quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Feliz Natal!

Murillo (1617-1682) - Natividad con el anuncio a los pastores.

Sou agnóstico, dividido entre a razão e minha pouca fé, mas celebro o Natal com profundo respeito, dadas minhas raízes profundamente católicas. Um Deus todo-poderoso que assume a precariedade humana e escolhe nascer num estábulo e ter por berço uma manjedoura é a fábula-maior de todos os tempos. Não há criatividade suficiente de mente marqueteira ou literária capaz de bolar  algo de tamanha grandeza. E nem vou falar do corolário da história: sua morte em uma cruz entre malfeitores e sua ressurreição três dias após. Talvez sejam esses dois fatos a razão do sucesso do cristianismo na humanidade.

É o ponto de vista mundano para encarar os fatos. Para os respeitáveis olhos da fé  o significado é bem outro; é o resgate da humanidade, a possibilidade de voltar às origens já que somos passageiros neste mundo.








terça-feira, 24 de dezembro de 2024

É duro, talvez haja exagero, mas...

 tendo a acreditar no que escreveu o leitor Braulio A. S. Fernán do Rio de Janeiro,   na Folha:

Em nenhuma favela ou comunidade, por mais perigosa que seja, existe proporção de bandidos maior do que existe em qualquer batalhão da PM. Isso é desesperador, porque é fato. A quantidade de policiais civis, do escrevente ao delegado, que convivem com os mecanismos gravíssimos da corrupção, normalmente, atinge quase a totalidade deles.

Moro aqui e a sensação que tenho é que a verdade não está muito longe do que ele escreveu. Se há um lugar em que me senti próximo ao inferno, esse lugar é uma Delegacia de Polícia. Nada  me pareceu minimamente decente por lá.

Dentro das quatro linhas.

É frase frequente no discurso do nosso ex-presidente. Revela uma preocupação comum a todo o brasileiro minimamente letrado em legitimar seus atos com o carimbo da legalidade mais do que com o da ética. O exemplo mais gritante talvez ocorra com o mundo jurídico - ora, ora! -  que ultrapassa os limites constitucionais do teto salarial dos servidores públicos, utilizando-se de penduricalhos que são agregados aos rendimentos através de resoluções, leis internas que - sejamos diretos! -  esquentam a burla. Aí basta utilizar a justificativa - de incomparável cinismo -  de que seguem o que está disposto na lei. É o popularesco dentro das quatro linhas. A ética que se dane.

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A nossa obsessão em legitimar é de tal gráu,  que num dos celulares do ajudante de ordens do ex-presidente a frase foi encontrada no texto de uma minuta do golpe arquitetado pela corte palaciana - jogando de forma incondicional  dentro das quatro linhas . Haja criatividade jurídica para legitimar um golpe...

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A prática perpassa todas as camadas de brasileiros minimamente escolarizados. Entre os coleguinhas de profissão e de empresa, ela era comum entre aqueles que sabedores de que estavam fazendo algo dúbio eticamente, procuravam o manto da lei para se proteger. Se questionados, sempre poderiam sacar do argumento de que seu ato era legal. Se era moral...

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Caso se soubesse como são feitas as leis e as salsichas, não se seguiriam as primeiras, nem se comeriam as segundas.

O termo de comparação dá bem uma idéia da qualidade dos ingredientes utilizados para a confecção de ambas. Pense na qualidade de quem faz as leis no país, a começar pelos corpos legislativos em qualquer esfera e você há de provar o  gostinho da salsicha. O fosso entre o mundo de quem elabora as leis e as interpreta  e o mundo das leis universais da  ética que  deveria ser pequeno, alarga-se à medida que o tempo passa. Não é de se estranhar o fato de tanta gente flagrada em práticas  que violam as leis mais comezinhas da ética, sair-se com a pérola:

- Não estou cometendo nenhum ato ilegal.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Arpoador: 5:50h da manhã (II)

 Assisti a Ainda Estou Aqui, o filme de Walter Salles indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro, com Fernanda Torres concorrendo ao Oscar de melhor atriz. Um filme brasileiro de qualidade surpreendente para meu conhecimento de produção nacional na área. Acessível ao espectador médio, sem concessões ao mercado.  Um filme sóbrio - virtude não muito apreciada em um país hiperbólico. Fernanda Montenegro está muito bem. 

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Ver aquele Leblon dos anos 70 com casas na quadra da praia frequentada pelos moradores,  a bola do vôlei de praia  atravessando a rua com duas pistas apenas e entrando no terreno delas,  crianças jogando futebol na rua e comparar com as cenas que vejo hoje quando passo por lá caminhando  praticamente em todos os finais de semana, deixou-me uma impressão tão forte quanto o ambiente sombrio da repressão militar daqueles dias, muito bem retratado no filme. Aquela vida bucólica de um bairro residencial comparada com a quase selvageria que presenciara na semana anterior no Arpoador que é próximo e  descrevi em postagem anterior - daí o título -  chocou-me profundamente. São 50 anos apenas! 

