quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Feliz Natal (II)


Feliz Natal


Tempos Sombrios (III)

Lí no Estadão que, de acordo com informações do Ministério Público, algumas empreiteiras sob investigação, em 8 anos repassaram de propina para o  ex-coleguinha Renato Duque a bagatela de  650 milhões de reais. Meu Deus, ele deve ter chegado ao bilhão, só com dinheiro de propina!
Também no Estadão ou no Globo - não lembro - lí que o Fernando Baiano, o operador do PMDB no esquema, pediu ao fornecedor estrangeiro 40 milhões de dólares, para intermediar a compra de dois navios. 40 milhões de propina por dois navios? Deve, também, estar biliardário.
Nenhuma mente, por mais fértil que fosse, imaginaria valores dessa ordem. 
O Brasil se reinventa para pior!

Tempos Sombrios (II)

A droga é malhada,
o baralho viciado,
a noite escura,
Todos os gatos são pardos.
Homens  parvos proliferam.
Há desídia em cada  esquina,
a maldade é desatada,
a impiedade desalmada.
Emporcalharam a candura.

(Duro escrever isso no Natal, mas foi hoje que sobrou-me tempo para o arremate final. Ele vem sendo elaborado fazem dias, sob o impacto desses acontecimentos que fazem da Petrobras, o fiasco do ano. Maior do que a surra futebolística que Alemanha nos aplicou no Mineirão)

domingo, 7 de dezembro de 2014

Tempos Sombrios (republicação)



A prisão de Renato Duque provoca-me  uma pororoca de idéias e sentimentos e convida a um balanço da minha vida profissional. Éramos vizinhos na Macaé dos anos 80 e começávamos na empresa.  Fui reencontrá-lo – poucos anos atrás – na sala de ginástica na companhia. Ele na qualidade de Diretor Executivo de Serviços Gerais, eu, um técnico sênior. Nesse reposicionamento das peças no xadrez da vida, trocávamos não mais do que palavras protocolares.
Agora esse escândalo... Já estarrecia quando os valores alcançavam 10 bilhões, fala-se agora em 25 bi. O limite parece ser as estrelas. Sabia-se que tinha subido na vida graças a indicação política de José Dirceu. Por amigos na empresa sabia que estava envolvido. Apanhá-lo seria uma questão de tempo depois que o Paulinho do Lula optou pela delação premiada. Certamente ele não alcançaria patamares tão elevados na gerência caso não vivesse nesse Brasil tão brasileiro onde o compadrio e, - peculiaridade desses tempos sombrios – interesses políticos para perpetuar um partido no poder associam-se.
Por mais criativa que fosse minha mente, jamais passaria por ela que 30 anos após, aquele engenheiro com sotaque característico do interior paulista estaria no epicentro do que é, provavelmente, o maior escândalo da República. Hoje está preso preventivamente por dispor de verdadeira fortuna em contas secretas mantidas no exterior segundo parecer do juiz que cuida do caso. Imagina os valores se Pedro Barusco, seu subordinado, declarou ter 100 milhões de dólares no exterior – quantia quase que suficiente para pagar a campanha  à presidência da República segundo os valores declarados pelos candidatos.
Olho prá dentro de mim, olho ao redor, constato o que amealhei nesses anos de empresa e no turbilhão de sentimentos  que o episódio provoca dois sobressaem: sinto paz e vergonha. Fiz o que pude dentro  da minha precariedade como ser humano, balizado pelos princípios que aprendi na casa dos meus pais e no seminário dos frades onde passei minha adolescência e juventude. Estou certo de que dei conta do recado e isso me dá paz interior. Entretanto, se até aqui sentia orgulho em dizer que pertencia ao corpo técnico da companhia, hoje envergonho-me.
Faço idéia  também no que deve pensar um bom número de interlocutores de outras empresas com quem mantenho relações profissionais. Devem associar-me a um preço. É cruel, é doloroso mas é o prêmio de 37 anos de trabalho.
Consternador também, é ver colegas à semelhança daquele fariseu da parábola que rezava:
- Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano, jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho (Evangelho de Lucas, cap. 9, vers. 10-11) -
afirmarem que com eles isso não aconteceria. Será? Se o cavalo tivesse passado encilhado não teriam repetido os feitos do Paulinho e do Duque? Quantos recusariam? Eu resistiria? Afinal 30 anos atrás o Duque não passava de um Engenheiro de Perfuração , eu, um simples geólogo da companhia. A linha de partida foi a mesma. Os caminhos e as condições de contorno, entretanto, revelaram-se diversos.

(republicada devido a problemas de formatação no texto de 30 de novembro)

Brasil?

Uma ruina ética.

Clóvis Rossi 

A música parou - Folha, 7.12.2014

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Você é um cara com alta auto-estima?

Eu não.

Ufa!


Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o.
Com ele ia subindo a ladeira da vida.
E, no entretanto, após cada ilusão perdida...
que extraordinária sensação de alívio.

Mário Quintana

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

DNA petista

Não dizem tudo, todavia revelam traços:

O PT é o bolchevismo sem utopia. (José Serra)

O PT é o partido da boquinha (Garotinho) Ele conhece porque por lá militou.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Elegia

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VIRGINIA WOOLF
Virginia Woolf vestiu o casaco no escritório em que costumava trabalhar. Era 28 de março de 1941 e fazia frio em Lewes, na Inglaterra, onde a escritora vivia. Virginia saiu de casa e caminhou em direção ao rio Ouse, não muito distante. No caminho foi catando pedras, que guardava nos bolsos do casaco. Chegando ao rio, caminhou pelas águas até se afogar, impelida ao fundo pelo peso das pedras. No bilhete que deixou para o marido, em que listou as razões que a levaram a decidir-se pelo suicídio, a última linha é de um romantismo inesperado: “Não creio que duas pessoas pudessem ser mais felizes do que nós fomos”. 
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Tony Belloto - O Globo, 23/11/2014

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Sic transit gloria mundi.


Eu não venci nada. Ninguém vence nada. A gente só passa.

Crioulo na Revista da Gol, 152.
 Grande filósofo esse Crioulo. Acho até que vou começar a gostar de rap!

domingo, 16 de novembro de 2014

Manoel de Barros (1916/2014)


Eu queria ser banhado por um rio como
um sítio é.
Como as árvores são.
Como as pedras são.
Eu fosse inventado de ter uma garça e outros
pássaros em minhas árvores.
Eu fosse inventado como as pedrinhas e as rãs
em minhas areias.
Eu escorresse desembestado sobre as grotas
e pelos cerrados como os rios.
Sem conhecer nem os rumos como os
andarilhos.
Livre, livre é quem não tem rumo.

