Cacá Diegues escreveu para o Globo de 05.10.2013 sob o título de O que ainda não sabemos. Faço minhas suas palavras. Ao completar 63 anos pareceu-me um balanço apropriado para a saga da humanidade e de um homem só.
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Já disse que não sou catastrofista, não acho que estejamos vivendo o
pior dos tempos. Em geral, é tão difícil viver que confundimos nossa
agonia com a agonia dos tempos, como se nossa dor fosse fruto do pior
momento da história da humanidade, aquele que estamos vivendo.
Confundimos a angústia de nossa finitude, com o próprio fim do mundo. E,
no entanto, a humanidade segue avançando; como uma senhora bêbada pelas
ruas, mas avançando.
Erramos muito. Ao longo do tempo, os homens transformaram em costume
crimes morais e materiais, leves ou imperdoáveis, praticados à custa do
outro em nome do poder e do dinheiro. E finalmente consideramos tudo
isso normal. Às vezes, penso até que a história da humanidade é a maior
prova de que Deus não existe ou não tem jurisdição sobre nós. Ou ainda,
se Ele existe, está pouco se lixando para o que fez.
Das soberbas pirâmides do Egito clássico ao esplendor barroco de nossas
igrejas coloniais, construímos nossas maravilhas às custas da escravidão
de semelhantes de outra cor, religião ou etnia. Atiramos à fogueira
aqueles que nos ameaçavam porque não os compreendíamos; como degolamos
diante das câmeras aqueles de quem discordamos. Sempre resolvemos com
guerras e, não poucas vezes, espantosos genocídios as diferenças entre
nossas tribos e nações. E, uma vez vencedores, transformamos nossos
horrores em feitos heroicos, monumentos à glória de nosso povo.
Apesar de tudo, vamos em frente. Atravessamos os oceanos e voamos
acima das nuvens, curamos os males do corpo, inventamos máquinas que
facilitam nossa vida, pensamos sobre o nosso destino e para que
servimos, ouvimos sábios que parecem saber quem somos, a que estamos
destinados. Produzimos ideias em que, no fim dos confrontos finais, o
homem se tornaria senhor de si mesmo, um ser divino, livre de classes,
acima da natureza, num paraíso que haveríamos de construir por aqui
mesmo. Mas vai chegar a hora em que teremos de contemplar com franqueza
as nossas fraquezas, colher de nossos defeitos a virtude possível,
construir um novo mundo do qual seremos o centro não triunfal. Nos
daremos o direito de chorarmos nos ombros uns dos outros, iguais tão
dessemelhantes.
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O que importa é que ainda quero ver por aqui as manhãs que cantam, a luz
do sol sobre o horizonte, a primavera chegando sem avisar.
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