Não vivemos mais em uma ditadura,  embora continuemos uma república bananeira em termos de práticas democráticas; daí que melhoramos alguma coisa no quesito. A geomorfologia da cidade não mudou e ela continua linda; os dois gigantes de pedra: Morro  Dois Irmãos e a Pedra da Gávea continuam lá. No mais - urbanidade, urbanismo, comunidade, cidadania e o que você quiser em termos de relações humanas -  descemos a ladeira... e continuamos descendo. Os episódios do Arpoador falam por sí.

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Apesar do ambiente bucólico de bairro a beira-mar, para alcançarmos a degradação atual, certamente alguns ovos a serpente deve ter colocado naqueles anos.

Disse tudo (II)

 A Bolsa de Valores é algo assim como uma suruba onde você entra com a bunda.

Planeta Diário 

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Eu que o diga!

Disse tudo

O conhecimento vai muito além da informação. A sabedoria está nos detalhes, nas entrelinhas, no silêncio, no que não foi dito e que não pode ser medido.

Tostão 

domingo, 8 de dezembro de 2024

Arpoador, 5:50h de manhã.

Vinha de Copa e valendo-me de um atalho pelo parque Garota de Ipanema, estava alcançando o Arpoador na minha tradicional caminhada dominical. Deparo-me com uma algazarra,  incomum para uma hora tão incomum. Um grupo conduzia um homem para dentro do parque, tentando acalmá-lo, depois de tê-lo retirado do que parece ter sido uma briga. Alcanço a praia e deparo-me com uma multidão na areia. No  Largo do Millor, faço algumas fotos e um video para documentar uma cena improvável acontecendo  àquela hora. Provavelmente ninguém mora no bairro, nem nas proximidades. São pessoas que vem do subúrbio ou de favelas e certamente passaram a noite na própria praia.

Arpoador, 5:50AM

Posto 8, 6:00AM

Morro Dois Irmãos e Pedra da Gávea do Largo do Millor 5:50AM

Ao retornar, sou abordado por um negão paramentado com o manto sagrado, que me ofereceu - em inglês, of course -  cocaína. Que diabos! minha cara de gringo nunca falha.

Afasto-me em direção ao Leblon, estupefato  com o inusitado daquelas cenas, com a sensação de que algo estava fora do lugar. Um arrastão para mais tarde era uma hipótese bem plausível.

Situações como essa, só o Rio pode oferecer. Uma muvuca daquelas, num dos cartões postais da cidade,  tendo um pano de fundo de fazer inveja a qualquer cidade:  o morro Dois Irmãos e a pedra da Gavea. Beleza e distopia, juntos e misturados.

E pensar que nossos homens públicos, querem fazer da cidade, uma capital global. Devem ter tomado algum chá especial... Ou seria cocaina?

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...e o verão sequer começou.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Os fiadores da nossa democracia.

Sempre considerei um delírio de bolsonarista-raiz os vídeos de uma vizinha enviados durante o período eleitoral que precedeu a última eleição presidencial. Mostravam blindados alinhados, militares circulando entre eles e mensagens de que eles estavam chegando, bastava ter paciência. E havia também os acampamentos em frente aos quarteis, com demonstrações individuais e grupais que evidenciavam um completo alienamento da realidade. Pareciam um bando de lunáticos.

A liberação do relatório de quase 900 páginas  da PF detalhando os planos para impedir que Lula assumisse a Presidência, deixam claro que aqueles videos e manifestações não eram delirantes. Havia um plano sendo gestado, videos e acampamentos cumpriam o papel de manter mobilizados os convertidos. A operação tabajara de 08/01 foi o canto de cisne, a tentativa desesperada final de através das massas, convencer os militares a sairem dos quartéis e (re)tomar o poder da nação. Em vão. Parte deles - não sabe-se exatamente por quais razões - recusou-se a aderir.

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Fica a dolorosa constatação de que foram as Forças Armadas e não as nossas instituições de estado - Judiciário em particular - cantadas em prosa e verso por alguns setores da imprensa, os fatores determinantes para que nossa democracia não naufragasse em mais um golpe, que seria dado - pasmem! -  dentro das quatro linhas.

Nossas instituições civis são frágeis; o poder armado pesa em demasia, reforçado pelo discutível artigo 142 da Constituição; características típicas de uma república bananeira.  A frase do filho do ex-presidente revela bem o quanto estamos à mercê dos militares, desde a instauração da nossa República - aliás, uma quartelada:

- Para fechar o STF, basta um soldado e um cabo.