 Do livro "Menino do Mato":

O jeito PT de pensar (II)

A campanha eleitoral pôs a nú felinos felpudos. Finalmente  estão dizendo a que vieram. É preocupante saber que temos gente próxima a nós que pensa dessa maneira. Talvez seja o lado bom do  ambiente de confronto que se instalou na campanha;  abrir os diques, fazer as águas rolar, muitas delas lodosas. Assustador é que podem ser postas em prática. Vejam algumas pérolas de um colega petista roxo enviadas por email. Ainda é possível a discussão mas temo que as portas do diálogo se fechem com o  tempo.

Dilma e Lula foram absolvidos pela população.
Simples assim. Até pq esse assunto da corrupção na PETROBRAS
foi praticamente o único tema apresentado pelo Aecioporto.

A oposição político-partidária, incapaz de formular propostas para o país
que não sejam o denuncismo e anti-petismo e a subordinação ao mercado, está
instalada nas instituições PF, TCU,STF, mídia, etc.... Por ex: O Estadão revelou que os delegados da operação LAVA-JATO atuaram politicamente no caso, conforme revelaram o "vazamento" de seus perfis nas redes sociais.

JK que sofreu o mesmo tipo de oposição udenista-lacerdista-denuncista
foi acusado de super-faturamento na construção de Brasília. Dizia que não
há empreiteiros no reino dos céus. Fez Brasília e entrou para a História.
Dilma e Lula fizeram ABREU e LIMA e entraram para a História.
(obs: vão dobrar a produção de petróleo de 2 para 4 Mbpd em 10 anos!!!!)
O resto é armazém de secos e molhados.


As seguintes foram-me repassadas por um amigo comum

A PF foi aparelhada pela Veja e pelo PSDB.

Nós (PT) vamos aparelhar o STF... e transformá-lo no Tribunal do Povo.

Os conservadores desse país, herdeiros da Casa Grande, instalados nessas instituições (PF,MP,CGU,TCU, etc) não crêem mais na rotatividade do poder pelo voto. Querem o golpismo paraguaio.

Vamos cortar a verba de publicidade do PIG.

Caramba! Para onde iremos?

sábado, 15 de novembro de 2014

Demasiadamente humano.

Mais do que  pela razão, é pela ética que nos distinguimos dos outros seres e da natureza. É ela quem dá a medida da nossa humanidade.
Cacá Diegues escreveu na sua coluna do Globo de sábado passado que: Até que o Bóson de Higgs nos prove o contrário, o homem é feito de estômago, coração e mente, mais ou menos nessa ordem de prioridades.
Essa questão da prioridade e/ou dicotomia é falsa e comumente utilizada pela esquerda  para justificar suas ações. De fato, sem satisfazer o estômago ninguém sobreviveria, entretanto  a luta pela sobrevivência nos iguala a  todos os outros  seres vivos. O que nos distingue  é o que construimos  ou destruimos  graças a ação de nossos corações e mentes. É nessa dimensão  que nos qualificamos como seres mais ou menos éticos. Como homens retos. Raros nos tempos atuais onde o que importa é ser bem sucedido não importando o preço, tampouco os meios.
Conduta ética é ítem onipresente nos  manuais de todas as companhias. Lembro-me que anos atrás ao receber o meu e olhando ao redor senti o estômago embrulhar-se.  Mero  artifact. Peça de marketing para se autoconferir respeitabilidade. Hoje muitos dos nomes que à   época, ocupavam cargos na alta gerência, são presença constante nas páginas policiais. Além da ética, vícios  nos fazem humanos, demasiadamente humanos: a desfaçatez e a hipocrisia.

A insanidade dos homens

A  entrevista com esse pesquisador e seu  artigo depois dela: O Futuro Climático da Amazonia deveria ser texto obrigatório para cada estudante do primeiro e segundo grau. Quem sabe mudaríamos. 
Para os atuais donos do mundo ele é anódino. Business are business.

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seca
Antonio Nobre, pesquisador do Inpe: “Temos cinco ou seis anos para impedir que uma catástrofe maior se estabeleça”
São Paulo tem vocação natural para deserto. Só não é terra seca porque existem os Andes e a Amazônia. “Os Andes não vão sair de lá, a não ser que aconteça um cataclisma. Mas destruir a Amazônia para avançar a fronteira agrícola é dar um tiro no pé do agronegócio.” O agrônomo Antonio Nobre, 50 anos, 22 deles vividos na Amazônia e autor da frase acima, tem se dedicado a estudar e dar visibilidade aos trabalhos de colegas sobre o regime de chuvas no país, uma área difícil, de poucos dados, e fundamental no horizonte do aquecimento global. “A Amazônia é uma bomba hidrológica gigantesca que traz a umidade do Oceano Atlântico para dentro do continente e garante que a região responsável por 70% do PIB da América do Sul seja irrigada”, continua. Matéria de Daniela Chiaretti, de São José dos Campos, no Valor Econômico, 12/01/2009.
Antonio Nobre vem de família rara. O pai era jogador de futebol, a mãe, pintora. Criaram seis filhos com DNA dominante de cientista. O irmão mais velho é Carlos Nobre, um dos maiores climatologistas do país. Paulo estuda como a destruição da Amazônia afeta os oceanos e é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde também trabalham Carlos e Antonio. Outro irmão é professor da Fundação Getúlio Vargas, o caçula faz doutorado em ecoturismo no Colorado (EUA). A única mulher do time é psicóloga e astróloga – “faz pesquisa no sutil”, diz Antonio, casado com uma pesquisadora do Inpe.
Com mestrado em biologia tropical pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (o Inpa, de Manaus), e doutorado em biogeoquímica pela Universidade de New Hampshire, há cinco anos Antonio é o homem do Inpa dentro do Inpe. Em sua sala em São José dos Campos (SP), rodeado por quadros da mãe, busca conectar a experiência amazônica com o que os satélites enxergam do espaço. Como todos os cientistas que se dedicam à mudança climática, o que vê não é promissor. “Temos cinco ou seis anos para impedir que uma catástrofe maior se estabeleça.”
Entre os mais novos estudos que vem recolhendo sobre o regime das chuvas, há dados impressionantes. A Amazônia evapora, em um único dia, 20 bilhões de toneladas de água. “Este rio voador, que sai para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra”, diz Antonio, comparando o potencial de chuvas da Amazônia às 17 bilhões de toneladas de água que o Amazonas lança todos os dias no Atlântico. “Está se descobrindo que a floresta é dez vezes mais importante do que se imaginava”, diz ele. “Estudos mostram que, nas regiões com floresta, a chuva continua igual por 500 km, 2 mil km; nas regiões do mundo onde ela foi tirada, dentro do continente é deserto”, explica.
O cientista lembra que as primeiras conseqüências do desmatamento já são sensíveis. Em Tocantins, Pará e Mato Grosso já se detectam temperaturas muito altas. O Rio Grande do Sul está perdendo safras. “Não é para parar com o desmatamento da Amazônia em 2015. Era para parar ontem. Tem que ser zero, nenhuma árvore mais derrubada. Precisamos replantar a floresta.” Aqui, Nobre explica como chuvas, ventos, oceanos e florestas estão interligados e por que alterar este equilíbrio pode trazer danos irreversíveis à vida:

