A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump da Michiko Kakutani, editora do NYT por muitos anos. É prá ler de uma sentada só esse livro da Intrínseca, publicado em 2018. Confortou-me ler muitas afirmações que vem ao encontro do que penso a respeito e que tem origens filosóficas: o abandono do conceito de universais que vem lá dos gregos e passa pelo Iluminismo e que traduzido em um exemplo bem prosaico significa o desprezo pelo conceito de homem e de humanidade, com o argumento que isso não passa de mera abstração e da adoção da sua concretude: homem branco, amarelo, preto, gay.... mulher branca, preta, amarela, preta, lésbica e pelo sem número de gêneros que não param de surgir e tampouco cessarão. Há uma atomização de idéias e grupos defensores delas em ghettos incomunicáveis que nos levarão a um impasse. É uma questão de tempo.
Não é novo na história das idéias; o abandono dos universais nos leva a um relativismo e a um impasse epistemológico. Começou com o Pós-Modernismo dos anos 60, com Foucault, Derrida e o desconstrutivismo, influenciados por Nietzche, com o contracultura e as guerras culturais promovidas pela esquerda. Nesse século a direita é a caudatária dessa tendência. Para comprovar que a marcha para a insensatez continua, estão aí seus arautos: Trump e o nosso representante o capitão Bolsonaro. O problema é até quando e para onde....
Há um desencanto generalizado com o que se passa no mundo atualmente e quem leu um pouco acima da média e conhece um pouco de história compara nossa situação àquela do entre-guerras do século XX. A sensação é de que caminhamos para um beco sem saída para um amargo fim. Alguns trechos do livro:
O súdito real do governo totalitário não é o nazista convicto nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a diferença entre o fato e a ficção (isto é a realidade da experiência) e a diferença entre o verdadeiro e o falso (isto é, os critérios do pensamento). ( Hannah Arendt em As Origens do Totalitarismo, 1951) (Introdução)
........
O nacionalismo, o tribalismo, a sensação de estranhamento, o medo das mudanças sociais e o ódio aos estrangeiros estão novamente em ascensão à medida que as pessoas, trancadas nos seus grupos partidários e protegidas pelo filtro de suas bolhas, vem perdendo a noção de realidade compartilhada e a habilidade de se comunicar com as diversas linhas sociais e sectárias. (Introdução)
..........
Todo o mundo tem o direito de ter suas próprias opiniões, mas não seus próprios fatos. (Sen. Daniel Patrick Moynihan) (Introdução)
..........
...o relativismo está em ascensão desde o início das guerras culturais, na década de 1960. Naquela época foi abraçado pela Nova Esquerda, ansiosa por expor os preconceitos do pensamento ocidental burguês e primordialmente masculino; e por acadêmicos que pregavam o evangelho do Pós-Modernismo, que argumentava que não existem verdades universais, apenas pequenas verdades pessoais - percepções moldadas pelas forças sociais e culturais de um indivíduo. Desde então, o discurso relativista tem sido usurpado pela direita populista, incluindo os criacionistas e os negacionistas climáticos, que insistem que suas teorias sejam ensinadas junta com as teorias baseadas na ciência.
O relativismo, é claro, combina perfeitamente com o narcisismo e a subjetividade que estão em expansão, desde A década do eu, de Tom Wolfe, até a auto-estima da era das selfies. (O declínio e a queda da razão)
...........
Em alguns aspectos, o desprezo que a Casa Branca de Trump nutre pelo conhecimento especializado e pela experiência refletem atitudes mais amplas que permeiam toda a sociedade americana. Em seu livro O Culto do Amador....Andrew Keen fez um alerta para o fato de que a internet havia não apenas democratizado a informação de maneira inimaginável, como também estava fazendo com que a sabedoria das multidões tomasse o lugar do conhecimento legítimo , nublando perigosamente os limites entre o fato e opinião, entre argumentação embasada e bravata especulativa.
( O declínio e a queda da razão)
........
...Tom Nichols escreveu em The Death of Expertise, que uma hostilidade deliberada contra o conhecimento estabelecido havia surgido tanto na direita quanto na esquerda, com pessoas argumentando de forma agressiva que toda opinião sobre qualquer tema é tão boa quanto as outras. Agora a ignorância está na moda. (O declínio e a queda da razão)
........
Como certos membros da contracultura de 1960, muitos desses novos republicanos rejeitam a racionalidade e a ciência. Na primeira rodada das guerras culturais, a Nova Esquerda rejeitou os ideais do Iluminismo como vestígios do antigo pensamento patriarcal e imperialista. Hoje, esses ideais de razão e progresso são atacados pela direita para serem vistos como parte de uma conspiração liberal para minar valores tradicionais ou como possíveis indicativos de um elitismo intelectual da Costa Leste. (As novas guerras culturais)
.........
