domingo, 23 de março de 2014

Distopia

Distópico,
vivo só,
exilado
num mundo inóspito.
Fui utópico.
Traido, desencantei
dei adeus  às ilusões,
os sonhos reneguei.

Minha alma dilacerada
vaga por uma terra devastada,
meus pés pisam cristais partidos
meu corpo serpeia por escombros calcinados,
em meio a corpos mutilados.
Haverá redenção?


sábado, 22 de março de 2014

Não é apenas na política...

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Uma indignação resignada,feita de críticas e denúncias,está criando uma espécie de inconformismo conformado, sem poder de transformação. Na política, a hipocrisia, em que se finge ser o que não se é, foi substituida pelo cinismo, em que se assume o que se é, mas trocando os sinais. O vício vira virtude e o culpado posa de vítima, como no caso dos mensaleiros.
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Zuenir Ventura - O Globo, 22.03.2014

Déficit civilizatório

Essa imagem da mulher sendo arrastada por um carro da polícia pelas ruas do Rio de Janeiro, deixa-me uma certeza. Os bárbaros não estão às portas. Eles estão no meio de nós.

domingo, 9 de março de 2014

A Grande Beleza

Após  tantas resenhas favoráveis a respeito desse filme, finalmente fui assistí-lo. Em dezembro já tinha postado  um comentário do Contardo Calligaris a respeito de filmes para gente grande. Ele era um dos citados;  de fato é, particularmente indicado prá quem já passou dos 50 anos.
Invejo o Jap Gambardella. Temos mais ou menos a mesma visão desencatada do mundo e das pessoas - nessa quadra da vida o saco acabou! - mas ele  encara toda essa merda com uma leveza, uma ironia soft, uma non-chalance que me falta. No meio de tanta frivolidade ele é apenas mais um. Só isso. Dói menos. Eu sofro, debato-me. Prá quê?

sábado, 8 de março de 2014

Aqui é uma merda mas é bom.

Finalmente alguém escreve o que digo faz tempo - prá evidente contrariedade de muitos - de que nos sobra auto-estima. Sempre discordei da afirmação de que sofremos do complexo de vira-lata - dizem ser frase do Nelson Rodrigues. Aliás, esse argumento é sempre usado quando nos analisamos sem a overdose de auto-estima em que normalmente vivemos imersos. Basta ser crítico de nossos costumes e elogiar algum hábito ou prática de outro povo para ouví-la, particularmente pelos que se dizem nacionalistas.Há uma frase que a sintetiza - dizem que Tom Jobim é o autor. Instado a comparar Brasil e Estados Unidos  saiu-se com a pérola : Lá é bom mas é uma merda; aqui é uma merda mas é bom.
É... vai ver que é.

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Valores Difusos num País Sujo

Com o fim formal da ditadura (1985) e a estabilização da economia (1994), o Brasil passou a enxergar com mais clareza o seu atraso civilizatório. Ficou mais visível como são difusos os valores da nação. O vídeo do prefeito do Rio, Eduardo Paes, jogando sujeira no chão é apenas um microexemplo do caráter e dos costumes nacionais.
Há alguns anos, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um bombom de cupuaçu. Comeu e também jogou o papel no chão sem nenhuma cerimônia.

A greve dos garis no Rio expôs ao país como sua população é composta por Eduardos e Lulas. O volume de lixo jogado nas ruas do balneário fluminense é incompatível com uma sociedade desenvolvida. O brasileiro em geral se comporta como se o espaço público não fosse seu. Todo tipo de porcaria é arremessado na calçada, sem o menor remorso.

Seria possível escrever um tratado a respeito. Ficarei apenas no capítulo sobre a responsabilidade dos políticos e governantes em geral. O Brasil gasta bilhões de reais com publicidade estatal. Quase nunca esses recursos são usados para algum tipo de campanha a favor, por exemplo, de hábitos mais civilizados das pessoas nas ruas. Pior: certas propagandas com apelo cívico erram o alvo, como aquele comercial paraestatal martelando que "o melhor do Brasil é o brasileiro", cujo objetivo era melhorar o astral geral do país.