Valor: Como o senhor interpreta as chuvas que castigam Santa Catarina, Minas, Espírito Santo?
Antonio Nobre: O único comentário que tenho é que lamentavelmente isso pode ser fichinha diante do que está vindo. Eventos extremos sempre aconteceram, mas a Terra tem mecanismos de atenuação. Agora, como a humanidade tem perturbado esses mecanismos, estamos tendo um aumento de freqüência desses eventos. Professores da Universidade Federal de Santa Catarina disseram que o sofrimento que esta chuva produziu é quase 100% responsabilidade da forma como foi feita a ocupação naquela região. É o mesmo que acontece em Minas, no Rio e está sendo imposto na Amazônia. Um sofrimento decorrente de construir em encostas íngremes, de cortar floresta e deixar a região fragilizada. O problema não é da natureza, é humano. Santa Catarina é uma região propensa a esse tipo de evento, infelizmente. Mas também é uma prova da falência do sistema político brasileiro, que só atende ao imediatismo. O Código Florestal, desrespeitado, é de 1965 e nem leva em consideração as mudanças climáticas. Se levasse, seria muito mais restritivo, porque só temos cinco ou seis anos para impedir que a catástrofe maior se estabeleça sem chance de retorno.

Valor: O Brasil está enxergando a Amazônia com outros olhos?
Nobre: O imaginário coletivo coloca nas florestas tropicais de modo geral, e na Amazônia, de modo particular, a sensação de algo de muito valor, de coisa grandiosa, mística. A Amazon.com não escolheu seu nome à toa. As pessoas atribuem esse valor ao sentido de paraíso perdido, de riqueza, de vida. Isso é senso comum. Exceto por um povo no mundo: o brasileiro.

Valor: Por quê?
Nobre: Porque o brasileiro médio acha que está deitado eternamente em berço esplêndido. E ele entende por isso vastas áreas propícias para agricultura, chuvas plenas, clima ameno, rios caudalosos que permitem geração de energia, um eldorado de minerais e agora o petróleo. É um país abençoado. Isso define a visão ufanista de que temos valores extraordinários no Brasil.

Valor: E não é assim?
Nobre: Analise o que falei: área para agricultura, água nos rios para energia, biocombustíveis, minerais, não tem nada vivo! Bem, a agricultura é viva, mas não é natural. O berço esplêndido do brasileiro é a terra aberta, não há registro da nossa herança viva. É a nossa visão cultural. O verde está lá, tremulando na bandeira, mas não o valorizamos.

Valor: Por que não?
Nobre: Várias razões. Uma é a que chamo herança maldita dos invasores. O europeu que chegava aqui, na colonização, era o que tinha de pior naquela sociedade. Mercenários que encontravam uma terra sem lei nem rei, onde havia uma floresta de vigor incrível, ouro, povos sem exército nem pólvora. Toda essa abundância ofertada obscenamente para pilhagem. E com o agravante da Igreja, que dizia que os povos da terra não tinham alma enquanto não fossem batizados. Portanto, o conhecimento da natureza que esses povos tinham valia zero. Assim se removeu o saber indígena do “pool” cultural do brasileiro e o pouco caso com o ambiente passou a fazer parte do nosso caráter.

Valor: Como se muda isso?
Nobre: Primeiro reconhecendo que tem carrapato em cima da vaca. Por que o brasileiro chama floresta de mata? Mata é coisa sem valor. Porque era assim para o invasor e nós perpetuamos a rapina. Continua ativa a mesma mentalidade, hoje disfarçada de direito, que faz parte do nosso sistema de valores, foi incorporada no governo e se disfarçou. Agora se chama desenvolvimento. Temos que reconhecer esse fardo ignaro e pensar positivamente para frente. Parar de brigar ambientalista com desenvolvimentista e redescobrir nossa identidade. O brasileiro tem uma reação forte contra pirataria: “Estão roubando os nossos bens”, diz, indignado. Mas um ataque sem precedentes aos biomas, com tratores e correntões, motosserra e fogo não desperta revolta. É claro que temos que desenvolver, precisamos de agricultura. O Blairo Maggi [governador do Mato Grosso e um dos maiores produtores de soja do mundo] perguntou outro dia se queremos árvores ou se queremos comida. É um dilema totalmente falso.

Valor: Por quê?
Nobre: Porque sem árvores não tem água e sem água não tem comida. Uma tonelada de soja consome várias toneladas de água para ser produzida. Quando exportamos soja, estamos exportando água doce para países que não têm esta chuva e não podem produzir. É o mesmo com o algodão, com o álcool. Água é o principal insumo agrícola. Se não fosse assim, o Saara seria verde, porque tem solos fertilíssimos.

Valor: As pessoas acreditam que chuva é um fenômeno eterno…
Nobre: Pois é. Mas pense numa caixa d´água. Se tem só um cano saindo e nenhum entrando, vai esvaziar. Os rios saem dos continentes e vão para o oceano. Precisa ter alguma volta de água ou seca o continente.

Valor: De onde vem essa água?
Nobre: Essa é uma pergunta que ninguém se faz. Aprendemos assim na escola: a água salgada do mar evapora pela ação do sol, o sal fica no mar e a água doce forma as nuvens. O vento sopra a umidade, chove no continente e a água volta para os rios.

Valor: Está errado?
Nobre: Então devia ter água em todos os continentes da Terra, mas existem desertos, não é? É só olhar o globo e ver que em toda a zona equatorial tem florestas. Ou tinha, as estamos destruindo. Mas nas áreas contíguas, a 30 graus de latitude norte e sul, existem desertos. O Kalahari, deserto da Namíbia, o Atacama, o Saara. Isso tem uma explicação, chama-se circulação de Hadley: a parte central do planeta recebe maior radiação solar, ilumina muito, é uma área muito quente, evapora muita água, a evaporação produz chuvas na região. A produção de chuva faz com que o ar circule assim: sobe no Equador e desce a uns 30 graus norte e sul. O ar que sobe, perde umidade, chove; quando desce rouba umidade da superfície e formam-se os desertos. Só há duas exceções, no Sul da China, um lugar atrás do Himalaia, e na região que produz 70% do PIB da América do Sul, o quadrilátero que vai de Cuiabá a Buenos Aires e de São Paulo aos Andes. Toda essa atividade econômica depende de chuva. Se prevalecesse a circulação de Hadley, seria deserto também. Teria floresta na Amazônia e aqui não teria nada.

