domingo, 31 de dezembro de 2017

Feliz Ano Novo!

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


Carlos Drummond de Andrade , "Receita de Ano Novo". Editora Record. 2008.

Individualistas, hedonistas e consumistas.


Para além das considerações - com as quais concordo -  a respeito do  novo individualismo que se instalou na sociedade atual propostas por Anthony Elliott em seu artigo reproduzido pela Folha de hoje: Para sociólogo, economia do século 21 forjou um novo tipo de individualismo, chamou  minha atenção o texto que reproduzo:


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No que tange ao consumo desigual, por exemplo, a ONU apontou num estudo da década de 1990 que prover educação básica para todos os cidadãos dos países em desenvolvimento custaria em torno de US$ 6 bilhões adicionais ao ano, enquanto os EUA sozinhos já gastavam espantosos US$ 8 bilhões por ano com cosméticos. Considere alguns outros dados chocantes sobre gastos anuais (segundo o mesmo documento de 1998):
- US$ 11 bilhões com sorvete na Europa;
- US$ 17 bilhões com comida para animais de estimação na Europa e nos EUA;
- US$ 50 bilhões com cigarros na Europa;
- US$ 105 bilhões com bebidas alcoólicas na Europa;
- US$ 400 bilhões com narcóticos em todo o mundo.

Os números refletem não só uma obsessão cultural com consumo, prazer e hedonismo mas também apontam para uma ênfase individualista na satisfação dos desejos.

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É ou não injusto o nosso mundo?

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Perdão

É raro concordar com as opiniões políticas do Veríssimo, mas esse artigo para o Globo de hoje, está perfeito. Surpreendentemente, ele inclui  Lula no mesmo clube patrício que perpetua a mediocridade nesse país. Enfim... antes tarde do que nunca, Veríssimo.
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A turma da Lava-Jato tem razão em estar chateada com os indultos de Natal, com o Gilmar Mendes e com outras evidências de coração mole que desfaz o seu trabalho. São todos jovens idealistas que ainda não tinham se deparado com uma antiga tradição nacional, a do brasileiro bonzinho. Estão descobrindo que o Brasil corrigiu Marx: aqui a história não se repete como farsa, se reinventa como farsa. E o tempo é um revisor camarada. Cada nova versão da nossa história é mais benevolente do que a anterior. 

O tempo brasileiro é concilia dor, não guarda rancor. Na verdade, não guarda nada. Quanto mais distante fica no tempo, menos  conta o fato. O fato é neutralizado pelo tempo,  emasculado como um gato. Quando, finalmente, desaparece por completo no grande sumidouro  da memória nacional, pode ser recriado à vontade. O Collor decretou que sua deposição foi uma farsa. Ninguém o contradisse. Faz tanto tempo. Quem se anima a mergulhar no sumidouro para resgatar uma verdade hoje irrelevante?  

A prisão do Maluf surpreendeu justamente por ser tão anacrônica. Maluf tinha uma estranha forma de impunidade, a que vem com o tempo camarada. Transformara-se, com o tempo, num corrupto folclórico, até simpático. E por que tocar num folclore, depois de tanto tempo? O cara já não pagou pelo que fez (segundo ele, nada) com os anos em que foi nosso corrupto-mor sacramentado? Mas o tempo brasileiro, cedo ou tarde, inocenta todo mundo. É só o Maluf esperar a sua vez. 

Essa garantia tácita de absolvição é um velho hábito do nosso patriciado. Nunca na história do país, mesmo com as oligarquias se entredevorando pelo poder  querendo a ruína do inimigo, alguém caiu  em desgraça no Brasil. Desgraça profunda, irrecuperável, de se trancar no quarto e receber comida em marmita pela portinhola pelo resto da vida. O tempo brasileiro sempre assegurou a remissão. E aí estão vilões do passado represtigiados, corruptos repaginados, banidos reeleitos e ninguém envergonhado. Collor chegou à Presidência como símbolo de combate à corrupção, saiu da Presidência como símbolo da hipocrisia do poder e volta como símbolo da inconsequência de tudo isto. O que só prova o que ele disse, se não a intenção do que disse. Tudo é uma farsa.

 É de se ver se daqui a 15 anos (eu não vou mais estar aqui, mas podem me contar depois) Lula e seus governos terão a mesma deferência que o tempo brasileiro dá ao nosso patriciado. Acredito que sim. Lula não quer outra coisa desde o seu primeiro mandato a não ser se legitimizar como um membro confiável do clube que manda, com direito a todos os seus privilégios. Inclusive os do estatuto que trata do perdão implícito da história, não importa o que ele faça.

domingo, 24 de dezembro de 2017

Feliz Natal!



Há algo de podre no Reino...

Dois fatos  que se passaram nos últimos dias, comprovam o desarranjo profundo por que passa o país. E não ocorreram apenas em grandes centros urbanos onde as mazelas agudizam-se. Também se passam em cidades do interior, como no segundo exemplo :

  • A selvageria  patrocinada pela torcida do Flamengo no Maracanã na final da Copa Sul-Americana. Até cara atropelado jogado na calçada a espera de socorro foi assaltado. Aliás o atropelador também o foi. ( Eu ví, a TV mostrou.)
  • O apedrejamento por crianças pobres de um Papai Noel em Itatiba, uma cidade do interior de S. Paulo. Tudo porque acabaram as guloseimas que o bom velhinho, voluntário,  estava distribuindo.