Se há um povo com excesso de autoestima é o brasileiro. Em ano de Copa do Mundo, nota-se até uma certa arrogância no ar. A campanha de uma marca de guaraná estrelada pelo jogador Neymar eleva ao paroxismo o mau-caratismo nacional. Reedita a "Lei de Gérson". O camisa 10 brasileiro escreve frases em português para estrangeiros que não sabem o idioma se autoridicularizarem ao pedir a bebida (http://bit.ly/Neymar-trote-guarana). Ao final, fala o anunciante: Todo mundo quer, mas só a gente tem. É verdade. 

Fernando Rodrigues - Folha, 08.03.2014

quarta-feira, 5 de março de 2014

...porque é Carnaval (II)

Momento da verdade

  Mais um Carnaval, estamos aí, quer dizer, eu não estou com nada e em nada, muito menos nesse "aí" genérico e abstrato. Na verdade, se todos estão aí, eu prefiro estar ali --e vice-versa. O Carnaval não me repugna, como a tantos outros, mas não me deslumbra.
Já fiz esforço para gostar, apelei para complicadas razões --não deu. Do ponto de vista pessoal, guardo minhas lembranças, boas algumas, outras detestáveis, mas nenhuma que tenha entrado fundo e marcado um momento, definido uma emoção. Sim, houve um fato capital, que determinou tudo: foi num antigo baile aqui no Rio, num clube que atendia pelo nome de "High Life".
Eu havia saído do seminário há pouco e no primeiro Carnaval decidi não brincar. Embora usasse roupas leigas, eu ainda sentia o peso da batina sobre a minha carne, o cheiro do incenso em meus cabelos.
Passei o primeiro Carnaval numa praia, com minha mãe e irmãos, e da folia mesmo, só vi alguns blocos de sujo. Mas no terceiro ou quarto Carnaval, naquilo que lá no seminário a gente chamava de "mundo", topei o convite de uma namorada, fui parar no tal baile.
Por sinal, um baile famoso na época. Diziam que ali, de ano para ano, valia tudo e valia cada vez mais. No fundo, sabia não valer nada. Cometia séria concessão ao Carnaval indo a um baile, mas não entregava o ouro ao bandido: recusei qualquer tipo de fantasia. Meti-me numas calças brancas, camisa de seda branca.
No meio da folia, agarrado na namorada, deparei-me com enorme espelho, que ia do teto ao chão. E lá no espelho, vi um camarada com uma cara sórdida, olhos injetados de álcool e suor, repelente, medonho. Incomodado, quis tirar satisfação. Ele fez o mesmo. Descobri que ele era eu, eu era ele.
Culpa do espelho, do Carnaval e da má argila da qual são feitos homens, demônios e foliões. 

