quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Nos umbrais da velhice (II)

Cacá Diegues escreveu para o Globo de 05.10.2013 sob o título de O que ainda não sabemos. Faço minhas suas palavras. Ao completar 63 anos pareceu-me um balanço apropriado para a saga da humanidade e de um homem só.
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Já disse que não sou catastrofista, não acho que estejamos vivendo o pior dos tempos. Em geral, é tão difícil viver que confundimos nossa agonia com a agonia dos tempos, como se nossa dor fosse fruto do pior momento da história da humanidade, aquele que estamos vivendo. Confundimos a angústia de nossa finitude, com o próprio fim do mundo. E, no entanto, a humanidade segue avançando; como uma senhora bêbada pelas ruas, mas avançando.
Erramos muito. Ao longo do tempo, os homens transformaram em costume crimes morais e materiais, leves ou imperdoáveis, praticados à custa do outro em nome do poder e do dinheiro. E finalmente consideramos tudo isso normal. Às vezes, penso até que a história da humanidade é a maior prova de que Deus não existe ou não tem jurisdição sobre nós. Ou ainda, se Ele existe, está pouco se lixando para o que fez.
Das soberbas pirâmides do Egito clássico ao esplendor barroco de nossas igrejas coloniais, construímos nossas maravilhas às custas da escravidão de semelhantes de outra cor, religião ou etnia. Atiramos à fogueira aqueles que nos ameaçavam porque não os compreendíamos; como degolamos diante das câmeras aqueles de quem discordamos. Sempre resolvemos com guerras e, não poucas vezes, espantosos genocídios as diferenças entre nossas tribos e nações. E, uma vez vencedores, transformamos nossos horrores em feitos heroicos, monumentos à glória de nosso povo.
Apesar de tudo, vamos em frente. Atravessamos os oceanos e voamos acima das nuvens, curamos os males do corpo, inventamos máquinas que facilitam nossa vida, pensamos sobre o nosso destino e para que servimos, ouvimos sábios que parecem saber quem somos, a que estamos destinados. Produzimos ideias em que, no fim dos confrontos finais, o homem se tornaria senhor de si mesmo, um ser divino, livre de classes, acima da natureza, num paraíso que haveríamos de construir por aqui mesmo. Mas vai chegar a hora em que teremos de contemplar com franqueza as nossas fraquezas, colher de nossos defeitos a virtude possível, construir um novo mundo do qual seremos o centro não triunfal. Nos daremos o direito de chorarmos nos ombros uns dos outros, iguais tão dessemelhantes. 
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O que importa é que ainda quero ver por aqui as manhãs que cantam, a luz do sol sobre o horizonte, a primavera chegando sem avisar.

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