domingo, 30 de abril de 2017

Tudo dominado, ou quase. (Cap. II - Rio, capital brasileira da barbárie)

As imagens e os números desses últimos dias são de uma cidade em guerra, onde se mata e se morre no varejo e no atacado, nas favelas e no asfalto, a qualquer hora do dia e da noite. Em Copacabana, às 13h de quarta-feira, uma senhora de 76 anos levou um soco tão forte que provocou ruptura no globo ocular, tendo que ser operada para recuperar a visão. Tudo porque um assaltante, de bicicleta, não conseguiu arrancar-lhe pulseiras de apenas R$ 30. Essas gangues das duas rodas, que agem em toda a ZonaSul, são um arremedo dos “lobos solitários”. No mesmo dia em que o impressionante close do olho roxo da vítima era estampado na primeira página do jornal, lá dentro outra foto dramática mostrava uma mãe chorando sobre um caixão a morte do filho de 13 anos atingido por um tiro no Complexo do Alemão, onde, no mesmo dia, outro jovem de 16 anos foi morto com um disparo de fuzil na cabeça. Ao lado, a notícia de que uma médica foi baleada ao entrar por engano na Maré. Os próprios marginais se apressaram em socorrê-la antes que chegassem os inimigos da facção rival. Eles lutam contra a polícia, mas também entre si, e as vítimas são os inocentes.

O Alemão, segundo a Anistia Internacional, lidera o ranking dos conflitos, com 62 dos 184 ocorridos este ano em quatro pontos da cidade. Em seguida, vem a Maré, com 51; Cidade de Deus, com 45; Jacarezinho, 26. Os criminosos não apenas dominam quase todas as comunidades do Rio como fazem valer seu poder sobre bairros vizinhos, a exemplo do que ocorreu com o comércio do Rio Comprido e da Tijuca, cujas lojas foram obrigadas a cerrar as portas em luto pela morte de um dos chefes do crime. Motociclistas passavam ameaçando de morte quem desobedecesse à ordem. Se não está “tudo dominado”, como apregoam os bandidos com afrontosa arrogância, falta pouco.


Os sinais são evidentes. O mais visível é a torre à prova de explosão de granada instalada em uma das 13 favelas do Alemão, um monumento ao fim das UPPs, que foram a aposta do governo numa política de pacificação e esperança da cidade. Essa espécie de fortaleza foi um pedido da tropa, encurralada pelos bandidos e traumatizada pelas perdas. Conforme informou o porta-voz da corporação, no estado, só este ano 58 policias foram mortos e 189 ficaram feridos.

Ao mesmo tempo, é o governador quem diz: “A gente não pode achar normal que o policial entre lá e tenha que ficar dentro de uma cabine blindada que toda hora é alvo de tiros”. Assim como não é normal a colocação de placas “Áreas de risco” para impedir o acesso a essas zonas. O normal seria que a cidade não tivesse parte de seu território controlado por traficantes e milicianos. 

Zuenir Ventura - O Globo, 22.04.2017

A Síria é aqui. (Cap. I - Rio, capital brasileira da barbárie)

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Segundo o 10º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram 279.567 mortes violentas intencionais entre 2011 e 2015 no Brasil. É como se neste intervalo de tempo se consumasse o assassinato da totalidade da população de Palmas, capital de Tocantins (279.856, conforme estimativa do IBGE). No mesmo período, de acordo com cálculos do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, a guerra teria provocado a perda de 256.124 pessoas.
Em 2015 foi registrado no Brasil um óbito a cada nove minutos, 54% de jovens entre 15 e 24 anos.
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A polícia matou 3.320 pessoas em 2015 (17.688 desde 2009), bandidos ou inocentes, nove por dia. Policiais também morreram em confrontos: 358, sendo 267 fora do serviço, realizando "bicos" (vigilância privada) ou reagindo a assaltos, e 91 no exercício efetivo das funções.
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A filmagem de policiais abatendo covardemente dois suspeitos dominados em Acari e a morte da garota Maria Eduarda, vítima de bala perdida no interior da sua escola –segundo o jornal "O Globo", tiro proveniente da arma de um desses soldados– mostram que o Rio de Janeiro, a despeito dos encantos naturais, é a capital brasileira da barbárie.
Assim como na Síria, é difícil identificar forças do bem.
Policiais mataram dois homens caídos? O comandante-geral da PM declara-se "chocado" com a cena brutal, mas lembra que o episódio é "humanamente compreensível" diante do "estresse que esses policiais vivem". Os dois soldados se envolveram anteriormente em vários "autos de resistência" que culminaram na morte de suspeitos: deveriam estar nas ruas, atirando, ou deveriam ter sido afastados preventivamente pelo comando? Matar e morrer não é regra do jogo.
Uma adolescente foi atingida? O prefeito sugere que as escolas sejam blindadas com paredões de argamassa importada e resistente a disparos de fuzil. Assim, a guerra seguiria o seu curso com redução de "efeitos colaterais" e a medida aqueceria a frutífera relação entre poder público e fornecedores, com contratos sem licitação e justificados pela óbvia situação de emergência.
O direito internacional tem a pretensão de proteger escolas e hospitais dos bombardeios, definindo-os como intoleráveis atrocidades das guerras. A naturalidade com que a polícia carioca, estressada ou não, dispara para todas as direções, como nos videogames, é um escândalo. 