Valor: E por que não é deserto?
Nobre: Por duas razões. Uma, publicada pelo José Marengo [outro especialista em clima, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe]. Se esta região deveria ser deserto e não é, tem algo na América do Sul que é diferente. O quê? Os Andes, uma parede de 6 mil metros de altura, que corta o continente até a Patagônia. Funciona assim: a massa de ar gira sempre de leste para oeste em cima do Equador e o vento sopra ao contrário na faixa entre a zona equatorial e a polar. A umidade do Atlântico entra sobre a Amazônia, a floresta a mantém, e se não existissem os Andes passaria direto ao Pacífico. Mas o ar bate na cordilheira e no verão consegue chegar ao sul e irrigar o nosso quadrilátero produtivo.

Valor: É uma chuva importante?
Nobre: Significa mais de 90% da chuva que cai na região. A transmissão de umidade da Amazônia para o centro agrícola da América do Sul é o que faz produzir e não deixa a área virar deserto. A condição dos Andes é importante, é por isso que o pessoal diz que o Acre é onde o vento faz a curva. Mas é o segundo fator que considero o mais importante: temos uma esponja verde como cabeceira de água na América do Sul, a floresta amazônica. As árvores conseguem evaporar mais água do que os oceanos por unidade de área.

Valor: Como é esta comparação?
Nobre: Uma árvore grande, com copa de 20 metros, chega a evaporar 300 litros de água por dia. No oceano, 1 m2 é 1 m2 de superfície evaporadora. Mas 1m2 de floresta chega a ter 8, 10 m2 de folha. Evapora oito, dez vezes mais que o oceano. A floresta é como um radiador de automóvel, é um evaporador otimizado. As folhas são distribuídas em vários níveis por 40 m de altura. O vento vem, encontra a superfície cheia de galhos, faz turbulência, gira, entra pelo meio. Isso ajuda a remover umidade da superfície. Medimos o quanto a Amazônia evapora, é um número astronômico: 20 bilhões de toneladas de água em um dia. Para ter idéia do que é este volume, o rio Amazonas lança 17 bilhões de toneladas de água por dia no Atlântico. Este rio voador, que sai para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra.

Valor: É por isso que o senhor diz que avançar a fronteira agrícola para a Amazônia é dar um tiro no pé?
Nobre: Claro. A Amazônia é uma gigantesca bomba de água. A evaporação precisa do sol para acontecer. Calculamos quanta energia seria necessária para evaporar toda aquela água. Quantas Itaipus precisaríamos para evaporar um dia de água da Amazônia? Precisaríamos de 50 mil Itaipus a plena carga.

Valor: Como atua essa bomba?
Nobre: Cerca de 50% da chuva cai de novo na floresta. O fato de ela absorver essa energia toda na superfície e liberar em altitude, onde condensam as nuvens, produz circulação atmosférica. A floresta gera uma bomba que puxa o vento do oceano para dentro da terra. Chega este ar cheio de umidade, chove, a floresta evapora, o ar úmido continua seu caminho para dentro do continente, chove de novo. São 4 mil km até os Andes. Quando alcança os Andes, ainda está carregado de umidade, bate na cordilheira, desce e vai irrigar as plantações de soja do Centro-Oeste, Sudeste, Sul e segue. Estudos mostram que nas regiões com floresta, a chuva continua igual por 2 mil km. Nas regiões onde foi tirada, lá para dentro do continente é deserto. As primeiras conseqüências do desmatamento já estão disponíveis. O Rio Grande do Sul já está perdendo safras. Se desmatarmos e enfraquecermos a bomba, a região toda vai secar, porque é seu destino natural.

Valor: A Amazônia, então, é fundamental para a agricultura?
Nobre: Está se descobrindo que a floresta é dez vezes mais importante do que se imaginava. Tem outros fatores, também: a floresta faz chover. Essa foi uma descoberta fantástica do projeto LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). Gotas precisam de alguma coisa sólida para se formarem, é fácil perceber quando se tira uma garrafa de refrigerante da geladeira e formam-se gotinhas em volta. A floresta emite vapores orgânicos para a atmosfera, que funcionam como sementes de nuvens. Mas precisa ser a quantidade certa para chover, se tiver demais não chove. A fumaça das queimadas introduz partículas demais na atmosfera, seca as nuvens e elas não chovem. Durante o período seco, das queimadas, a floresta sempre mantinha uma chuvinha que a deixava úmida e não-inflamável. Agora passam dois meses sem chover. A floresta começa a ficar muito seca e o fogo entra por ela. As árvores da Amazônia, diferente do Cerrado, não têm resistência ao fogo. Um fogo bobo mata todas as árvores que têm raízes rasas, e aquela floresta está condenada. Existem árvores imensas sendo destruídas assim.

Valor: Então é um mito que a Amazônia é muito forte?
Nobre: É forte quando o regime de chuvas está perfeito, mas com fogo, correntão e motosserra fica difícil. Em Tocantins, está dando 40 graus. No Pará e no Norte do Mato Grosso, registramos temperaturas muito altas. Cuiabá é quentíssima. Já está em curso um processo que a gente não sabe se é sem volta e temos que acabar com a hipocrisia que acende esse debate. Não é para parar com o desmate em 2015. Era para parar ontem, zero, nenhuma árvore mais derrubada. Temos que replantar a floresta.

Valor: O sr. faz uma espécie de militância científica?
Nobre: Foi o efeito da floresta no meu espírito. Eu me senti muito frustrado com tudo o que vivenciei na Amazônia. Tive uma fase de militância ambientalista, depois vi que temos que ter pé no chão e não falar só “não pode”. Mas, se destruirmos as florestas, vamos estourar o nosso sistema climático. A condição do sistema terrestre hoje é a de já estarmos na UTI com falência múltipla de órgãos. Isso é o aquecimento global. A queima de combustíveis fósseis tem papel importante, mas a destruição dos órgãos de manutenção do clima, florestas e oceanos é o principal fator para o descontrole global. Não adianta todos os carros virarem elétricos se continuarmos a desmatar.

Valor: Quem conhece as coisas da Amazônia?
Nobre: Os povos nativos, intuitivamente. Mas são desrespeitados, não são valorizados. Temos que considerá-los um dia, se quisermos ser uma grande nação. E existe o conhecimento científico disperso em uma enorme variedade de disciplinas. Eu sou um garimpeiro de pérolas, em diferentes áreas. É isso que faço, ligo uma coisa à outra.

