sexta-feira, 31 de maio de 2013

A menina sem qualidades

Sem qualidades é comigo mesmo. Acho que vou encarar a MTV prá ver essa série.

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Estreia desta semana na MTV, "A menina sem qualidades", série dirigida por Felipe Hirsch - que tem um trabalho consagrado no teatro -, é um dos mais finos biscoitos da recente produção nacional na televisão. O programa emburaca pelas dores de uma adolescência cinzenta e caminha nessa sombra sem edulcorar. Por outro lado, faz isso evitando a tentação de tornar carregado demais o que já é um fardo. Em outras palavras, o drama vai falando por si. O roteiro é uma adaptação de Hirsch, Marcelo Backes e Renata Melo do livro da alemã Juli Zehfaz, e seu título, uma referência a "O homem sem qualidades", do austríaco Robert Musil. Tudo gira em torno da problemática Ana (Bianca Comparato), de 16 anos. Tudo se passa num clima de introspecção que se reflete na câmera, na maioria das cenas, fechada na personagem. Essa escolha também ajuda a expressar a sua desoladora sensação de solidão. Diferentemente de seus pares de geração, Ana "tem preguiça da internet", onde, considera, "só se fala de sexo, dinheiro e guerra". Inicialmente apaixonada por outra menina, busca traduzir seus sentimentos através de excertos de livros (segundo o relato da mãe no primeiro episódio, "ela já leu Freud, Nietzsche, Álvares de Azevedo, 'aquele livro grosso do Inferno', os russos, os românticos..."). Embora uma hora ou outra "A menina sem qualidades" caia no enciclopedismo artificial, a melancolia da personagem é tão grande que salva o resultado da pretensão. É que o mar de citações funciona também para o programa como uma conexão entre a angústia de Ana e o mundo externo dela. No segundo episódio, com o coração partido pela namorada, ela muda de escola. Num primeiro momento, encontra uma turma e um amigo, mas o isolamento continua. Ana parece diferente dos outros e é assim que ela se enxerga. Mas essa não é, claro, a realidade. Por isso, com certeza, grande parte do público da MTV vai se identificar com ela. "A menina sem qualidades" faz uma representação muito sensível da adolescência, com a descoberta do sexo, da literatura e da música, o isolamento social, a insegurança e outras mazelas. Bianca tem um desempenho impressionante, e o elenco, aliás, é bom como um todo. A produção possui ainda uma trilha de primeira. Outro ponto alto é o fato de Hirsch ter tido sucesso total em apresentar duas camadas de ação paralelas, igualmente potentes e que dialogam. Uma delas mostra o que se passa com a protagonista internamente. A outra, o mundo externo (a mãe, os colegas da escola etc). Ana bate e apanha e a série apresenta isso fora da ordem cronológica, o que garante um retrato fiel da gangorra emocional da garota. Diferentemente da maioria dos programas que têm a adolescência como tema, essa série desvia 100% do padrão bonitonas-e-fortinhos que domina a TV. E acaba revelando que a libido, um dos ingredientes mais fortes da teledramaturgia, pode estar em outros modelos. Se Hirsch contribui muito para o teatro, ele é muito bem-vindo na televisão.

Patricia Kogut
O Globo - 30.05.2013

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Há um(a) canalha em cada esquina...

Ouví tanta coisa horrorosa de um amigo meu ontem que, embora contadas por alguém que eu considere confiável, a bem da verdade, é preciso checar;  as fontes, entretanto, podem não sê-lo pois envolvem - olha ele aí de novo -  relacionamento homem-mulher. De qualquer  maneira  trazem  um desalento infinito a respeito da nossa viabilidade enquanto seres humanos.  Há muitas histórias de superação pessoal, de pessoas de bem,  mas só as leio;  não as ouço, nem as vejo. Sei lá se minha condição de ter vivido à margem quase toda minha vida,  tenha me poupado  conhecer toda a sordidez da vida ou se ela é maior hoje do que  foi no passado, ou se escolho muito mal minhas companhias, ou ainda, vai ver sou um otimista - !?!? -  quanto às possibilidades do ser humano,  mas de fato o que vivencio e ouço ultimamente tem superado as piores espectativas.  É uma voracidade por cargos, dinheiro, posição e boa vida inesgotável; quer-se tudo e prá agora. Os fins justificam os meios. Acuados não temos escrúpulo algum em utilizar qualquer recurso; usa-se a meia-verdade, dissimula-se, embaralha-se o jogo para confundir com uma naturalidade... O que ocorre com a  corrupção - que já assumiu a condição de endemia ou até pandemia - está ocorrendo com a canalhice.
Seremos inviáveis?

terça-feira, 28 de maio de 2013

Estação Feliz!

