sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O retrato da destruição "cultural".

Em amarelo as áreas desmatadas da Amazonia em foto do INPE (Folha, 22.07.2019). A devastação é forte de Sul para Norte, do leste para o oeste e ao longo dos grandes rios e principais estradas. Perguntado sobre o crescimento do desmatamento na Amazonia em 2019, o capitão se saiu com essa:

- Você não vai acabar com o desmatamento, nem com as queimadas. É cultural.
Tem razão em parte. Até onde eu sei,  queimadas fazem parte da tradição indígena - as chamadas coivaras. Entretanto, por que os números voltaram a crescer em 2019, depois de uma série de quedas nos anos anteriores, justamente no ano em que ele tomou posse, com um discurso agressivo contra as políticas ambientalistas que vigiam até aqui?


Dá para acreditar?

https://static.poder360.com.br/2019/11/Alianc%CC%A7a-e1574371855453-868x644.jpg 

Não é uma gracinha esse quadro que apareceu na 1a Convenção do partido dos Bolsonaros: Aliança pelo Brasil, que recebeu o número - sugestivo! - de  38?


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Desencontros

Quem  escolhi, disse não.
Quem me escolheu, recebeu um não.
Do desencontro de quereres,
nasceu a solidão.
Não foi uma escolha,
foi a parte que me coube
na travessia pela existência.
Destino de deuses, heróis, loucos, malditos...
jamais de medíocres.
Para um solitário, não há um meio-termo.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O que elas e eles querem, afinal...

A revista Time publicou uma matéria interessante a respeito de uma pesquisa da Universidade de Swansea no Reino Unido  com 2700 estudantes universitários de 5 países, dois orientais (Singapura e Malasia) e três ocidentais (Inglaterra, Australia e Noruega). Através de situações reais, foi testado um menu de  7 atributos para que fossem ranqueados em termos de inegociabilidade para cada um dos participantes: atração física (physical attractiveness) , situação financeira (good financial prospects), gentileza (kindness), humor (humor), castidade (chastity), religiosidade (religiosity) desejo por ter crianças (desire for children) e criatividade (creativity). 
Para surpresa de muitos como J. P. Coutinho que acharam que ou mentiu-se para a pesquisa ou para si mesmo,  na cabeça deu a imaterial gentileza. Depois o velho e universal atavismo do ser humano falou alto; eles ficaram com a atração física (beleza); elas, com a situação financeira (posição social/profissional). Nada diferente do que ocorre desde o mais remoto dos sapiens. Os adeptos da idéia de que a cultura molda nossas escolhas, desprezando ativismos universais no tempo e no espaço, devem ter ficado passados.
A efetividade desse atavismo não cesso de constatar - já que, por força do trabalho, convivo com pessoas de diferentes nacionalidades e/ou muito contato com países estrangeiros -  nos casamentos entre brasileiros e estrangeiras de países ricos e entre brasileiras e estrangeiros de países ricos. A disparidade em favor da segunda situação deve ser maior que os 7 x 1 de Brasil e Alemanha.

Dia da Consciência Negra.

...com direito a feriado e  discursos repletos de citação a raça e a identidade. Confesso que me deixam contrariado, pois na maior parte deles é forte o ranço divisionista e o ressentimento.Políticas identitárias, discursos de gênero onde o lugar da fala é um lugar comum servem e muito para fazer desse mundo um conglomerado de ghettos e de bolhas habitados por pessoas que fazem da conversa mútua um diálogo de surdos. Estamos convergindo para a Torre de Babel bíblica.
Prá provocar : por que não um dia da Consciência Branca ou Amarela?

Das virtudes de um conservador.