Valor: O senhor é otimista sobre a nossa mudança de consciência?
Nobre: Não consigo ver a mudança sem passarmos, infelizmente, por uma catástrofe. Aqui, o crescimento sem controle do agronegócio está danificando o funcionamento hidrológico da América do Sul. Enquanto lá fora se fala em serviços ambientais, aqui é só agronegócio, aço, minério, assuntos do século XX. A gente só chega depois, temos mentalidade de colônia até hoje. Mas o mundo vai depender cada vez mais dos nossos serviços ambientais. O Brasil não é só grãos.

O Futuro Climático da Amazonia

terça-feira, 4 de novembro de 2014

As redes remetem a razão ao ralo

Pois tem gente que se indignou - até se assustou! - com o esgoto que rolou nas redes por ocasião da campanha eleitoral. Gato enlameado que sou, levei do episódio em que fui envolvido em passado recente, a análise de um amigo que ao ler o texto ofensivo disparou: 
- Dizem mais de quem escreveu do que de você.

O jeito PT de pensar

Sobre o Plano Real, talvez o que de melhor se fez no país no período pós-ditadura.

O ministro Mantega disse que essa estratégia neoliberal de controle da inflação, além de ser burra  e ineficiente, é socialmente perversa. Segundo Mercadante, o PT não aderiu ao plano por profundas discordâncias com a concepção neoliberal que o inspira. Para Conceição Tavares o Plano Real foi feito para os que tem a riqueza do país, especialmente o setor financeiro. Para o diplomata Marco Aurélio Garcia , o Plano Real  era como um relógio Rolex desses que se compra no Paraguai e tem corda para um dia.
Extraí o texto de um artigo do Gustavo Franco -  Um Domingo para Sempre - O Globo de 26.10.2014
Não podia ser diferente. O PT votou contra o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o ENEM. Votou, inclusive,  contra a Constituição de 1988, uma constituição que caracteriza  o estado brasileirio como um estado de bem-estar social.
Boa mesmo deve ser  a  nova matriz econômica proposta pelo ministro Mantega e seu legado de crescimento econômico pífio, inflação "oficial" fora da meta - imaginem os números reais! - desequilíbrio nas contas externas. Estamos em recessão técnica, com todos os indicadores econômicos descendo a ladeira com exceção daquele do emprego.
Um bom petista - a renitente pomba que insiste em desarrumar as peças do  jogo de xadrez  - recorreria a um dos seus mantras prediletos e retrucaria:
- Apenas uma análise neoliberal!

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Everything...

Everything but Phalaenopsis,
Everything but Chardonnay,
Everything but PT.

Você é fofo?

Eu não!

E serão 4 anos mais....Eu quero luz!

Depois da campanha sórdida em que ser bem sucedido significava aumentar a taxa de rejeição do oponente - ai meu Deus! - só me resta desejar ao poste reeleito pelo nosso demiurgo que faça a luz, uma vez que  nos 4 anos que governou, nos deixou tateando no escuro. Espero que corações e mentes se desarmem mas será tarefa difícil uma vez que  o PT faz política baseada no confronto. Se até   Marina Silva, com a história que possui, ao surgir como ameaça ao projeto de 1000 anos de hegemonia petista - 4O  Reich? - foi destruida, mais fácil foi demolir  Aécio Neves com um passivo  bem mais comprometedor.

Dou razão a Sartre - Para fazer política é preciso meter as mãos na merda ; a Thoreau em Vida sem Princípio - O que se chama de política, é algo tão superficial e desumano que eu sequer consigo que tenha a ver comigo. Concordo com Fernando Gabeira - Uma fantástica máquina de propaganda e um poderoso esquema de corrupção ocuparam o lugar da política. (O Globo, 26.10.2014)




O jeito PT de ser

Os dois episódios narrados por Elio Gaspari na sua coluna da Folha (26.10.2014) dão a dimensão exata de quem é Lula; de como age o PT. Atribuem a Petronio a frase:  Se o povo quer ser enganado, deixemo-lo ser enganado

 Em 2002, depois do debate da TV Globo, Lula foi para um restaurante do Rio e comemorou seu desempenho tomando de uma garrafa de vinho Romanée-Conti que custava R$ 9.600. A conta ficou para Duda Mendonça, o marqueteiro da ocasião. Quem achou a cena esquisita pareceu um elitista que não queria dar a um ex-metalúrgico emergente o direito de tomar vinho caro. Duda confessou que fazia suas mágicas com o ervanário do mensalão. Passaram-se doze anos e os repórteres Cleo Guimarães e Marco Grillo mostraram que, na semana passada, Lula esteve em São Gonçalo, onde disse que "a elite brasileira não queria que pobre estudasse". Seguiu da Baixada Fluminense para a avenida Atlântica e hospedou-se no Copacabana Palace, subindo para a suíte 601, de 300 metros quadrados, com direito a mordomo. Outros sete apartamentos estavam reservados para sua comitiva.

A mágica dos 3% para o PT que Paulinho arrecadava com os seus negócios na Petrobras deve ter financiado dessa vez a  suite do Copacabana Palace. Vou arrematar com  Fernando Gabeira:

Desde muito que as evidências não importam mais. Os cínicos triunfaram impondo a tese de que importam apenas as versões. À suprema vitória foi a adoção da técnica de Goebbels: repetir a mentira muitas vezes para que se confunda com a verdade . ( O Globo, 26.10.2014)

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Pondé em 5 textos.

