em relação ao mundo, cresce a sensação de que a invasão da Ucrânia pela Russia, pela sua duração, pode se tornar o embrião da 3a Guerra Mundial dada a crescente internacionalização que o conflito vai assumindo e das ambições expansionistas russas, embora negadas sistematicamente. 

Outra ameaça iminente é uma guerra comercial. Trump promete taxar as importações, particularmente as chinesas e certamente sofrerá retaliação. A história ensina que guerras econômicas tem implicações geopolíticas que  podem degenerar em conflitos armados a exemplo do que aconteceu na 1a Guerra Mundial. 

Há um desencanto generalizado com as democracias liberais materializado na eleição de candidatos com claras tendências autocráticas em diversos países, como nos Estados Unidos, o berço desse regime. Paul Krugman no seu artigo de despedida do NYT , fala em raiva e ressentimento das massas, contra um sistema político dominado pela retórica, com  governantes não entregando o que prometem. 

Não poderia ser diferente na América Latina, que teima em não dar certo desde sua descoberta. O Informe 2023 do Latinobarômetro leva por título La Recesión Democrática de América Latina. Apenas 48% da população apoiava a democracia, o registro mais baixo desde o início da pesquisa em 1995.  São apontados como causas: o personalismo, a corrupção, a interrupção de mandatos e a interinidade dos substitutos.  Como pano de fundo a crise das elites que gera uma crise de representatividade expressa na miríade de partidos políticos. Menos mal que em 2024 o número cresceu para 52%. Será que podemos comemorar?

O Brasil com sua democracia mambembe, não desafinaria o coro do desencanto. Chamou minha atenção um artigo do Nelson Motta para o Globo - Adeus às Ilusões - em que ele praticamente desiste do país.  Abre com a frase que o exime da pecha de Cassandra pelo que escreverá em seguida: - Sempre tive muita fé no Brasil... perdida com o passar dos anos e a desenrolar dos fatos :

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Sessenta anos depois com vários governos e congressos e impeachments e vergonhas e roubalheiras e impunidades inomináveis pode-se dizer com certeza: não vai dar certo.

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Parlamentares e historiadores mais antigos sabem: nunca foi tão ruim. E vai piorar...

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 O que dizer do futuro do planeta na questão do meio-ambiente?

O Brasil em 2024 registrou o ano mais quente da série histórica que começou em 1961 de acordo com o INMET. As temperaturas ficaram 0,79 gráus C acima da média 1991/2020. 

No planeta,  2024 dificilmente deixará de ser o ano mais quente da história. Segundo a OMM (Organização Meteorológia Mundial) dados até setembro/24, mostram a temperatura média global 1,54 gráus C acima da média histórica entre 1850/1900. Como os cientistas no Acordo de Paris em 2015 estimaram que 1,50 gráus C acima dessa média seria a deadline para deflagar mudanças climáticas com consequências ainda mais devastadoras para o planeta, resta-nos confiar na misericórdia divina. Vale lembrar que a partir daquele ano as temperaturas médias do planeta tem batido recordes sucessivos.

Prá variar... a retórica é muita, as ações poucas. Quatro grandes bancos americanos comunicaram neste início de ano,  sua retirada da maior aliança mundial climática para bancos: Net Zero Banking Alliance ( NZBA). Por outro lado,  as COP's são anuais, suas resoluções são tíbias e não respeitadas. O resultado está aí; a meta de 1,50 gráus C prevista para 2050 deve ser alcançada em 2024.