sábado, 26 de abril de 2014

A filosofia...

... convém a todo o mundo... sua prática é útil para todas as idades, todos os sexos e para todas as condições sociais: ela nos consola da felicidade do outro... de nossos fracassos, do declínio de nossas forças e de nossa beleza; ela nos arma contra a pobreza, a velhice, a doença, a morte, contra os ignorantes e as pessoas maliciosas; ela nos permite viver sem mulher, ou nos permite suportar aquela com quem vivemos.

Jean de La Bruyère, pensador do século XVI citado em

A Filosofia: O que É? Para que Serve?
Autor: Irley Franco e Danilo Marcondes
Editora: Zahar

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Dor

Na dor renasço,
na dor reinvento-me.
Passageiro da agonia
deambulo pelas vielas da melancolia.
Sôfrego bebo a  desesperança,
desconheço calmaria
desconfio da bonança.
Nunca fui apresentado ao tédio,
malaise hedonista
para o qual não há remédio.
Obstinado,
bebo até a derradeira gota
-  ora amarga, ora doce, ora ácida -
o cálice da existência.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Um herói bem brasileiro

Joaquim José da Silva Xavier é um daqueles heróis que "colaram" na memória popular.
Enforcado aos 21 de Abril de 1792, foi entronizado no panteão nacional pela República e muito especialmente cultuado sob a última ditadura que vivemos, entre 1964 e 1985. O fato de ter sido um militar de tropa paga, com patente de alferes (leia-se, subtenente), certamente tem a ver com essa entronização e a exacerbação das celebrações em sua homenagem.
Talvez sua naturalidade mineira tenha colaborado para reforçar esse processo de mitificação, que poderia ter alcançado personagens militares de outros movimentos do passado colonial de maior enraizamento social e impacto político, como foram a Conspiração dos Alfaiates, na Bahia, em 1798, e a Revolução Pernambucana, de 1817.  Arrisco a conjecturar, portanto, que a celebração do alferes Tiradentes exprime a importância que Minas Gerais teve e tem na vida política nacional  - e, alto lá, aqui quem escreve é um paulista, com muito orgulho.
A importância de Minas, porém, é insuficiente para o fato de Tiradentes ser um "herói" verdadeiramente popular. Explicaria apenas o empenho das elites em celebrá-lo, mas não o da população em geral.
O entendimento dessa popularidade certamente tem a ver com o perfil, as contradições e a trajetória do próprio personagem. Ele, como já demonstrou Kenneth Maxwell, esteve longe de ser o líder da Conspiração Mineira de 1788-89, ou um pobretão em meio à gente bem posicionada socialmente.
Tiradentes tinha fortuna equiparável ao do magistrado Tomás Antônio Gonzaga e pertencia a uma família importante da região do Vale do Rio das Mortes. Jamais se colocou a favor da abolição da escravidão, como bradam algumas lideranças políticas mineiras e magistrados pátrios da atualidade, para escárnio dos historiadores e frenesi nos embates políticos.
Todavia, foi o maior ativista do movimento e aquele que o levou da esfera privada, das reuniões secretas, para o espaço público, corporificado nos caminhos, nas tavernas, nas casas das meretrizes etc.
Um tipo meio fanfarrão, é certo. Mas, ao mesmo tempo, um personagem capaz de juntar, no discurso político, a consciência de ser um homem de origem europeia nascido na América (como se diria à época, um "mazombo"), propugnando o direito e a capacidade de gente como ele participar do governo, à denúncia da espoliação colonial materializada no monopólio comercial metropolitano e no arrocho tributário.
Foi igualmente hábil e lúcido para misturar textos e autores diferentes, indo do padre Antônio Vieira - um jesuíta, o maior orador sacro que já passou pelo púlpito cristão - ao abade Raynal, grande filósofo das luzes, passando ainda por um livro que continha leis do nascente Estados Unidos da América.
Boquirroto, arguto, mediador cultural, Tiradentes conseguia ainda cultivar amizades entre homens marcados por ressentimentos mútuos, como o padre José da Silva Rolim (contrabandista, comerciante de escravos, concubinário e valentão) e o contratador de impostos Joaquim Silvério dos Reis (o traidor, nosso "Judas"!).
Foi capaz, ademais, de superar ele mesmo inimizades, como aquela que norteava sua relação com Tomás Antônio Gonzaga. Teve a hombridade de não incriminar seus companheiros de infortúnio quando os conspiradores foram presos.
Morreu, por fim, como um mártir. D. Maria I, que o condenou à forca e ao esquartejamento, num julgamento de cartas marcadas, procurou representar a si mesma como Maria Santíssima, na medida em que comutou a pena de morte para todos os outros condenados.
Tiradentes, por sua vez, morreu resignado, traído e supliciado, em grande paralelo com Jesus Cristo. Figura melhor para cair no gosto popular não haveria! Um autêntico brasileiro avant-la-lettre. Traduzindo, antes que houvesse uma identidade brasileira constituída e oposta à lusitana, ele trazia os "cacos" que seriam juntados ao longo dos séculos 19 e 20 e que fazem parte do que entendemos como o "ser nacional".
Celebremos, portanto, o Tiradentes. E sempre nos lembremos que, como muitos de nós, ele "carregou algo na cabeça". Isto é, foi corno, ao mesmo tempo em que prometia pagamento às prostitutas para depois da Revolução.  Quer melhor brasileiro do que este, justamente alguém que, como nós mesmos, merece ser alvo de nossas próprias piadas?