Os dias claros,
 as temperaturas amenas,
o ar condicionado desligado,
a manta de lã uruguaia leve e quentinha que dá uma imensa sensação de bem estar na cama,
 a enorme e brilhante  lua cheia que me dá bom dia na sacada
quando levanto no final da madrugada.
Ao passar por Botafogo,
o laranja vívido do céu límpido no nascente pontuando a silhueta negra do Pão de Acúcar e dos morros do outro lado da baia.
É a fu(ll)gas visita da felicidade
nas noites e manhãs do outono.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Separações.

Recebi um email de um colega/amigo na última semana, comunicando-me que seu casamento tinha acabado. Compareci à cerimônia em dezembro ou novembro do ano passado. Meu presente de casamento foram as champãs (espumantes brasileiros)  da festa. Que coisa! Depois de seis meses, já separados.
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Há duas semanas almocei com um colega meu de faculdade que me comunicou que também estava a se separar. Pelo menos essa união durou mais, pois o filho já está na universidade. Contou-me de outro casamento em crise, de um colega comum de faculdade. Mantém-se aos trancos e barrancos, segundo o próprio, em função da filha. Particularmente acho que é para manter as aparências mas...
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Outro amigo também está a separar-se. A história é maluca e ele está pirando. Gosta de dinheiro e o fato de ter que dividir tudo o que amealhou colabora para parte desse comportamento borderline. Estamos preocupados porque frequenta terreiros, pais de santo, onde se brinca perigosamente com a paranomalidade. Falta-lhe estrutura para isso. Vai que ele embarca em uma dessas viagens e não volta...
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São inevitáveis nessa hora os papos sobre o tortuoso relacionamento homem-mulher, a dura realidade que brota da convivência...histórias de dissimulação, mentira, mesquinharia e até de crueldade...mental, pior do que a física. É comum ouvir que sou um felizardo porque não casei. Mal sabem que talvez tenha padecido e padeça  por mulher muito mais do que eles, apesar de continuar solito no más.
Dos papos, uma frase dita por alguém - bígamo... deve ser pós-doc no assunto! -    impressionou-me; muitos a consideram um horror. É atribuída à sabedoria popular e - minha opinião - com rara felicidade revela o enigma e ambivalência  dessa relação - doce na sua fase de busca e descobrimento mas, não raro, amarga depois de provada. Em sua versão de salão - Não fosse pelo sexo, sequer as cumprimentaria! 

domingo, 26 de maio de 2013

Da missa não sei a metade!

Acaba de sair aqui de casa um amigo meu - Maluco Beleza!  de acordo com seu psiquiatra - que me contou cada história dele próprio e de gente querida próxima a mim! Pode até ser  fofoca mas essas histórias iluminam o mundo e as pessoas com quem convivemos. Tem um  versinho postado dias atrás onde escrevi que estou, mas não sou desse mundo. A ser verdade o que ouví , melhor é estar do que ser, ignorar do que conhecer.  Talvez esteja a fugir. Melhor assim, pois há agonia em demasia.
O ser humano é constrangedor. Viiixe....

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Mi fa fastidio...

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O problema de Barack Obama, disse outro dia uma ex-assessora, é que na verdade ele não gosta muito de gente. Até surpreende, continuou Neera Tanden, que ele seja um político. Não telefona para ninguém e não é próximo de muitas pessoas nem no seu partido.
Apesar das muitas dificuldades e hesitações do presidente americano, eis aí um motivo a mais para eu simpatizar com ele. Custa a confessar, mas sinto o mesmo: não acho fácil gostar de gente.
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O inferno são os outros, disse Sartre --e, se a frase costuma ser citada por todo mundo, não é menos verdade que funciona especialmente bem entre intelectuais.
Claro, para citar agora a Simone de Beauvoir, ninguém nasce intelectual. A pessoa se torna intelectual, ou nerd, ou matemático, porque prefere a companhia de livros, computadores e números à dos amiguinhos da escola.
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Sim, tenho bons amigos e preciso deles. Se vou a um jantar, divirto-me, conto casos, derrotei há muito a própria timidez. Mas faço um esforço, cada vez maior, aliás, para sair de casa.
Nunca saí de casa sem ter levado porrada, resumiu o escritor Pedro Nava. Felizmente não digo o mesmo. Às vezes cumpro até um desafio: o de obter um sorriso, uma risada, de cada pessoa com quem encontro. Como certo personagem de Racine, cubro de flores a borda do grande abismo.
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(Marcelo Coelho - Folha - 22.05.2013)

