e se foi mais uma Copa do Mundo,o evento dos eventos para nós brasileiros. Jogamos nossa redenção no futebol, único tópico que nos põe na liderança das demais nações do mundo. Nos demais, raramente nos colocamos em posição superior à quinquagésima, num universo em torno de 120/130 países. E olha que somos uma das maiores nações do mundo em extensão territorial, população, o oitavo PIB do mundo, mas como disse Roberto Campos, não perdemos nenhuma oportunidade para não dar certo. A hora do futebol dá todos os sinais de que está chegando; afinal estamos fora das finais fazem 16 anos, e o que nos ancora existencialmente como nação, pode deixar de existir. A perspectiva de perdemos o cetro do único reinado que nos cabia é bem real e vai nos deprimir ainda mais.
Noves fora o Brasil, onde nas partidas da seleção, o país para literalmente como se uma bomba de nêutrons fosse nele jogada - cessam violência, os crimes, as doenças, transferem-se cirurgias... - é incrível a capacidade que o futebol tem de atrair aficcionados no mundo inteiro. Há muitas explicações para o fato, todas mais ou menos apoiadas na justificativa da aleatoriedade dos seus resultados. Transcrevo parte de duas delas:
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Amamos o futebol porque ele é o esporte mais parecido com a vida. Não jogamos com o que temos de melhor, as mãos, mas com o que as regras e o contexto permitem, os pés. Jogamos (e vivemos ) sozinhos, mas junto aos outros, sem os quais não haveria jogo, nem vida, e nem mesmo conseguiríamos sonhar com quem somos.
Jogamos o melhor que podemos e, às vezes, somos os melhores ou nosso time é. Mas a frequência do evento máximo e definidor, o gol, é tão rara em 90 minutos que ser melhor está bem longe de estar certo de vencer. E definir esse “melhor” é imponderável como a vida. Um time pode ser melhor, mas no outro bate mais forte o coração, ou as mentes estão mais conscientes e compenetradas no que fazer. A tribo pode estar mais unida.
Os fatores são infinitos, muito mais complexos do que “saber jogar melhor”, como na vida. E a contingência pode ser decisiva, como nós, trapezistas da existência, bem sabemos. Um craque sozinho faz uma jogada genial e decide o jogo. Um grupo de amigos “forma uma corrente”, gera uma emoção e ganha o jogo. Sabe-se lá? Parece a vida.
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Sérgio Bessermann, Vida e Futebol, O Globo, 08.07.2018
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Sérgio Bessermann, Vida e Futebol, O Globo, 08.07.2018
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O futebol é uma arte inigualável, uma proposta de movimento
humano que se aproxima muito de tanta coisa que ficou combinado que deve
merecer elogios. Como a dança, por exemplo. O futebol não é uma brincadeira sem
princípios ou destino, mas a execução de um sistema de efeitos e resultados
múltiplos que se parecem muito com o esforço que o ser humano faz para
sobreviver desde sempre.
Sempre gostei da versão de que o drible fora uma invenção de
nossos filhos de escravos que, no final do século XIX, completavam a escalação
dos times formados pelos filhos da elite inglesa no país. Como eles não podiam
reclamar das faltas do adversário poderoso, os negros desses times inventaram o
drible para escapar da violência dos filhos de senhores.
Como na vida humana, o futebol não se resolve apenas com o
exercício de um desejo, da criação de estratégias e de táticas que inventamos
para sermos bem-sucedidos. Ele depende também do acaso, da possibilidade de a jogada
não se resolver do modo que planejamos. Podemos não fazer o gol que imaginamos,
assim como podemos sofrer o gol que fizemos tudo para evitar. No futebol, a
vontade dos atletas nem sempre é obedecida pela sorte em campo.
Só para dar alguns exemplos, a Holanda dos anos 1970, que
reinventou o futebol, inventando um outro modo de jogá-lo, de um outro jeito
muito mais belo e eficiente do que o até ali praticado, nunca foi campeã do
mundo e teve poucos resultados da mesma envergadura em outros torneios internacionais.
E o Brasil de 1950 ou de 1982 era muito melhor do que o Brasil campeão de 1994.
Não se trata apenas da “sorte” vulgar que se pode ter num
jogo, dessa proteção metafísica que atribuímos muitas vezes a deuses, santos e
forças semelhantes. Trata-se de uma característica imprevisível, alguma coisa
que se parece muito com a própria imprevisibilidade de nossa vida, um acaso que
pode nos negar o sucesso quando mais o merecemos. Ou, ao contrário, nos premia
quando menos merecemos o prêmio. Não tem exercício físico, treinador
competente, sábia estratégia ou craque absoluto que impeça esse acaso e sua
cruel vitória em campo. Por isso que o futebol é tão belo e nos incomoda tanto.
Porque não basta saber jogar.
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Cacá Diegues, O País do Futebol, O Globo, 15.07.2018
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