LUIZ CARLOS VILLALTA
51 anos, é professor associado do Departamento de História da FAFICH-UFMG. Graduado, mestre e doutor em História pela USP, pesquisa sobre História do Brasil Colonial e História de Portugal na Época Moderna
UOL, 21.04.2014

segunda-feira, 14 de abril de 2014

100 anos de Iberê no CCBB de São Paulo


Não há espaço para a alegria, escreveu Iberê Camargo em suas memórias. Toda obra que tem algum significado tem raízes no sofrimento, nasce da vida que dói.



Fantasmagoria - 1987

domingo, 13 de abril de 2014

Semana Santa

Mais de 3h desse biscoito fino prá entrar no clima.




Vero e bene trovato!

...I have found little that is good about human beings on the whole. In my experience most of them are trash, no matter whether they publicly  subscribe to this or that ethical doctrine or none at all... If we are to talk of ethics, I subscribe to a high ideal from which most of the human beings I have come across depart most lamentable.

Sigmund Freud, Psychoanalisis and Faith: Dialogues with the Reverend Oscar Pfister (New York: Basic Books, 1963 , pp 62-63  in Becker, Ernest, The Denial of Death, pag. 255

sábado, 12 de abril de 2014

Pogresso (sic) à brasileira em dois tempos

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Embora o governo Lula tenha tirado 26 milhões de brasileiros da miséria (Conjuntural ou estruturalmente? A pergunta era o desafio da geração de Celso Furtado) e possibilitado  a outro tanto um acesso mais diversificado a bens de consumo, o progresso não foi politizador, além de convergir com as tendências hegemônicas da economia mundial. Reportagem recente da Folha de São Paulo mostrava famílias do sertão nordestino ainda vivendo sem água encanada mas agora com geladeira e tevê de plasma - o que dá um toque de absurdo e qualifica, desqualificando os avanços econômicos dos últimos anos.
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Progresso à Moda Brasileira - Milton Ohata - Piauí - Junho/2012

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Para os petistas, o ex-presidente Lula tem dito que o crescimento ainda vai longe. E cita : Só 37% tem TV de tela plana, só 30% tem máquina de lavar louça. É só manter o emprego e a inflação sob controle. O oposição vai errar mais uma vez.

Panorama Político - Ilimar Franco - O Globo - 30.03.2014

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Lembro-me de uma edição de domingo da Folha no ano passado em que havia uma foto onde aparecia uma mulher iluminando o ambiente de uma casa no interior da Bahia com um celular. A luz  não havia lá chegado, mas o celular,  sim. No Brasil é assim.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Medievo

Na terça-feira que passou, morreu aos 90 anos, Jacques Le Goff, um historiador herdeiro da escola dos Annales,  que tentou desmontar o lugar comum de Idade das Trevas atribuido à Idade Média. Dele escreveu Regina Schöpke em O Globo, 05.04.2014:

A figura do herói, embora hoje bastante banalizada, representou desde sempre um ideal de força, coragem e honra, ou seja, um ideal de virtude a ser seguido pelo campo social. Assim pelo menos pensavam os gregos antigos, para os quais a idéia de  virtude (areté) tinha o sentido de excelência, que tanto podia ser física quanto ética, embora o herói nunca fosse apenas um homem forte no sentido físico do termo. Para ser um herói, entre os helenos, era preciso ser forte, sobretudo no sentido ético. Um herói era, acima de tudo, um homem valoroso, justo, honrado, leal, que vivia e morria pelos seus ideais. E não se trata aqui, apesar das aparências, de uma busca vazia da perfeição (algo que só poderia mesmo frustrar os homens reais), mas de colocar como meta a busca de uma fidelidade íntima, de uma consonância consigo mesmo. Se o herói é aquele que dá o exemplo na própria carne; se é ele que se dá como exemplo, então existem muitos outros heróis menos celebrados mas tão essenciais para o coletivo quanto os personagens (sempre mais ideais do que reais) de Aquiles e Lancelot. E aqui citamos um que não é guerreiro nem cavaleiro, ou até é, no âmbito do espírito: o grande historiador e medievalista  Jacques Le Goff.

