domingo, 30 de junho de 2024

os bárbaros modernos

 Aumenta a indignação contra as hordas de turistas que infestam hoje até lugares que poucos anos atrás eram privilégio de poucos; tem até fila para subir o pico do Everest na época mais favorável do ano! Os locais dos points mais visados estão cada vez mais indignados e a poucos dias em Barcelona, foram prá cima da turistada com jatos d'água. 

Medidas concretas estão sendo estudadas e algumas já implementadas como proibir/restringir o aluguel de prédios residenciais através do Airbnb, taxas de acesso para turistas, restrição de entrada a pontos turísticos a um determinado número de pessoas/dia.

Moro em Copacabana e já deixei de frequentar a orla nos finais de semana e feriados pois ela é invadida por pessoas que não moram no bairro. Meu prédio é próximo a uma estação de metrô que se localiza a dois quarteirões da praia. Nos finais de semana com exceção dos meses de inverno ela é tomada quase que totalmente por pessoas que vem de outras praias. A sensação é de sentir-se invadido, de ter o seu lugar roubado. Vou à praia somente em dias de semana e entre maio e novembro. Esqueço os demais meses e finais de semana. 

Entendo a reação dos moradores de Barcelona - Barcelona não está a venda! diziam cartazes de uma passeata de milhares de pessoas -  das ilhas gregas, de Veneza, dos bairros históricos de Tóquio e Kioto... e por aí vai.  Tanto é que estou planejando comprar um imóvel próximo à praia,  mas distante das invasões das hordas de forasteiros e por lá estabelecer-me nos finais de semana. A dificuldade é grande; não de encontrar um imóvel, mas de encontrar alguma  paragem ainda preservada da massiva invasão estrangeira.

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Certamente serei acusado de elitista, de ter déficit de empatia, de ser um cara do andar de cima que não está nem aí pra arraia miuda. De que a praia é o único local de diversão democrático que ainda resiste... Vai aí uma historinha para mostrar que não é bem assim. 

Sempre que ia a Salvador a compromissos da empresa, fazia ao final da passagem,   uma caminhada  que partia da praia do Forte em direção a Salvador. Eu a estendia até onde minha resiliência permitia; o trajeto total tinha em torno de 40 km; nunca completei. Ao longo dos anos vi essa praia sofrer uma transformação brutal. De raras casas dispersas habitadas por nativos - a exceção era uma estação Tamar da Petrobras que cuidava da desova das tartarugas naquelas praias - transformou-se num animada vila com uma avenida rodeada de quiosques vendendo artigos para turistas, além das indefectíveis pousadas. Perguntei a um nativo - um elitista? -   o que ele achava daquela transformação e ele se queixou amargamente. Sua paz tinha acabado, mas ponderou que muitos dos seus  tinham conseguido melhorar suas condições econômicas. 

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Sua ponderação leva a raiz do problema. O vendaval turístico tem uma forte indústria que lhe dá suporte. Turismo é importante fonte de renda para muitos países; Espanha é um exemplo. Os argumentos são manjados - usados até para ocupação desordenada dos campos e florestas: a atividade gera empregos, movimenta a economia. Que se danem os efeitos colaterais. 

Outro poderoso motor a impulsionar o turismo ou pelo menos ser com ele condescendente, é a postura/opinião das nossas elites culturais veiculada na midia mainstream e que representa o imaginário das nossas classes média e alta,  expresso com rara felicidade  na coluna de Ruth de Aquino para O Globo. Sua frase final diz tudo :

Hipocrisia? Sim, o mundo é hipócrita.

Vá dizer a esses bacanas hedonistas até a medula, que criticam com veemência as violências impetradas ao meio ambiente, mas  que não dispensam pelo menos uma viagem de turismo anual, preferencialmente ao exterior,  de que eles devem morigerar seus hábitos.  Quem sabe viajar menos?

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Tanto o baiano, morador da praia do Forte, quanto eu em Copacabana, sentimo-nos invadidos quando vemos o nosso pedaço povoado mais por forasteiros do que por locais. Li tempos atrás, um artigo que classificava  o turismo atual, como a barbárie moderna. Imagino que o conceito de bárbaro aqui era aquele dos gregos e romanos que atribuiam essa condição a quem vivia além das fronteiras dos seus impérios. Meu império é minha  praia. Não estou defendendo uma impermeabilidade absoluta a qualquer forasteiro. Como na vida tudo tem um limite, fica bem óbvio que se você vai à praia e não reconhece ninguém do seu bairro por alí é porque esse limite foi ultrapassado. Há que se negociar tais  limites; os europeus já começam a fazer sua parte.


Na Germânia todo o dia é dia de Oktoberfest!

Interessante a programação desta pequena emissora localizada em Teotônia, um município de colonização predominantemente alemã, com IDH altíssimo, localizado no Vale do Taquari no  RS. Os locutores misturam alemão e português com a maior naturalidade; a trilha musical é turbinada por músicas de bandinhas alemãs. Seu público ouvinte é na maior parte constituido por agricultores dos munícipios do entorno, na sua imensa maioria descendente de colonizadores alemães. Contrariam o estereótipo de rígidez, sisudez que se atribue aos alemães. São alegres, sempre introduzem um aspecto jocoso na conversação. Trabalham muito, mas adoram um arrasta-pé ao final da semana - kerb; na contemporaneidade,  bailão - animado quase sempre pelo som das bandinhas e regado a muito chopp. 