Pois o capitão Bolsonaro e a família resolveram formar um partido. Gostei. Vão marcar posição no espectro político  e colocar-se como bastião do reacionarismo que outra coisa não é que um desvirtuamento do conservadorismo.
Eles se dizem conservadores e só fazem desmerecer ainda mais a palavra já tão vilipendiada pelos nossos progressistas de plantão.
 Acabei de ler As Idéias Conservadoras de J. P. Coutinho, editado pela Três Estrelas.  Leitura oportuna pois mostrou-me como é preconceituosa a idéia que na maior parte das vezes fazemos de um conservador. Confesso que possuo boa parte dessa disposição conservadora que o autor faz questão de salientar não deve ser confundida com conservadorismo político; tanto é que podem não coexistir em um mesmo indivíduo. Vou compartilhar alguns textos que considerei úteis para definir um conservador, começando com uma frase de Michael Oakeshott:
Ser conservador, então, é preferir o familiar ao desconhecido, o testado ao nunca testado, o fato ao mistério, o atual ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao abundante, o conveniente ao perfeito, o riso presente à felicidade utópica.
 .... que pega pesado quando afirma que só abraçam entusiasticamente qualquer mudança, sem avaliar as possibilidades de perda, aqueles que são estranhos ao amor e ao afeto.
Agora é com J. P. Coutinho:
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Um conservador não gosta de ideologia e tudo o que ela parece significar: um sistema de valores ou princípios gerais, que, na melhor tradição marxista, não deseja apenas interpretar o mundo mas, sobretudo, transformá-lo.
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 O conservadorismo apresenta uma dimensão existencial que é anterior, ou até superior, a qualquer ideologia política. Mais ainda: não é uma ideologia, preferindo encontrar refúgio identitário em forças interiores, temperamentos, fés, espíritos, instintos, inclinações - e claro, disposições.
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Uma disposição política conservadora... não recusa apenas as ambições utópicas (e futuras) dos revolucionários. Ela permite,igualmente, distinguir o conservador da sua caricatura habitual: o reacionário.... um revolucionário do avesso; alguém interessado em efetuar um corte semelhante com o risco presente, de forma a precipitar a sociedade, não para uma felicidade utópica futura mas para uma felicidade utópica passada
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"Não existe uma distinção válida entre mudar para trás e mudar para frente. Mudança é mudança; a história não se retrai nem se repete; e toda a mudança se afasta do status quo. À medida que o tempo passa, o ideal do reacionário distancia-se cada vez mais de qualquer sociedade real que tenha existido no passado. O passado é romantizado e, no fim, o reacionário acaba por defender o regresso a uma Idade do Ouro idealizada que nunca de fato existiu. Ele torna-se indistinguível de outros radicais, e normalmente exibe todas as características singulares da psicologia radical."
(Samuel Huntington - Conservatism as an Ideology, 1957) citado nas Idéias Conservadoras.
 As palavras de Huntington são importantes porque relembram uma verdade que os reacionários  tendem a esquecer; a utopia, entendida como um estado de perfeição a ser construido por vontade dos homens, não é exclusiva dos revolucionários que eles tanto abominam....É possível encontrar ideais utópicos nos dois extremos do horizonte político. Historicamente, porque o pensamento utópico sempre projetou no passado ou no futuro a solução final para as iniquidades que afligem o presente. E conceitualmente, porque reacionários e revolucionários parecem atribuir às suas particulares utopias as mesmas feições exteriores: um mundo harmonioso, estático onde todos os homens, porque dotados de uma natureza fixa e inalterável, desejam necessariamente as mesmas coisas.
Um conservador tenderá a recusar essas fantasias, que partem de uma dupla falácia....: por um lado, a falácia de que os homens possuem uma natureza fixa e inalterável e que, por isso, desejam as mesmas coisas; e,  por outro lado, a falácia correspondente de que os valores mais caros à existência humana podem ser vivenciados na sua expressão máxima (a máxima liberdade, a máxima igualdade, a máxima fraternidade) sem possibilidade de conflito entre eles. Uma revisitação melancólica do tenebroso século XX é suficiente para contemplar as ruínas materiais e humanas que o pensamento utópico, porque montado nessa dupla falácia, acabou fatalmente por produzir.
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Os Bolsonaros e sua trupe são reacionários porque utópicos regressivos. Querem de volta um passado que não terão.  Os petistas, psolistas e adjacências são utópicos progressistas porque almejam um futuro irrealizável.
Quanto a mim, cético em relação às utopias, sigo longe delas e porisso (des)qualificado como isentão, comunista, coxinha, entreguista  a depender do credo do interlocutor, seja ele um seguidor - na feliz expressão de Pablo Ortellado na Folha de 19.11 - do Messias de Garanhuns ou do Messias do Vale da Ribeira. Passou o tempo de acreditar em salvadores da pátria.


quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Da arte de perder.

One art


The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last,
or next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.




Uma certa arte

A arte da perda é fácil de estudar:
a perda, a tantas coisas, é latente
que perdê-las nem chega a ser azar.

Perde algo a cada dia. Deixa estar:
percam-se a chave, o tempo inutilmente.
A arte da perda é fácil de abarcar.