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Construí  minha personalidade ouvindo a musiquinha dos conceitos enunciados acima. Aprendi-os com a filosofia dos gregos - Aristóteles, Platão e Sócrates - e dos medievais - Tomás de Aquino e Agostinho. São Francisco de Assis é um capítulo a parte. Sou inatual como disse o Nelson Rodrigues, e se pudesse ser alocado no passado seria medieval. Recendo a incenso. Sinto-me em casa ao entrar em uma catedral gótica com aqueles raios de luz obliquos de luz que descem lá do alto junto das abóbadas. Faz-me bem o som despojado dos alaúdes, a bonomia das cantigas medievais, a monotonia do canto gregoriano.

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Dois clássicos de Jacques Le Goff: A Civilização do Ocidente medieval (1964) e Para uma outra Idade Média (1977). Na praça : Homens e mulheres da Idade Média (Estação Liberdade) e A Idade Média e o dinheiro (Civilização Brasileira)

Meu Brasil brasileiro (II)

Nada contra a popozuda Valesca. Parece-me  ser a melhor cabeça do episódio pelo que publicou a respeito   no Facebook. Ela tem toda a liberdade de ser o que é,   cantar o que quiser... Agora esse professor é o retrato da miséria intelectual que nos assola. Atribui a polêmica,  não à besteira que escreveu na questão da prova, mas por tê-la associado a  Waleska , pelo fato de ela ser mulher e funkeira. Piorou o que já estava ruim.
 É o surrado discurso de gênero, associado ao do coitadismo sempre invocado pelos setores que se consideram progressistas da nossa inteligentzia que dominam a circuito intelectual up-to-date. Essa turma, in my humble opinion, não passa da vanguarda do atraso.
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Foucault, Benjamin e Heidegger são coisa do passado: a moda agora é estudar os saberes de Valesca Popozuda.
Citada como "grande pensadora contemporânea", a funkeira carioca virou questão de prova aplicada a alunos do ensino médio de uma escola pública de Taguatinga, no Distrito Federal.
Segundo o professor Antônio Kubitschek, que ensina filosofia no Centro de Ensino Médio 3, a ideia era provocar a imprensa e debater o preconceito contra a mulher.
Na prova, os alunos tinham que responder à seguinte questão: "Segundo a grande pensadora contemporânea Waleska [sic] Popozuda, se bater de frente...".
A resposta correta está na letra de "Beijinho no Ombro", sucesso da cantora: "a) É só tiro, porrada e bomba".
O teste foi fotografado por estudantes e causou polêmica nas redes sociais.
"Essa polêmica apareceu por preconceito com a Valesca por ser mulher e ser funkeira. Ela foi colocada como alguém que não pode pensar", disse o professor.
"Se eu tivesse colocado alguém da MPB, [a imprensa] não levantaria a questão."
Ele conta que a ideia surgiu após discutir com os alunos o papel dos meios de comunicação. A provocação ocorreu depois de o colégio chamar jornalistas para cobrirem uma exposição de fotografias dos estudantes --porém, ninguém apareceu.
"Discutimos na disciplina os valores da sociedade e o papel da imprensa na construção desses pontos. Se tem um ponto positivo, a imprensa não vê. Se for negativo, vê. Decidi testar isso", afirmou.
Para ele, Valesca Popozuda pode, sim, ser considerada uma grande pensadora.
"De acordo com os filósofos contemporâneos franceses, todo aquele que consegue construir conceitos é um filósofo, é um pensador. Se a Valesca constrói conceitos com a sua música, não tem por que ela não ser uma pensadora", disse.
Em texto publicado em sua página no Facebook, a cantora classificou a polêmica como "bobagem".
"Eu fiquei foi bem honrada, me senti duas vezes homenageada tanto pela pergunta quanto com o título de pensadora (Mas isso eu vou ter que recusar porque é um título muito forte e eu ainda não me sinto pronta pra isso)", escreveu.
A assessoria de Valesca disse que a cantora estava viajando e não poderia conversar com a reportagem.

Folha, 09.04.2014

Meu Brasil brasileiro (I)


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Essa capadoçagem burra, arrogante e irresponsável, tentada no Congresso Nacional, para intimidar e desfigurar o Poder Judiciário, mostra de novo como somos atrasados. Antigamente, éramos um país subdesenvolvido e atrasado. Fomos promovidos a emergente - embora volta e meia me venha a impressão de que se trata de um eufemismo modernoso para designar a mesma coisa - e continuamos atrasados. Nosso atraso é muito mais que econômico ou social, antes é um estado de alma, uma segunda natureza, uma maneira de ver o mundo, um jeito de ser, uma cultura. Temos pouco ou nenhum espírito cívico, somos individualistas, emporcalhamos as cidades, votamos levianamente, urinamos nas ruas e defecamos nas praias, fazemos a barulheira que nos convém a qualquer hora do dia ou da noite, matamos e morremos no trânsito, queixamo-nos da falta de educação alheia e não notamos a nossa, soltamos assassinos a torto e a direito, falsificamos carteiras, atestados e diplomas, furamos filas e, quase todo dia, para realçar esse panorama, assistimos a mais um espetáculo ignóbil, arquitetado e protagonizado por governantes.
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João Ubaldo Ribeiro - Governantes e Governados - O Globo, 05.05.2013