Carlos Heitor Cony - Folha, 02.03.2014

Cinzas

Os ímpios
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1. Dizem, com efeito, nos seus falsos raciocínios: Curta é a nossa vida, e cheia de tristezas; para a morte não há remédio algum; não há notícia de ninguém que tenha voltado da região dos mortos.
2. Um belo dia nascemos e, depois disso, seremos como se jamais tivéssemos sido! É fumaça a respiração de nossos narizes, e nosso pensamento, uma centelha que salta do bater de nosso coração!
3. Extinta ela, nosso corpo se tornará pó, e o nosso espírito se dissipará como um vapor inconsistente!
4. Com o tempo nosso nome cairá no esquecimento, e ninguém se lembrará de nossas obras. Nossa vida passará como os traços de uma nuvem, desvanecer-se-á como uma névoa que os raios do sol expulsam, e que seu calor dissipa.
5. A passagem de uma sombra: eis a nossa vida, e nenhum reinício é possível uma vez chegado o fim, porque o selo lhe é aposto e ninguém volta.
6. Vinde, portanto! Aproveitemo-nos das boas coisas que existem! Vivamente gozemos das criaturas durante nossa juventude!
7. Inebriemo-nos de vinhos preciosos e de perfumes, e não deixemos passar a flor da primavera!
8. Coroemo-nos de botões de rosas antes que eles murchem!
9. Ninguém de nós falte à nossa orgia; em toda parte deixemos sinais de nossa alegria, porque esta é a nossa parte, esta a nossa sorte!
10. Tiranizemos o justo na sua pobreza, não poupemos a viúva, e não tenhamos consideração com os cabelos brancos do ancião!
11. Que a nossa força seja o critério do direito, porque o fraco, em verdade, não serve para nada.
12. Cerquemos o justo, porque ele nos incomoda; é contrário às nossas ações; ele nos censura por violar a lei e nos acusa de contrariar a nossa educação.
13. Ele se gaba de conhecer a Deus, e se chama a si mesmo filho do Senhor!
14. Sua existência é uma censura às nossas idéias; basta sua vista para nos importunar.
15. Sua vida, com efeito, não se parece com as outras, e os seus caminhos são muito diferentes.
16. Ele nos tem por uma moeda de mau quilate, e afasta-se de nosso caminhos como de manchas. Julga feliz a morte do justo, e gloria-se de ter Deus por pai.
17. Vejamos, pois, se suas palavras são verdadeiras, e experimentemos o que acontecerá quando da sua morte,
18. porque, se o justo é filho de Deus, Deus o defenderá, e o tirará das mãos dos seus adversários.
19. Provemo-lo por ultrajes e torturas, a fim de conhecer a sua doçura e estarmos cientes de sua paciência.
20. Condenemo-lo a uma morte infame. Porque, conforme ele, Deus deve intervir.
21. Eis o o que pensam, mas enganam-se, sua malícia os cega:
22. eles desconhecem os segredos de Deus, não esperam que a santidade seja recompensada, e não acreditam na glorificação das almas puras.
23. Ora, Deus criou o homem para a imortalidade, e o fez à imagem de sua própria natureza.
24. É por inveja do demônio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão.
( Livro da Sabedoria, cap. 2)

... porque é Carnaval!

 O que é ser Devassa para você?
Para mim ser Devassa é ter liberdade, coragem e atitude. Todo mundo tem esse lado.
Qual o seu lado devassa ?
O meu lado devassa é aquele que mistura atitude, coragem e liberdade.

(Grazi Massafera,  musa do Camarote Devassa) entrevista para Ancelmo Gois, O Globo, 01.03.2014
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Após o desfile, Ronaldo ( Ronaldo Fenômeno)  e companhia se refugiaram em um camarote corporativo. Paula Morais (atual mulher) elogiou o sogro. "Ele é muito culto! Uma vez, o Ronaldo veio me mostrar um livro em que o cara se transformava numa barata, vivia uma metamorfose. Eu disse: Nossa, certeza que isso é coisa do meu sogro, essas coisas mais profundas'."

Mônica Bergamo,  Folha, 03.03.2014

(Referia-se à Metamorfose de Kafka,  da qual, nem de quem, certamente nunca ouviu - provavelmente nunca ouvirá - falar)

segunda-feira, 3 de março de 2014

Blue Moon

Prá uma atriz classuda que sobrevive à vulgaridade dos dias de hoje: Cate Blanchett. Ganhou o Oscar de melhor atriz em Blue Jasmine de Woody Allen, desbancando uma Merryl Streep, por exemplo. No filme, a música pontuou sua paixão por um desses operadores bem sucedidos no mercado financeiro - o fodão  que as mulheres adoram -  até que...
Não é exatamente a versão que aparece no filme. Prefiro esta com Ella Fitzgerald. Afinal uma classuda merece alguém do mesmo porte: uma diva.