domingo, 24 de fevereiro de 2013

Retired

Pensei que era hoje, - a memória trae-me sempre mais -  mas na realidade foi a 24 de janeiro, quando a 35 anos, Jorge Alberto, querido amigo e colega e eu, fomos admitidos na companhia, uma grande empresa de economia mista nacional,  na qual até hoje permanecemos. Não vou esquecer jamais aquele meu primeiro vôo de jato no dia anterior, um Boeing 727 da Transbrasil, Porto Alegre/Aracaju - saiu 12:35h -  com escalas em S. Paulo, Rio de Janeiro, Salvador. Uma odisséia como  foram esses 35 anos na companhia. Afinal eu era um filho de família da baixa classe média e voar em jato em 1978 era um luxo.
Agora aposentável posso fazer um balanço desse tempo. Acho que superei todas as expectativas dadas minhas limitações. Essa não é minha praia mas a frequentei porque precisava de dinheiro. Afinal sou o filho mais velho de uma família que nunca foi de posses e como realmente aconteceu, várias vezes tive que comparecer.
Cheguei ao topo da carreira técnica, tenho um nome respeitado dentro e fora da empresa na minha área de conhecimento. É o lado bom. Tenho muitas inimizades também.  Elas certamente dizem horrores a meu respeito. É coisa séria... de não cumprimentar... de não sentar à mesma mesa, salvo se obrigado profissionalmente. Não me arrependo de nenhuma delas.
 Sou produto do esforço - só Deus sabe o quanto trabalhei nesses anos! - workaholic assumido e considerado pelos colegas, cheguei onde cheguei graças a 99% de transpiração e - vamos conceder! - 1% de inspiração. Estou longe do talento, qualidade apreciadíssima nesse país onde os esforçados são vistos com desdém.
Sempre tive uma relação conflituosa com a chefia - à exceção de um, talvez dois chefes - e não raras vezes fui colocado no limbo. Um deles, em um dos períodos em que me chefiou, jamais me promoveu... e foram 6 anos! Fosse casado, teria enfrentado sérios problemas familiares.
Aprendi nesses 35 anos trabalhando em uma companhia estatal - ironia! - que o Estado não deve se intrometer em atividade econômica. É péssimo gestor, condescendente com a ineficiência, situação que se agrava num país como o nosso,  onde o público é confundido com o que é de ninguém e não com o que é de todos. Domina na companhia a idéia - errada - de que tem prá todo mundo, quando a vida nos ensina que a oferta é sempre menor que a demanda.  Nesse caldo de cultura proliferam  chefes que fogem de conflitos, partidos da boquinha numerosos entre empregados, desconsideração com o mérito, dedicação limitada - nem um minuto a mais! - ao tempo de trabalho.Apesar desses problemas, que,  creio comuns a companhias dessa natureza,  faço defesa veemente da sua atuação  em ambientes externos a ela, pois normalmente as críticas são infundadas ou pedestres. Devo confessar, porém, que o que tenho visto nos últimos anos tem me decepcionado bastante.
Muito tenho a agradecer à empresa - porisso visto sua camisa -  especialmente nos dois anos e meio em que estive afastado por motivo de acidente. Estaria no olho da rua, fosse uma companhia privada!
Agora é pegar a grana do INSS, comprar um sitio com um laguinho para cuidar dos meus patitos , e
é claro das minhas orquídeas. Vinhos e vinhas... quem sabe... e retomar a filosofia, esta sim a minha praia.
Da atividade que ora exerço, quero distância ! A não ser que apareçam com um caminhão de dinheiro ou então a vida me obrigue; um caso de doença por exemplo.
Por ora continuo trabalhando - tenho ainda alguns sonhos que desejo concretizar -  até que algum chefe faça com que eu perca a  paciência e a cabeça.  E... olha... as chances são grandes com o atual! Afinal é a regra.
PS - Quero preservar meu chefe imediato, velho companheiro de muitas batalhas dentro da empresa, das considerações, nem sempre favoráveis, a respeito da classe - dos chefes!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Prá não dizer que não falei de flores.

No caminho vazio,
sub-iluminado
pela obliqua luz da manhã,
meus passos largos,
abarcam espaços,
afrontam silêncios.
A acompanhá-los,
o canto irritado dos quero-queros,
alguns cães vadios.
sabiás, tesouras,  joões-de-barro
perfilados, lá no alto,
ao longo dos fios
...e flores,
muitas delas,
exibem-se às margens,
roxas, lilazes, vermelhas, amarelas,
uma sinfonia de cores.
Fazem a alegria
do coração maltrapilho,
que bate cansado,
no peito do velho andarilho
que procura mas não acha.
que semeia mas não colhe,
que bate mas não lhe abrem.
Com  pontes queimadas,
portos fechados,
caminhos obstruidos,
ele decidiu
que se basta.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Life is pain and sorrow! (II)