Vaidades

Há muito que leio a Bíblia, apesar de ter nascido sem o órgão da fé. Uma ideia que, para mim, é insuperável, e muito estranha ao mundo contemporâneo, é a de que nada existe de novo embaixo do sol. Nosso mundo, tomado pela moda como ontologia (.......), tem dificuldade em apreender o que seriam grandes rotinas que se repetem desde muitos milênios e que se impõem a nós.
Claro que mudanças acontecem. As tecnologias avançam, a Medicina avança, as idéias políticas circulam. Mas a questão sobre um nível perene de realidade se coloca noutro plano, aquele de processos que se repetem e nos fazem perguntar se há algo de novo sob o sol, como nos fala o sábio bíblico do Eclesiastes. Nascer, crescer, plantar, colher, reproduzir e morrer são algumas marcas desses processos ou instantes. Diante de uma sociedade afeita a modas, pergunto-me se a experiência cotidiana não está contida numa incapacidade humana de mudar nossa condição na Terra: por que estamos aqui? Para onde vamos? Qual é o sentido de tanta labuta? Normalmente, diante de um ataque cardíaco ou da morte de um ente amado, a sensação de que a tagarelice contemporânea e sua excessiva crença em si mesma mais atrapalham do que ajudam é gritante.
Outro exemplo pontual é a tentativa de reinventar as relações entre os seres humanos, definindo-as como políticas ou construções sociais. Ridículos chegam a afirmar que podemos nos definir até no sexo. Caminhamos como se a vida fosse livre como a escolha de um desodorante, apesar de que, no silêncio do dia a dia, nos afogamos na incapacidade de dar nomes aos nossos impulsos e sentimento. Entre a crença nos instintos como símbolo de algum equilíbrio natural ( a natureza é o lugar do desequilíbrio, e não do equilíbrio!) e a utopia de um homem inventado por idéias, fracassamos diante da necessidade de comer, dormir, nascer e morrer, apesar do grito geral a favor de um mundo de luxos e direitos.
A pergunta do Eclesiastes acerca da vaidade como fundo de tudo sob o sol está ancorada no significado mais profundo da palavra latina (vanitas) que traduz neste livro bíblico a expressão do hebraico antigo  nuvem de nada, vento que passa. Vanitas, antes de ser uma luta contra o envelhecimento e a falta de beleza, significa o vazio que nos ronda e que se materializa em nossos limites tão desejados. No mundo contemporâneo, pensamos que podemos votar contra o medo, o fracasso, a inveja, a mentira e a hipocrisia. Essa negação do fato de que não existe almoço de graça prepara a negação maior de que, no limite, não somos o que a Psicanálise chama de ser da falta. Como crianças mal criadas que atingiram os 40 anos, gritamos contra a injustiça do universo contra nós e declaramos esse vazio uma falta de respeito.A maquiagem como mentira da beleza é menos enganosa do que uma cultura que gosta de se reafirmar como livre de gravidade e do trabalho de sol a sol. O suor é, assim declarado uma forma de preconceito contra nosso direito à eternidade.

Coitados

É comum nos referimos às pessoas como coitadas porque têm de enfrentar a vida. Algo que, antes, era considerado óbvio - a vida não tem garantias-, hoje se tornou um erro cósmico.  Esse equívoco se evidencia de forma mais gritante no olhar que muita gente tem sobre as contingências da vida social e econômica. Criticamos o mundo como se ele fosse responsável por sobrevivermos ou não. Em casos como esses  é que o ressentimento se torna mais evidente: a sociedade e as pessoas devem ser responsabilizadas por escolhas individuais. Se me endivido, a culpa é do banco. Se não tenho emprego, a culpa é da sociedade que me obriga a trabalhar. A questão é: quem foi o desgraçado que inventou essa história de que devemos amadurecer e enfrentar o fato de que não há garantias para nada? por que esses ressentidos acham que a a sociedade deve nos dar tudo o com isso fazer de nós uns retardados mentais em termos de moral? A necessidade de que a vida seja garantida atinge níveis metafísicos desde sempre: este é o núcleo de nosso desejo metafísico religioso, a saber, que algo ou alguém garanta nossa sobrevida, mesmo depois da morte. Morto Deus ( pelo menos tendo Ele concorrentes mais próximos, como a vida secular, científica e racionalizada), essa forma de ressentimento se escondeu nas camadas mais medíocres da existência: assumiu a forma de uma petição contínua para que eu seja uma eterna criança a ser cuidada. Se Freud dizia que amadurecer é aceitar uma orfandade, o amadurecimento passou a ser considerado um modo de opressão. Coitados de todos nós, que somos obrigados a suportar essa ladainha daqueles  que não conseguem compreender o que, desde a tragédia grega, se sabe: a vida nunca teve garantias.
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Posso ser o que eu quiser

Não, você não pode ser o que você quiser. É modinha, hoje, afirmar que posso ser o que quiser. Numa mistura bombástica entre crítica dos anos 1960 à Psiquiatria (.....) e simples preguiça mental, muitos contemporâneos afirmam que, se eu quiser ser X, posso ser.
Sim, talvez eu poderei ser médico se me esforçar muito, mas não posso ser Jesus se quiser. Se pensar que sim, serei apenas ridículo ou louco. Mas esse tipo de discurso que parece buscar uma liberdade total, apenas revela o tédio da própria identidade
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Mas o traço característico dessa forma de preguiça é confundir o peso da identidade com o sonho infantil de que me livro dela quando quiser e que, portanto, se sou X, o sou porque quis, logo, sou livre. Mais uma mentira a serviço de nossa incapacidade para lidar com o sofrimento. Coisas básicas como ser eu mesmo se tornou tamanho desafio que é melhor crermos em ficções como posso me inventar quando quiser. Talvez o maior equívoco da cultura em que afogamos nossos jovens seja essa idéia de que eles teriam descoberto modos de resolver a vida e se inventar.

Políticas do Ressentimento.

A Psicanálise afirma que somos seres da falta. Essa falta está inscrita na nossa incapacidade de sermos seres plenos. Desejamos o tempo todo porque nunca estamos satisfeitos. A cada realização de um desejo, o objeto que o realiza tomba sob o efeito do tédio. A mulher não é mais tão gostosa, o homem tampouco permanece tão sedutor.
No mundo de mimados em que vivemos, essa falta é declarada irreal. Compramos tudo para não a sentir por cinco minutos, acreditamos em teorias absurdas sobre a natureza humana (somos lindos, e a sociedade é que nos faz feios) para não experimentarmos o fracasso de nossa virtude, criamos utopias que sustentam um paraíso onde ninguém viverá o mal-estar do qual nos falava Freud. Aliás, apesar de repetirmos esse mal-estar ao longo da vida, como o sábio de Viena disse que acontece, declaramos guerra à verdade dizendo que tudo é culpa da má construção social do sujeito. Mesmo a psicologia profissional tomba diante da negação da falta. Um mundo incapaz de suportar essa falta é um mundo povoado por adultos retardados mentais, que jamais alcançam aquilo que nos define como adultos (......):a angústia de saber que jamais seremos felizes.

O Insuportável Singular

Interessante contradição da era do ressentimento: fala-se muito dos direitos do eu, da pessoa, do indivíduo, mas ninguém suporta a singularidade. Ser uma pessoa singular virou um produto de marketing do eu. Todo idiota do bem se acha uma pessoa singular, livre de preconceitos que o definam. Mas nunca foi tão impossível sustentar essa posição, porque a singularidade exige um percurso mais próximo dos exercícios espirituais dos velhos monges do deserto do que das preocupações com a felicidade típica dos mimados contemporâneos.
A contradição salta aos olhos uma vez que nós falamos muito no eu livre das tradições, e os monges buscavam o aniquilamento do eu a fim de fazê-lo dissolver-se numa tradição, a do Cristianismo. A verdade é: quanto mais quero ser eu mesmo, mais sou como um conjunto de projeções e manias herdadas dos outros ou criadas por meu próprio narcisismo. Às vezes, quando desisto de me autoafirmar, torno-me menos ridículo.
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A singularidade de uma alma não é ser bem resolvido....... mas fracassar em ser bem resolvido e viver um dia após o outro tendo que criar sua própria sinfonia, sem garantias, sem modas, sem militâncias, apenas sabendo que não pertence a um bando de vitoriosos.
 
