quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Das virtudes de um conservador.

Pois o capitão Bolsonaro e a família resolveram formar um partido. Gostei. Vão marcar posição no espectro político  e colocar-se como bastião do reacionarismo que outra coisa não é que um desvirtuamento do conservadorismo.
Eles se dizem conservadores e só fazem desmerecer ainda mais a palavra já tão vilipendiada pelos nossos progressistas de plantão.
 Acabei de ler As Idéias Conservadoras de J. P. Coutinho, editado pela Três Estrelas.  Leitura oportuna pois mostrou-me como é preconceituosa a idéia que na maior parte das vezes fazemos de um conservador. Confesso que possuo boa parte dessa disposição conservadora que o autor faz questão de salientar não deve ser confundida com conservadorismo político; tanto é que podem não coexistir em um mesmo indivíduo. Vou compartilhar alguns textos que considerei úteis para definir um conservador, começando com uma frase de Michael Oakeshott:
Ser conservador, então, é preferir o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado, o fato ao mistério, o atual ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, o riso presente à felicidade utópica.
 .... que pega pesado quando afirma que só abraçam entusiasticamente qualquer mudança, sem avaliar as possibilidades de perda, aqueles que são estranhos ao amor e ao afeto.
Agora é com J. P. Coutinho:
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Um conservador não gosta de ideologia e tudo o que ela parece significar: um sistema de valores ou princípios gerais, que, na melhor tradição marxista, não deseja apenas interpretar o mundo mas, sobretudo, transformá-lo.
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 O conservadorismo apresenta uma dimensão existencial que é anterior, ou até superior, a qualquer ideologia política. Mais ainda: não é uma ideologia, preferindo encontrar refúgio identitário em forças interiores, temperamentos, fés, espíritos, instintos, inclinações - e claro, disposições.
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Uma disposição política conservadora... não recusa apenas as ambições utópicas (e futuras) dos revolucionários. Ela permite,igualmente, distinguir o conservador da sua caricatura habitual: o reacionário.... um revolucionário do avesso; alguém interessado em efetuar um corte semelhante com o risco presente, de forma a precipitar a sociedade, não para uma felicidade utópica futura mas para uma felicidade utópica passada
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"Não existe uma distinção válida entre mudar para trás e mudar para frente. Mudança é mudança; a história não se retrai nem se repete; e toda a mudança se afasta do status quo. À medida que o tempo passa, o ideal do reacionário distancia-se cada vez mais de qualquer sociedade real que tenha existido no passado. O passado é romantizado e, no fim, o reacionário acaba por defender o regresso a uma Idade do Ouro idealizada que nunca de fato existiu. Ele torna-se indistinguível de outros radicais, e normalmente exibe todas as características singulares da psicologia radical."
(Samuel Huntington - Conservatism as an Ideology, 1957) citado nas Idéias Conservadoras.
 As palavras de Huntington são importantes porque relembram uma verdade que os reacionários  tendem a esquecer; a utopia, entendida como um estado de perfeição a ser construido por vontade dos homens, não é exclusiva dos revolucionários que eles tanto abominam....É possível encontrar ideais utópicos nos dois extremos do horizonte político. Historicamente, porque o pensamento utópico sempre projetou no passado ou no futuro a solução final para as iniquidades que afligem o presente. E conceitualmente, porque reacionários e revolucionários parecem atribuir às suas particulares utopias as mesmas feições exteriores: um mundo harmonioso, estático onde todos os homens, porque dotados de uma natureza fixa e inalterável, desejam necessariamente as mesmas coisas.
Um conservador tenderá a recusar essas fantasias, que partem de uma dupla falácia....: por um lado, a falácia de que os homens possuem uma natureza fixa e inalterável e que, por isso, desejam as mesmas coisas; e,  por outro lado, a falácia correspondente de que os valores mais caros à existência humana podem ser vivenciados na sua expressão máxima (a máxima liberdade, a máxima igualdade, a máxima fraternidade) sem possibilidade de conflito entre eles. Uma revisitação melancólica do tenebroso século XX é suficiente para contemplar as ruínas materiais e humanas que o pensamento utópico, porque montado nessa dupla falácia, acabou fatalmente por produzir.
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Os Bolsonaros e sua trupe são reacionários porque utópicos regressivos. Querem de volta um passado que não terão.  Os petistas, psolistas e adjacências são utópicos progressistas porque almejam um futuro irrealizável.
Quanto a mim, cético em relação às utopias, sigo longe delas e porisso (des)qualificado como isentão, comunista, coxinha, entreguista  a depender do credo do interlocutor, seja ele um seguidor - na feliz expressão de Pablo Ortellado na Folha de 19.11 - do Messias de Garanhuns ou do Messias do Vale da Ribeira. Passou o tempo de acreditar em salvadores da pátria.


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