Não...não é...!
...depois de:
- um filé  mal passado;
- batatas fritas em azeite novinho;
- arroz branco, com uma folha de louro prá dar sentido;
- salada onde não faltem rúcula, radicchio e alface americana com um fio generoso de  azeite de oliva e aceto balsâmico.
- um vinho tinto despretensioso...um Malbec argentino já satisfaz!
...e prá arrematar...
- um charuto... pode ser dominicano - cubanos são fortes e... caros!
- na companhia de um  conhaque (francês se possível!)  ou um Porto...ou  até mesmo um Jack Daniels!
++++++++
Pensando bem...não passa de uma trégua!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Fragile

Há certos fatos - que de tempos em tempos ocorrem comigo - e me dão a impressão de que só comigo. São fortes, marcam para a vida. Nas duas ocasiões anteriores - em episódios mais recentes -  aconteceram no local de trabalho e da mesma maneira;   colegas de trabalho irrompem pela sala, jogam um monte de - vamos ser civilizados! - impropérios contra você e tão intempestivamente quanto entraram, se vão. Dessa vez veio pela Internet.  Era um texto que acusava, fazia troça, debochava, até tripudiava. Enfim...serviço completo. Premeditado. Visava destruir.   Mefistófeles com toda sua arte, não ousaria tanto.
Embora revelem mais  de quem os fala ou escreve, chocam, machucam, tiram do prumo, deixam sem rumo por semanas.
Sempre que ocorrem remetem para a questão da  minha fragilidade. Ela deve ser gritante, escancarada. Ninguém se atreveria a agredir com tamanha virulência alguém mais forte e poderoso. Pagaria um alto preço; no mínimo,  abominação e desprezo, que, confesso me ocorreram nos primeiros dois casos, porém, por incrível que pareça,  não me acometeu nesse último, mais cruel e perverso, porque premeditado.
Já aceitei essa vulnerabilidade; ela faz parte da minha personalidade. Sei que outros episódios virão,  que outra vez servirei de  repasto aos predadores de almas assim como a Geni do Chico Buarque- feita prá apanhar, boa de cuspir.
Vão abalar, jamais pôr abaixo.


domingo, 10 de fevereiro de 2013

Leituras a bordo (II)

Carlitos é um Ulisses sem glória - digamos - mais desesperado, porque desprovido de um sentido. A peregrinação do herói homérico tinha um objetivo: tendia a uma evidente felicidade da qual já havia gozado parcelas.
(...)
Penélope fiava e Ulisses se fiava nela: só isso daria uma motivação - ou uma justificação - à luta e ao retorno de Ulisses.
Carlitos, ao contrário,  não tem o que fiar e não se fia em ninguém. Vagabundo sem pátria, sem família, sem amigos, sem ideais, aspira a única felicidade que lhe é possível: o abrigo para mais uma noite, um prato de comida, um mínimo de segurança pessoal e de espaço físico para sobreviver num universo imenso e palmilhado sem sucesso pelas suas botas cobertas de pó, cujas pontas indicam ao mesmo tempo dois rumos antagônicos e vazios.

Carlos Heitor Cony - Chaplin e outros ensaios.

O Globo, caderno Prosa, 9.2.2012.

Leituras a bordo (I)

Sou atéia, mas respeito todas as religiões. Hoje o que domina é o humanismo secular, que nos levou a um beco sem saída. Abomino quem desqualifica a religião e a arte religiosa, que sempre  disseram muito sobre a relação do indivíduo com o universo e contém a história de milênios do pensamento humano.

Camille Paglia, ( O Globo, Caderno Prosa, 9.2.2013)

 enfim... uma posição inteligente de quem se diz ateu.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Sermão do Mandato

 A vida sempre fazendo das suas. Não vou contar como cheguei a esse texto. Tem tudo a ver com o que passa minha alma nesses dias.
Foi qualificado como uma das mais belas páginas da literatura brasileira (exagero!). Deve ser uma versão adaptada ao português moderno. Retirei-o do site
http://recantodaspalavras.com.br

Primeiro Remédio
O Tempo
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sábiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.

Segundo Remédio
Ausência
Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar; o amor com a da terra. E o amor como a lua que, em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado. E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes a outra terra? Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes? Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão? Em os longes, passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor. Os filósofos definiram a morte pela ausência: Mors est absentia animae a corpore. Despediram-se com grandes demonstrações de afeto os que muito se amavam, apartaram-se enfim, e, se tomardes logo o pulso ao mais enternecido, achareis que palpitam no coração as saudades, que rebentam nos olhos as lágrimas, e que saem da boca alguns suspiros, que são as últimas respirações do amor. Mas, se tomardes depois destes ofícios de corpo presente, que achareis? Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado: tudo esquecimento, tudo frieza. Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar, esfriou.

Terceiro Remédio
Ingratidão
Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver? O exemplo que temos para justificar esta razão ainda é maior que os passados.

Quarto Remédio
O melhorar de objeto
Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor.
Amor Sem Remédio
Se quando se rendem ao mesmo amor todos os contrários, será justo que lhe resistam os seus, e se na hora em que morre de amor sem remédio o mesmo amante, será bem que lhe faltem os corações daqueles por quem morre? Amemos a quem tanto nos amou, e não haja contrário tão poderoso que nos vença, para que não perseveremos em seu amor.

Pe. Antonio Vieira (1643)