Luiz Felipe Pondé, A Era do Ressentimento, Leya, 2014.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Nos umbrais da velhice (II)

Cacá Diegues escreveu para o Globo de 05.10.2013 sob o título de O que ainda não sabemos. Faço minhas suas palavras. Ao completar 63 anos pareceu-me um balanço apropriado para a saga da humanidade e de um homem só.
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Já disse que não sou catastrofista, não acho que estejamos vivendo o pior dos tempos. Em geral, é tão difícil viver que confundimos nossa agonia com a agonia dos tempos, como se nossa dor fosse fruto do pior momento da história da humanidade, aquele que estamos vivendo. Confundimos a angústia de nossa finitude, com o próprio fim do mundo. E, no entanto, a humanidade segue avançando; como uma senhora bêbada pelas ruas, mas avançando.
Erramos muito. Ao longo do tempo, os homens transformaram em costume crimes morais e materiais, leves ou imperdoáveis, praticados à custa do outro em nome do poder e do dinheiro. E finalmente consideramos tudo isso normal. Às vezes, penso até que a história da humanidade é a maior prova de que Deus não existe ou não tem jurisdição sobre nós. Ou ainda, se Ele existe, está pouco se lixando para o que fez.
Das soberbas pirâmides do Egito clássico ao esplendor barroco de nossas igrejas coloniais, construímos nossas maravilhas às custas da escravidão de semelhantes de outra cor, religião ou etnia. Atiramos à fogueira aqueles que nos ameaçavam porque não os compreendíamos; como degolamos diante das câmeras aqueles de quem discordamos. Sempre resolvemos com guerras e, não poucas vezes, espantosos genocídios as diferenças entre nossas tribos e nações. E, uma vez vencedores, transformamos nossos horrores em feitos heroicos, monumentos à glória de nosso povo.
Apesar de tudo, vamos em frente. Atravessamos os oceanos e voamos acima das nuvens, curamos os males do corpo, inventamos máquinas que facilitam nossa vida, pensamos sobre o nosso destino e para que servimos, ouvimos sábios que parecem saber quem somos, a que estamos destinados. Produzimos ideias em que, no fim dos confrontos finais, o homem se tornaria senhor de si mesmo, um ser divino, livre de classes, acima da natureza, num paraíso que haveríamos de construir por aqui mesmo. Mas vai chegar a hora em que teremos de contemplar com franqueza as nossas fraquezas, colher de nossos defeitos a virtude possível, construir um novo mundo do qual seremos o centro não triunfal. Nos daremos o direito de chorarmos nos ombros uns dos outros, iguais tão dessemelhantes. 
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O que importa é que ainda quero ver por aqui as manhãs que cantam, a luz do sol sobre o horizonte, a primavera chegando sem avisar.

domingo, 12 de outubro de 2014

Nos umbrais da velhice

Esse é meu primeiro aniversário como sessentão que comemoro com minha alma livre da agonia que a atormentou no período.  Os sessenta são o portal da velhice e isso nos dá a consciência de que o futuro é breve. Não bastasse isso,   enfrentei dois furacões existenciais;  um no campo do relacionamento pessoal, outro na profissão. Se foram. Continuo de pé, caminhando pelo deserto, fugindo cada vez mais desse mundo, buscando algo mais sólido, cada vez mais longe da civilização e próximo da vida rural, dos animais  - a quem respeito - de patos e gatos, cachorros também... e um papagaio prá falar - Gostosa! - toda vez que uma mulher passa por ele. Elas se derretem...
 Os seres humanos, por favor... Na empresa testemunho a luta por uma atividade entre diversas gerências em que os atores se permitem golpes de toda a natureza. Pagaria uma fortuna para vê-los falando de ética para os filhos. Lembram-me Michael Corleone, interpretado por Al Pacino em O Poderoso Chefão. Uma moral em casa, outra na rua. Aliás, isso é bem brasileiro.
 Na vida pessoal, é a debacle do relacionamento de um casal muito próximo a mim. Ouço os dois. Ninguém conta histórias que crianças possam ouvir.
É duro, mas verdadeiro o que  o Pe. Antônio Vieira escreveu há mais de 400 anos: São piores os homens que os corvos.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Perco...

... a cabeça, mas não perco o juizo. (Marina Silva)
Ela repetiu isso ontem à noite no seu pronunciamento após a confirmação do resultado do primeiro turno. Já o dissera quando saiu do Ministério do governo Lula.
Pois é, melhor  perder a cabeça mas não o juizo prá quem é decente e não suporta mais o que está aí. Queríamos algo novo, nesse país em que tudo muda para ficar do jeito que está. Não sei se ela conseguiria pois seria minoria em um Congresso onde o PMDB e seus métodos se perpetuam fazem anos.
Valeu a pena sonhar. Um dia, venceremos as duas quadrilhas que agora irão para o duelo final. Tampando o nariz e fechando os olhos, agora é Aécio. Quadrilha por quadrilha, prefiro a dele. O PT é o mal maior.

sábado, 4 de outubro de 2014

Depois dessa campanha sórdida...

... em que  até o Maligno foi convocado, ainda que metaforicamente - Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição (Dilma Rousseff em 04.03 a prefeitos na Paraiba - UOL) -  só me resta ouvir o Divino. Que ele se apiede de nós e do país que já se cindiu ao meio e cuja divisão deve se aprofundar e radicalizar nos próximos anos, caso se concretize a vitória dessa tchurma  que tomou de assalto o país já lá se vão 12 anos.
Quadrilha por quadrilha prefiro a outra. Questão de bom-gosto.




domingo, 28 de setembro de 2014

Do imaginário (torto) desse país

O Brasil não cabe dentro de um poço de petróleo, nem deve esperar por ele.
Cristovam Buarque - O Tamanho do Pré-Sal - O Globo, 20.09.2014
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No país onde o atalho é sempre o melhor caminho; malandragem é virtude; amigos e parentes são os melhores; o bico da pena impõe-se à realidade,  arrumaram mais uma. O petróleo como salvação da Pátria e a Petrobras como uma questão  nacional. O Brasil é muito maior do que a Petrobrás e há muitas outras prioridades além do petróleo.

Já preparou sua delação premiada?

