Heterofatalismo, desafiliação performativa da heterosexualidade, alexitimia masculina normativa... devem soar como grego para você. Prá mim também. Tomei contato com eles lendo um artigo de J.P. Coutinho para a Folha que se reporta a outro artigo do NYT Magazine - viralizou na Internet! - com um inglês bem complicado, recheado de phrasal verbs e gírias, que me deu um trabalho danado para entender. Confesso, entretanto, que valeu a pena. Conheci um pouco do que se passa no imaginário de uma novaiorquina de educação superior a respeito da relação homem-mulher nos dias atuais, recheado com o suporte teórico de acadêmicas up-to-date na matéria como uma ph.D em filosofia com especialização em filosofia feminista, uma sexual scholar, uma psicoanalista feminista e por aí vai...
Os neologismos típicos desta Novilíngua emanada dos acadêmicos dos departamentos de humanidades referem-se basicamente às demandas das mulheres não atendidas pelos homens em um relacionamento afetivo e o consequente desapontamento com o gênero masculino definido como heteropessimismo pela sexual scholar Ana Seresin. Para dar ares de tragédia ao drama, esse desencanto vem acompanhado do onipresente aguilhão do desejo - privately, jokes aside, I am quite susceptible to penis - escreve a autora, justificando o título do artigo : The problem with wanting men. É o heterofatalismo, também tomado de empréstimo da Seresin.
As desventuras são postas à mesa de almoço de um restaurante vegano em downtown Manhattan por uma terapeuta, uma historiadora, a autora do texto e sua amiga. Em termos de cenário e protagonistas, mais hipster impossível. Enquanto almoçam, desfilam histórias de seus relacionamentos e de amigas, com os homens e seu desapontamento com o comportamento deles. As queixas são inúmeras; uma delas refere-se à incapacidade masculina de comunicar-se em uma relação afetiva, que outra acadêmica definiu como alexitimia masculina normativa. Uau!
A rotina de frustração de expectativas com os parceiros amorosos, leva-as a uma crescente desafiliação performativa da heterosexualidade, outro neologismo da acadêmica Seresin. Ela sugere uma saída: A opção queer*, um relacionamento mais fluido e que foge dos estereótipos do padrão heterosexual tradicional que privilegia a dualidade e a inescapável dominação de uma das partes. Para a amiga da autora, em comentário pós-almoço, o relacionamento tradicional entre homem e mulher está morto. É preciso dar um basta na sofrência que ele traz.
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De cara, o artigo sugeriu-me a perspectiva da mulher como a medida de todas as coisas e o homem como uma massa a ser modelada de acordo com suas demandas, abordagem típica destes tempos de batalhas identitárias em que o feminismo radicalizado deste século desempenha papel importante. Qualquer relação afetiva exige lidar com a alteridade, que obviamente será anulada quando um dos parceiros se torna sua medida. A opção queer, tida como mais fluida, é uma das soluções sugeridas, mas a alteridade também lá estará.
Um adjetivo - fútil - que uma das protagonistas empregou para qualificar a insatisfação feminina diante do comportamento masculino, escrutinizado muitas vezes com lupa, chamou minha atenção. Tendo a concordar com ela. Será que uma mulher que vive na América profunda, é assaltada pelas mesmas angústias, vê problemas em tantos detalhes... ou considerará a abordagem também futilidade de uma mulher com situação econômica confortável de um grande centro urbano?
É curioso que mulheres tão cosmopolitas e supostamente independentes continuem a repetir atitutes old-fashioned como cobrar um compromisso dos homens em uma relação.
A atitude evasiva do homem, alvo de tantos queixumes não estaria indicando que ele não está investindo nessa relação como algo de duradouro, e que cair fora seria a melhor decisão? Se o comportamento é recorrente, não seria devido às escolhas equivocadas dos parceiros? Nem todos os homens esquivam-se de compromissos afetivos. Haveria tantos casamentos - afinal um compromisso - caso fosse esse comportamento recorrente?
Estou curioso para saber o que o futuro nos reserva. Relações mais fluidas entre homem e mulher? Huuum... talvez funcionem em Manhattan.
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* Queer refere-se a fugir da binariedade (macho/fêmea, masculino/feminino, heterosexual/homosexual) desafiando as ligações entre sexo, gênero e sexualidade. Ser queer significa ser ao mesmo tempo, macho, fêmea ou nenhum deles, ser masculino, feminino, nenhum deles ou uma mistura dos três, adotar qualquer sexualidade e mudá-la a depender das circunstâncias, negar que elas tenham significado por sí. (cap. IV) - (a tradução é minha)
Pluckrose, H., Lindsay, J., Cynical Theories, Pichstone Publishing, 2020.
Volto a esse livro em um próximo post.