Não sou o Obama - até ele! Fico surpreso - mas cada vez mais o convívio humano mi fa fastidio... expressão que aprendi criança ouvindo o quasi-italiano falado por minha mãe. Define bem o que me vai pela alma. Pode ser  uma exarcebação narcisista, um crescente desencanto com o mundo... o fato é que reclusão e insociabilidade só fazem aumentar. Acabo numa daquelas grutas da Capadócia... num mosteiro budista da Nepal...ou fico por aqui tentando cobrir de flores a borda do grande abismo?


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Tá certo...

O cotidiano beira a carnificina,
Há uma armadilha em cada esquina,
Uma mutreta em todo o negócio...
mas ver sua mãe de 88 anos sair da cama às 5:30 da manhã para se despedir de você, paga toda e qualquer aposta.

domingo, 19 de maio de 2013

Diário de bordo.

Ao meu lado,
um vizinho  inusitado.
- Tem três meses - diz a mãe.
Discreto
Não se agita, não chora.
Abandona- se ao imenso carinho
daquele colo.
Mama sossegado
Depois, repleto,
dorme o sono dos justos,
na paz  dos bem-aventurados.
...
(Invejo-o!)
...
A estridente voz de cabine desperta-o.
Seus olhos inquietos
brilham confusos
buscam seu único referente,
único significado; a mãe
Quando a encontram
Relaxam despreocupados.


domingo, 12 de maio de 2013

88 anos de serviços prestados à causa...

Anda com dificuldade, apenas de bengala. Gosta da leitura... e faz charme - parece uma scholar -   mas sua especialidade sempre foi pilotar fogão e tanque de lavar. Teve cinco filhos, só no último requisitou empregada e foi pro hospital. Discreta, recatada, tímida... saia de casa para ir à missa ou para comprar roupa de cama e mesa e prá ela também, ora... (duas vezes no ano se tanto...)
Pregou-nos um susto na semana que terminou ontem - caiu da cama, ficou falante, lembrou fatos passados em detalhe - enfim parecia um surto de demência. Agora está bem novamente.
Força, noninha!
(Acho que vou levar um esporro por ter publicado essas fotos!)



N


quinta-feira, 9 de maio de 2013

Estou !

Não sou deste mundo.
Não lhe pertenço.
Desamparo,
mal-estar e angústia,
perpassam minha existência.
Para mitigar tanta dor,
careço de fé,
falta-me o amor.
Viver
é um beco sem saida,
uma paixão perdida.

domingo, 5 de maio de 2013

É difícil encontrar um homem bom...

É o título de um livro de contos da Flannery O'Connor  ( A Good Man is Hard to Find and Other Stories ). Edição digital esgotada em inglês; em português, ambas. Pretendo ler, mas só na versão digital uma vez que estou fascinado pelo meu novo brinquedinho - o iPad. 

A propósito, tem também...

Canalha, substantivo feminino da jornalista Martha Mendonça onde a jornalista afirma, entre outras coisas, que há mais homens canalhas, mas os melhores espécimes estão entre as mulheres. Tem edição digital e virou série na TV. Estreia amanhã na GNT - parece-me que 23:30h.
Tudo isso prá dizer que no meio de tanto canalhice, cafajestada, mau caratismo, dissimulação e cinismo  de ambos os gêneros,  encontrei um homem bom. É uma dádiva! Devem existir mulheres também, mas aí eu não tenho tanta sorte.
É uma sumidade em orquídeas que você descobre depois de muito papo. Como é uma espécie em extinção, sua convivência é uma preciosidade e um privilégio.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Há beleza nas ruínas...