Foi a pergunta que me endereçaram os colegas da turma de degustação da ABS no nosso último encontro. 
É extremamente penoso ouvir isso, mesmo que em tom de galhofa, depois de dar os melhores anos da sua vida -  37 anos de trabalho sem nunca ter pedido promoção, consultoria a gerente algum -  e de conduzir sua vida como um pacato cidadão de classe média, dentro das possibilidades que o salário lhe permitia.
Sempre ouvia-se falar de irregularidades deste ou daquele diretor, mas eram casos pontuais. Com esse governo as acusações de  irregularidades aumentaram geometricamente - e olha - das que ouvi, nenhuma referia-se ao  diretor hoje preso. Entramos no mesmo ano na empresa e por muitos anos trabalhamos na mesma unidade embora em gerências diferentes. Somos da mesma geração. Aquela... que ia mudar o mundo. Deu nisso aí!
Mais doloroso é saber que outros há, além do que está na berlinda. Oxalá, a justiça os apanhe também.

sábado, 27 de setembro de 2014

Cogito, ergo sum.

Penso,
logo hesito,
desisto.
Reconsidero,
insisto, persisto.
...me entrego.
Penso,
logo existo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O mundo fez de mim uma puta. Vou fazer desse mundo um bordel.

É a frase de uma velha prostituta de uma peça de Friedrich Dürrenmath - A Velha Senhora - citada por Fernando Gabeira na sua coluna de O Globo, de 07.09.2014 para ilustrar o que aconteceu com a esquerda no poder nesses 12 últimos anos. Os escândalos na Petrobras e a reação asquerosa à ameaça da perda das eleições presidenciais são um retrato perfeito do clima de bordel que vive o país. As putas... bem... essas todos sabem quem são. Invadiram-nos  nos últimos 12 anos com um discurso regressivo, uma postura fascista que temperadas com a clara perda de compostura dos últimos dias, assusta. As outras opções são PSOL, PSTU,  PCO  que Reinaldo de Azevedo chama - com razão - de  pterodáctilos na sua coluna da Folha de hoje. São mesmo, em economia especialmente.
Ficou na saudade a velha esquerda que acreditava - equivocadamente - na onipresença do Estado na nossa vida mas não refocilava na lama como a nova esquerda petista. Um dos seus representantes é Ildo Sauer, que afastado da Gerência de Gás e Energia da Petrobras revelou que uma das razões seria a fato de ele não estar ajudando  muito o Lula; já o Paulinho o fazia - segundo declarações do próprio a um deputado da base. (Demétrio Magnoli - O Petróleo é deles - O Globo, 12.09.2014)  Agora sabe-se muito bem o que esse ajudar significava. O Paulinho (Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás) está  preso, com seu nome ligado a desvios que giram em torno de 10 bi de reais na companhia.

PS - Nem todos os petistas podem ser comparados àquela velha senhora da peça. Há as exceções, Aquelas de praxe, para confirmar a regra.

Livre pensar é só pensar...

...como escrevia o saudoso Millor.

A  diferença está na qualidade do barro com que  fomos feitos.

sábado, 13 de setembro de 2014

Marinei

Se até alguém com confessados pendores éticos consequencialistas está achando que está demais, é porque está mesmo. Eu acho tudo isso  nojento! 
Desculpem-me os simpatizantes desse governo mas votar no que está aí  é de alguma maneira compactuar com essa nojeira. É justificar os meios empregados para atingir um fim. É o fim da picada.
Faço pacto até com o diabo prá desapear esse pessoal do poder.
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Decência perdida


SÃO PAULO - Dilma Rousseff, até prova em contrário, não é vilã de filme de Hollywood. Como, então, autorizou sua campanha a desferir ataques tão baixos e politicamente inconsistentes contra Marina Silva?

A racionalização mais óbvia para esse tipo de situação recorre à ética consequencialista. Não se faz omelete sem quebrar os ovos. Se Dilma está convencida de que tem o melhor projeto para o país, precisa necessariamente vencer o pleito para poder implantá-lo. Fazê-lo pode cobrar alguns danos colaterais.
Há outros fatores ligados à "Realpolitik", mas que não convém ao PT explicitar. O mais crítico é que, se o partido for derrotado, milhares de militantes e aliados perderão empregos, cargos de chefia e esquemas.
É verdade que a política não é para anjos. Quem se dispuser a fazê-la com base na obediência cega a preceitos morais irá quebrar a cara, ou, pior, flertar com distopias do tipo do Estado Islâmico. Se a política tem um princípio irredutível, é o de que é quase sempre possível forjar soluções negociadas que, se não contentam a todos, ao menos poupam a sociedade de traumas maiores.
A questão que se coloca para o eleitor normal, isto é, sem interesses materiais diretos na vitória deste ou daquele candidato, é até que ponto deve tolerar que os chamados imperativos de realidade prevaleçam sobre princípios morais caros à coletividade, como não mentir (pelo menos não muito descaradamente), combater adversários com lealdade etc.
A maldição ética da humanidade é que estamos condenados a saltitar eternamente entre as lógicas consequencialista e principista, que, em estado puro, se revelam ambas inutilizáveis. A proporção exata desses dois ingredientes que cada um está disposto a admitir é receita pessoal e intransferível. Sinto-me, porém, obrigado a dizer que, mesmo com confessados pendores consequencialistas, penso que o PT abandonou o necessário senso de decência.


HÉLIO SCHWARTSMAN
Folha, 13.09.2014

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Afinidades

Presidenta
é uma palavra feia.
Soa mal.
Suprema ironia,
rima muito bem  com anta,
palavra com sentido pejorativo
que seus adversários lhe atribuem.
É musical!

domingo, 31 de agosto de 2014

Dormí com a gata da minha cunhada.



Calma!
Trata-se da Lili, uma gata de hábitos e olhos selvagens que minha cunhada resgatou da rua e que traz alegria para a noninha aos finais de semana. Ontem à noite ela resolveu acampar na minha cama e de lá só saiu pela manhã.
Deitado, lia o que Ferreira Gullar escreve sobre Van Gogh na Folha de hoje. Identifico-me com Van Gogh e com sua vida atormentada.  Ele foi ímpar em traduzir para a  tela seus tormentos e ao mesmo tempo recriar a realidade. Cypresses (1889) com as árvores parecendo sarças ardentes é muito mais radical do que qualquer quadro de arte abstrata ou figurativa.


 Lili, enrolada nela mesma, dormia o sono dos justos, alheia aos meus tormentos. Gatos não se importam mesmo.

sábado, 23 de agosto de 2014

Sol

Te insinuas pelas brumas
da manhã fria,
ressaltas a dura  geometria
dos navios e guindastes do cais,
colorindo de laranja

as poluidas  águas da baia.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Pois é, Pondé

Deus me livre de ser feliz.
Soa estranho,
mas me parece essencial
nos afastarmos
da neurose da felicidade.

Luiz Filipe Pondé
A Era de Ressentimento - Leya

domingo, 17 de agosto de 2014