Perde-se mais e melhor. Nome ou lugar,
destino que talvez tinhas em mente
para a viagem. Nem isto é mesmo azar.

Perdi o relógio de mamãe. E um lar
dos três que tive, o (quase) mais recente.
A arte da perda é fácil de apurar.

Duas cidades lindas. Mais: um par
de rios, uns reinos meus, um continente.
Perdi-os, mas não foi um grande azar.

Mesmo perder-te (a voz jocosa, um ar
que eu amo), isso tampouco me desmente.
A arte da perda é fácil, apesar
de parecer (Anota!) um grande azar.



BISHOP, Elizabeth. In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.

Struggling for life (II)

...e não foi dessa vez que o quero-querozinho sobreviveu. A brutalidade da vida venceu novamente e o gavião - maledetto! -  conseguiu abater a criaturinha ontem pela manhã.Aliás são um casal que está com um ninho e filhotes em um dos coqueiros do jardim. Estão arrasando com ninhos e filhotes de pássaros menores que estão no seu raid de ação. Um deles - abaixo -   empoleirado em um coqueiro próximo.



 Estamos todos tristes mas a natureza não conhece a justiça, nem a bondade. Nela vige a lei do mais forte!

domingo, 10 de novembro de 2019

O atraso e a vanguarda do atraso.

2019 foi pródigo no bestialógico. O Mito e a dinastia, os capitães do Atraso, foram uma atração constante. Com a soltura do modelo de virtude em que o Brasil devia se espelhar, Luis Inácio Lula da Silva, o representante maior da Vanguarda do Atraso,   o palco ficou mais iluminado. A cacofonia deve ficar insuportável a julgar pelo que ouvi no final de semana. Vou fazer as malas e me mandar pro Paraguai.

Struggling for life!

Esse quero-querosinho é o sobrevivente  que ainda resiste ao ataque de um casal de gaviões que já arrematou outros seus dois irmãozinhos. Pela manhã todos vão dar uma espiada  para saber se ele continua lépido e fagueiro procurando insetos no gramado totalmente descampado nos fundos da ala sob o olhar vigilante de 3 outros, todos adultos. Virou o xodó da turma. Todos torcem pela sua sobrevivência.


Esse tal de Estado de Direito.

Devo dizer que estou até aqui (sic) com esse pessoal que defende o Estado de Direito. 
É fora de questão que uma democracia liberal  deva ser regida por um estado de Direito, mas há circunstâncias que tornam o Estado de Direito o braço legal para perpetuação no poder da turma do andar de cima. Legitimam a opressão, a impunidade, o que aí está. Tudo em nome do Estado de Direito.
Num estado democrático quem faz as leis  é o poder legislativo que é  representado sua imensa maioria por  lobbies poderosos da sociedade, na maior parte das vezes o andar de cima do nosso estrato social;  aquela minoria que dá as cartas desde o Descobrimento. Calejados na arte de manter suas prebendas, formatam as leis para mantê-las intactas.
O artigo 5, inciso LVII,  da nossa Constituição Cidadã,  e o artigo 283 do nosso Código de Processo Penal que permitem apenas que alguém seja considerado culpado depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso, e de que vá para a prisão apenas em circunstâncias excepcionais são o exemplo mais acabado da legitimação dos privilégios que garantem a impunidade da turma que povoa  o topo da pirâmide. Apenas os endinheirados e poderosos da República podem usufruir dessa máquina de recursos e protelações que a lei enseja,  obtidos apenas por aqueles que tem muito dinheiro para pagar  bons advogados.
Temos um sistema jurisdicional perverso e ineficiente nas palavras do ex-ministro do Supremo Cesar Peluso que retarda a prestação da justiça em função de existência de um modelo recursional irracional, completa Oscar Vilhena Vieira na Folha de ontem. Qualquer pessoa razoavelmente instruída sabe que se você tem bons advogados, - e prá isso, é preciso dinheiro! - dificilmente irá cumprir uma pena na cadeia. Lembro aqui do caso Pimenta Neves em São Paulo, jornalista que matou uma colega pelas costas e mesmo sendo réu confesso, só foi cumprir a pena 11 anos depois. Caprichos desse tal de Estado de Direito...

A quem interessa essa nova interpretação da jurisprudência de condenação e prisão? Certamente as guildas de advogados que se esbaldaram nas festas que rolaram em Brasília  comemorando a decisão do STF devem saber muito bem.