Richard Linklater é conhecido por qualquer pessoa com trinta e muitos, quarenta e poucos. Em 1995, Linklater dirigia "Antes do Amanhecer", e não houve adolescente com atividade hormonal regular que não tenha suspirado com o encontro amoroso entre o americano Jesse (Ethan Hawke) e a francesa Céline (Julie Delpy).
Ambos viajam sozinhos pela Europa. Ambos se encontram na mesma carruagem de trem. Amor à primeira vista, ou qualquer coisa assim do gênero. E quando o trem para em Viena, ele a convida para descerem e visitarem a cidade nas últimas horas que lhe restam antes de regressar a casa. Ela diz que sim.
O filme era apenas isso: a consequência desse sim. Feita de caminhadas e conversas e caminhadas e conversas. Não sei se a minha nostalgia sobre o filme está associada à beleza demasiado real de Julie Delpy ou ao raro milagre de ver dois seres humanos a falarem a mesma linguagem, apesar de não partilharem a mesma língua nativa.
O que sei é que, antes do amanhecer, eles despedem-se (depois das intimidades) e prometem reencontrar-se. Na mesma estação de trem, seis meses depois.
Era assim que os adolescentes de 1995 deixavam a sala de cinema: invejando a sorte alheia ...e perguntando se aqueles dois voltariam a encontrar-se em Viena.
Linklater respondeu nove anos depois com "Antes do Pôr do Sol". Mudou de cidade, não mudou de dueto: o encontro foi em Paris. Ele, nove anos mais velho. Como eu. Como nós. E de passagem pela cidade para promover o primeiro livro.
Ela lê algures que ele estará numa livraria algures. Aparece de surpresa. É a primeira vez que se veem desde a passeata em Viena. Sabemos depois que ele esteve na estação, como prometido, e que foi ela quem faltou ao encontro. Ah, os homens, os incorrigíveis homens.
Mas nove anos são nove anos. Ele casou entretanto. E foi pai entretanto. Ela não, mas isso pouco interessa. Porque o cardápio é repetido: caminhadas e conversas e caminhadas e conversas. Passaram nove anos, mas é como se tivessem passado nove minutos. O tempo corre diferente quando é vivido pelos verdadeiros amantes.
E, antes do pôr do sol, quando ele sabe que tem um voo à espera, ela começa a dançar na sala o Just in Time por Nina Simone e o filme termina com uma nova pergunta: ele parte ou fica? Não, minto. Aos trinta anos, a pergunta já não era essa. Era outra. Será que esse idiota não vai ficar?


Sabemos agora que o idiota ficou, que ambos ficaram, porque Linklater decidiu encerrar a trilogia em 2013. ... E a reação instintiva seria lamentar o fim de todas as perguntas que sustentavam os filmes anteriores.
Aos quarenta anos, com duas filhas e quase uma década de conjugalidade em cima, Jesse e Céline estão na Grécia. Curiosa escolha: a Grécia é hoje o símbolo da crise europeia, e a relação do casal está pouco melhor que o país.
Como nos versos do poeta, há no olhar de ambos ironias e cansaços. Viena e Paris não resistiram aos encantos do Peloponeso nem às pequenas guerrilhas do cotidiano.
O que ele foi obrigado a prescindir por causa dela. O que ela foi obrigada a prescindir por causa dele. Um clássico: nada perturba tanto as vidas que vivemos como as vidas que não vivemos. O psicanalista Adam Phillips, em livro recente, explica.
Mas seria injusto condenarmos Jesse e Céline como se fosse possível ter sempre Viena e Paris. Até porque existe alguma beleza nas ruínas. Não porque as ruínas são a expressão tangível do que se teve e perdeu. Mas porque elas são a expressão tangível do que sobreviveu.
Vinte anos depois, Jesse e Céline são dois sobreviventes. Juntos, apesar de tudo. E, por entre as tristezas momentâneas, há um sol de fim de tarde onde é possível vislumbrar, e até escutar, a perfeita sintonia que começou lá atrás, em Viena, quando todos viajávamos estupidamente livres e felizes.
Pedir mais talvez fosse pedir o impossível. Porque, no fundo, no fundo, quem deseja que a vida seja uma adolescência permanente nunca deixou verdadeiramente a adolescência.
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português.
Folha, 30.04.2014