Participam ativamente dos programas que ouço, interagindo grandemente com os locutores. São gente simples, mas não pobre, que vive no interior e desconhecem os filtros sociais típicos de grandes centros urbanos. Urbanóide que sou, mas ainda com um pé na colônia - assim é chamado o interior por lá -divirto-me à beça, ouvindo suas intervenções nos programas que ouço na parte da manhã, logo após sair da cama; as bandinhas alemãs fazem a cortina musical. A música traz-me a recordação de meu pai, seu fã incondicional  e dos kerbs; ele era um pé-de-valsa 

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Demonstraram uma notável resiliência face à tragédia que se abateu sobre o Vale neste último ano - foram cinco enchentes! Quase não ouví queixas, aceitaram os fatos como inevitáveis e partiram para a reconstrução. Um bom exemplo foi a reparação da velha ponte de ferro entre Arroio do Meio e Lajeado, feita em 15 dias, inteiramente com recursos da comunidade.

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Prá você ter uma idéia do que rola por lá, ouça a banda Monte Azul, muito requisitada para os kerbs/bailões de final de semana na região. Provavelmente vai estranhar, mas quem sabe você se anima e sai  rodando pelo salão.



No meio do caminho havia uma ponte (II)

 No post anterior, as imagens eram da velha ponte, nos seus dias de águas bem comportadas dos rios Forqueta e Taquari. Neste o retrato do que se passou com ela depois da devastação provocada pelas águas das enchente do final de maio.

O que é Forqueta; o que é Taquari? 
Uma antevisão de um apocalipse pelas águas... (A Hora)

O que restou da ponte, os destroços do que se foi,  junto à margem direita do rio Forqueta, próximo à desembocadura e a devastação ao redor. (Agora no Vale)
A reconstrução da parte levada pelas águas e a devastação das margens. (Google)

Positiva e atuante 15 dias após ter sido em parte destruida. A remanescente, em primeiro plano (cor mais escura).



Ego do tamanho do mundo

 ...é o que tem o nosso Presidente. Ao concluir seu discurso na posse da nova presidente da Petrobrás disparou:

- Como Deus existe, eu estou aqui ...

Você pode interpretar a frase como um gesto de suprema humildade e de crença em um Ser Superior - ele estava lá  porque Deus existia - ou de um orgulho insano - ele era a garantia de que Deus existia. Conhecendo a figura sou francamente favorável à segunda.

Não faltam declarações de megalomania nem  opiniões para corroborá-la. Não é de hoje que face a alguns pronunciamentos e atitudes por ele assumidas, que seus críticos o chamam de demiurgo... salvador... profeta, Sua Sumidade... Há poucos dias, foi comparado  a Luis XIV. 

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Tamanha soberba evidencia uma propensão para a autocracia como demonstram suas tentativas para  interferir na politica fiscal do  Banco Central, na governança de empresas estatais como a Petrobras, e até em empresas privadas como a Vale, evidenciando seu desconhecimento da competência que lhe é devida como chefe do Executivo em uma democracia de corte liberal que caracteriza os estados democráticos ocidentais.

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Além da megalomania,  o presidente mostrou nesse discurso - merece ser lido, tamanhas as sandices nele contidas -  que é um mitômano; vive uma realidade paralela, tentando impor uma narrativa para o que aconteceu com a Petrobras nos governos petistas que simplesmente agride os fatos. A bem da verdade, nesse mundo paralelo vive a maior parte da esquerda brasileira e latino-americana.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Chico - 80 anos

Dia desses, Chico fez 80 anos. Ele fez parte da trilha sonora da minha geração. Foi um privilégio, pois Chico é um dos grandes poetas da nossa música. Tornou-se um clássico ao lado de Cartola, Luiz Gonzaga, Tom Jobim, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Noel Rosa ... e por aí vai. É biscoito fino! Algumas de suas composições entraram para o cancioneiro nacional.  Fico pensando como será a trilha sonora dessa nova geração. Algum biscoito fino comparável ao nosso Chico? Não vejo luz no final do túnel.

Selecionei duas de suas canções em que ele participa em dueto com a italiana Maria Pia de Vito e a portuguesa Carminho. 




No meio do caminho havia uma ponte.

Moro no Rio mas a a versão contemporânea do dilúvio que se deu no RS no final de maio e início de junho afetou-me profundamente. Tenho ligação afetiva com o Vale do Taquari, uma das regiões mais atingidas. Foi de lá que parti  para fazer o mundo. Coqueiro Alto, uma vila de Arroio do Meio - desapareceu do mapa fazem anos - foi minha base de lançamento.  Minha mãe passou seus últimos anos em Lajeado, a maior cidade do Vale,  e nas frequentes visitas que lhe fazia, caminhava quase que diariamente ao longo do Rio Taquari  por 15/20 kms. Afinal sou um peregrino neste mundo, sensu latu e sensu strictu. Um irmão continua a morar lá, onde passo as grandes festas cristãs do ano: Páscoa e Natal. 

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... e no meio do caminho havia uma ponte. Uma velha ponte de ferro, concluida em 1939, construida sobre o rio Forqueta, quase na desembocadura com o Rio Taquari. O Forqueta furioso, abateu  a ponte mais recente na RS-130, cerca de 1km a jusante mas não conseguiu fazer o mesmo com a velha ponte de ferro. Arrastou parte dela até a desembocadura mas suas pilastras continuaram lá, firmes e fortes. A operosidade daquele povo, já refez a parte que o rio levou e hoje ela se encontra positiva e atuante.

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Passava por ela de manhãzinha, antes do nascer do sol no inverno ou com ele nascendo no verão; a neblina era frequente dado a proximidade com os rios. Meus passos solitários ou  as rodas dos carros  sobre os pranchões de madeira, quando soltos,  provocavam um estampido seco que feria o silêncio das manhãs. Parava sempre alí para alguma foto da velha ponte a da desembocadura do Forqueta no Taquari. Deixo algumas para a memória, inclusive a de uma placa lembrando sua inauguração.