País de rabo preso.

A conversa que tive com o motorista de táxi no caminho de casa para o Aeroporto ontem só fez reforçar uma idéia que cultivo a respeito da situação de bandalha, ou escracho- palavras cariocas - que vivemos no país. 
O que vemos nos andares superiores das diversas esferas de poder é um reflexo do que se vive cá embaixo na planície por nosotros. Coloquei a tese para o motora. Ele concordou e enriqueceu com dois exemplos, entre muitos, retirados da sua condição de motorista de táxi. Mesmo com um aparelho acoplado ao taxímetro que emite Notas Fiscais com o valor da corrida, disse-me que usou-o apenas duas vezes... e com dois gringos! Todas as outras vezes em que lhe foi pedida a Nota Fiscal, pediam-na para que fosse feita manualmente, sempre com valores superfaturados. 
Agora outra... Seus colegas o chamam de muquirana porque não solta um por fora prá fiscal da Receita Federal para que apresse o trâmite do seu processo de liberação da documentação necessária quando da aquisição de um novo veículo. Isso implica numa espera de três a quatro meses. 
São práticas do dia-a-dia e que se repetem em qualquer atividade. Como dizia o falecido Roberto Campos... com elas não temos a menor chance de dar certo. E por falar nele, lí por aí, de que quando embaixador em Londres, contratou a amante para trabalhar na Embaixada. 
Não tem jeito mesmo!

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Pausa para o café.

Em meio a tamanha sujeira que roda desembestada pelo país, ouvir esse concerto para oboé do Albinoni (Concerto #2 em Dó Menor Opus 9) é  a luz que o fundo do túnel teima em não mostrar. O lirismo e a delicadeza do Adagio do seu segundo movimento é dos deuses. Sou um devoto de barroco em música clássica. Essa quase exclusividade das cordas, com uma participação complementar das madeiras dá às músicas daquela época, uma leveza e uma alegria que provavelmente refletem  o ambiente em que foram compostas. Parece-me que muito mais harmoniosa do que a dos dias atuais. Qual seria a trilha sonora do nosso tempo? Imagino uma música de muitas dissonâncias com a presença agressiva dos metais e da percussão. Não é por acaso que atonalismo e serialismo são criações modernas. São estilos difíceis de assimilar.   Até hoje meus ouvidos dizem não a músicas associadas a esses movimentos.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Ela bate à porta mais uma vez!

Primeiro foi de carro na estrada... e lá se vão mais de 20 anos.
Depois foi a bordo de um avião, no começo dessa década.
Nas duas ocasiões não se anunciou. Foi entrando sem cerimônia.
Agora se anuncia nas palavras técnicas de um laudo de laboratório: 

Adenocarcinoma prostático acinar usual Gleason 6(3+3), grupo prognóstico 1, comprometendo 04 dos 15 fragmentos examinados (variando entre 40% e 100% da superfície de cada fragmento). Presença de permeação perineural.

Falo da morte, essa senhora implacável  que a todos abate. Converso bem com ela que já me assustou um bocado no passado. Prova de que o passar do tempo tem lá suas vantagens.
Serei capaz de dobrá-la outra vez?

domingo, 3 de dezembro de 2017

Trópicos Utópicos

É um livro fácil de ler com o texto dividido em pequenas seções e - contraditoriamente - ótimo para pensar. Eduardo Giannetti é um sobrevivente  - um dos poucos intelectuais públicos, antenados com o mundo e forjados na leitura de muitos livros - nesses tempos fluidos e superficiais de redes sociais do século XXI.
A última das quatro partes em que o livro divide-se é dedicada ao Brasil para o qual sonha uma utopia. Ameríndios e africanos seriam a solução para esse impasse anacronismo-promessa que construímos.
Das poucas certezas que tenho, uma delas é a de nossa redenção só virá com uma solução interna. Nenhuma solução que venha de fora prosperará aqui dada a nossa atávica predisposição a avacalhar modelos e instituições. Nada de bom que venha de fora pega por aqui. É incrível, mas somos useiros e vezeiros para incorporar o que há de mais deletério em outras culturas.
Nossa história, nossos hábitos nos condenam a construir um modelo crioulo, puro sangue. Quem sabe assim respeitaríamos as instituições nele forjadas.
Tenho minhas sérias dúvidas se isso se daria juntando o lado dionisíaco das culturas africanas e ameríndias com o apolíneo das culturas europeias como ele propõe. Primeiro porque - individualmente como cultura -africanos e ameríndios, não se resolveram até hoje. Depois porque mesclar o suor bíblico ao dionisíaco é tarefa difícil já que somos pouco propensos ao primeiro - como ele mesmo escreve -  ...e viciados no segundo! - acrescentaria.
Trópicos Utópicos é publicado pela Companhia de Letras.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Luz!

"São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida.”
Vinicius de Moraes - São demais os perigos dessa vida