Desde a década de 1960, tem ocorrido uma queda progressiva da confiança nas instituições e nas narrativas oficiais. Parte desse ceticismo tem sido um corretivo necessário - uma resposta racional às calamidades do Vietnam e do Iraque, a Watergate, à crise financeira de 2008 e aos preconceitos culturais que havia muito contaminavam tudo, desde o ensino da história nas escolas primárias até as injustiças do sistema jurídico. Mas a democratização libertadora da informação possibilitada pela internet, não apenas estimulou a inovação e um empreendedorismo de tirar o fôlego, como também deu origem a uma enxurrada de desinformação e relativismo, conforme evidenciado pela atual epidemia de notícias falsas.
Um elemento fundamental para o colapso das narrativas oficiais na academia foi a constelação de idéias que se enquadram no amplo cenário do Pós-Modernismo, que chegou às universidades americanas na segunda metade do século XX por meio de teóricos franceses como Foucault e Derrida ( cujas idéias, por sua vez, devem muito aos filósofos alemães Heidegger e Nietzche) (O declínio e a queda da razão)
..........
...de um modo geral, os argumentos Pós-Modernistas negam a existência de uma realidade objetiva independente da percepção humana, argumentando que o conhecimento é filtrado pelos prismas de classe, gênero e outras variáveis. A linguagem é vista como não confiável. Ao rejeitar a possibilidade de uma realidade objetiva e substituir a idéia de verdade pelas noções de perspectiva e posicionamento, o Pós-Modernismo consagrou o princípio da subjetividade. A linguagem é vista como não confiável e instável (parte da lacuna intransponível entre o que é dito e o que se entende); e mesmo a noção de pessoas que agem como indivíduos totalmente racionais e autônomos é descartada, pois cada um de nós é moldado, conscientemente ou não , por um tempo e uma cultura específica.
Abaixo a ideia de consenso. Abaixo a visão da história como narrativa linear. Abaixo as grandes metanarrativas universais ou transcendentes. O Iluminismo, por exemplo, é descartado por muitos pós-modernistas de esquerda como uma leitura hegemônica ou eurocêntrica da história, destinada a promover noções colonialistas ou capitalistas de razão e progresso. A narrativa cristã da redenção também e rejeitada, assim como o caminho marxista para uma utopia comunista. Para alguns pós-modernistas, observa o acadêmico Christopher Butler, até os argumentos dos cientistas podem ser vistos como não mais que seminarrativas que competem com todas as outras por aceitação. Não se encaixam de uma forma particular ou confiável no mundo, não possuem nenhuma correspondência inquestionável com a realidade. São apenas uma forma de ficção. (O declínio e a queda da razão)
.......
O multiculturalismo enfatizava a incompletude de muitos registros históricos...além disso...oferecia a possibilidade de uma perspectiva mais inclusiva e plural, Mas eles também advertiram (Joyce Appleby, Lynn Hunt e Margaret Jacob em Telling the Truth About History) que pontos de vista extremos poderiam levar à crença perigosamente reducionista de que o conhecimento sobre o passado é simplesmente uma construção ideológica destinada a servir interesses particulares, fazendo da história uma série de mitos, estabelecendo ou reforçando identidades grupais.
A ciência também foi atacada por pós-modernistas radicais, que argumentaram que as teorias científicas são socialmente construidas - influenciadas pela identidade da pessoa que postula a teoria e pelos valores da cultura em que é formada; portanto, a ciência não pode alegar neutralidade ou verdades universais.
(O declínio e a queda da razão)
.........
O Pós-Modernismo não apenas rejeitou todas as metanarrativas, como também enfatizou a instabilidade da linguagem. Um dos fundadores do Pós-Modernismo, Jacques Derrida....usou a palavra desconstrução para descrever um tipo de análise textual da qual foi pioneiro e que seria aplicado não apenas à literatura, mas também à história, à arquitetura e às ciências sociais. A desconstrução postulou que todos os textos são instáveis e irredutivelmente complexos, e que os significados, eternamente variáveis, são imputados pelos leitores e observadores. Ao se concentrar nas possíveis contradições e ambiguidades de um texto (articulando os argumentos com uma prosa deliberadamente empolada e pretensiosa), promulgou um relativismo extremo que foi, em última análise, niilista em suas implicações: qualquer coisa poderia significar qualquer coisa; a intenção do autor não importava e não podia ser discernida objetivamente; não havia uma leitura óbvia ou de senso comum, já que tudo tinha uma infinidade de significados. Em suma, não existia uma verdade. (O declínio e a queda da razão)