Sou de um tempo em que a timidez era uma característica da personalidade. Houve época no seminário saindo da adolescência para a juventude em que os padres tentavam prescrutar nossa personalidade e avaliar nossas aptidões. Havia uma classificação de temperamentos muito popular e usada por todos para se identificar através de testes: líder, fleumático, melancólico, colérico... eram sete se bem me lembro. Meu teste? Melancólico na cabeça! Como ascendente: líder. Basicamente é isso mesmo. Sou um líder melancólico. Estranha conjunção! Meu mapa astral também é a junção de opostos: sou Libra com ascendência de Saturno
E lá fui eu estudar o melancólico que tem entre características dominantes a introspectividade e a timidez. Demorei muito para me aceitar como, pois considerava o melancólico o patinho feio dos temperamentos. De fato ele é um pouco o primo pobre do grupo mas também tem qualidades: sensibilidade, lealdade... E havia o líder associado que ajudava para um certo auto-engano.
Para minha surpresa, anos atrás, li um artigo de um colunista de O Globo, que baixava o porrete nos tímidos chamando-os de chatos. Tratava a timidez como um defeito. Dei um desconto pois ele era carioca e por aqui as pessoas se consideram extrovertidas e solares por natureza.
A morte de Otávio Frias, proprietário da Folha e seu redator-chefe, há um mês atrás - um introvertido, segundo seu círculo de amizades - motivou uma coluna do Pondé nessa mesma Folha em que se elogia a timidez. Fico feliz que em tempos que pedem para que nos apresentemos esfuziantes, em que o mercado das relações privilegia o marketing pessoal, em que mise-en-scene e caras e bocas contam muito, alguém faça a apologia da timidez.
Os cães podem continuar ladrando; a caravana dos tímidos - discreta como sói ser - vai passar.
- Sorry, periferia!
- Sorry, periferia!