Luiz Francisco Carvalho Pinto - Folha, 08.04.2017

sábado, 29 de abril de 2017

Tudo de bom!

Dizem que vivemos um impasse civilizatório. O país está devastado por aves de rapina à  direita e à esquerda (a greve de ontem mostrou isso!) mas ouvir Ella Fitzegald cantando Someone to watch over me é uma dádiva dos deuses, um banquete para 400 talheres.
Ela estaria comemorando 100 anos por esses dias.
Dizem que era gente simples, sem afetação nem idiossincrasias de estrela.
Pena que tenha se ido...

sexta-feira, 21 de abril de 2017

...de cérebro e advogados.

Trecho da coluna de Hélio Schwartsman na Folha de 18.04.2017: Cérebro Causídico, comparando o modo de agir do do cérebro com  aquele dos advogados.

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Robert Wright, autor de "Animal Moral", tem uma frase lapidar sobre isso que gosto de citar: "O cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independentemente de ter qualquer uma das duas. Como um advogado, o cérebro humano quer vitória, não verdade; e, como um advogado, ele é muitas vezes mais admirável por sua habilidade do que por sua virtude".

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Resumo da ópera: não confie em nenhum deles.

domingo, 16 de abril de 2017

Ele pôs o Estado a venda.

diz o editorial do Estadão de hoje.

Marisa Letícia, Lula e Emílio Odebrecht (Foto: Divulgação)

O Globo, 15.04.2017


A delação premiada da Odebrecht é um prato cheio para analistas e historiadores mostrarem como um estado se torna refém de grupos poderosos da sociedade, notadamente, os industriais nesse exemplo. 
Já nem falo de ética, é falta de compostura, de educação mesmo a maneira como Lula e Emílio Odebrecht tratavam de negócios dentro do próprio Palácio do Planalto. O Brasil - para a ironia da história da nossa esquerda que tornou isso possível - virou quintal da Odebrecht e não dos Estados Unidos, como cansei de ouvir no passado.

Lua Cheia

No caminho para casa quando anoitece,
te encontro, exuberante, iluminando as águas negras da baia,
No dia seguinte, a caminho do trabalho,
quando amanhece
discreta, com tua luz pálida
me vigias
caindo sobre as montanhas.
Onipresente,
nesses dias de Semana Santa,
brilhas de um jeito diferente.

Meu país.

É um país de privilégios,
onde se mente, e se rouba
impunemente.
País de gatos e puxadinhos,
país do jeitinho.
País malandro e libertino.
onde boi voa
e nunca é bastante  o desatino.
País que se pensa maior do mundo,
na real, insuperável  no imundo.
País em que a lógica é um luxo
e a ética  um lixo.


domingo, 9 de abril de 2017

As voltas que a alma feminina dá.



 A sinuosidade da alma feminina nos quadrinhos do cartunista que devia estar iluminado naquele dia.Foi cirúrgico. 
 As mulheres são assim mesmo. Quem já não enfrentou situação semelhante no seu relacionamento com  elas?

sábado, 8 de abril de 2017

Quem resistiria?

Um bom preditor de sucesso na vida é a capacidade de, na infância, exercer o autocontrole e trocar a gratificação imediata por uma recompensa maior no futuro.
Essa noção é ilustrada pela célebre experiência do "marshmallow", de Walter Mischel, de Stanford. Nos anos 60, ele submeteu garotos de cerca de quatro anos ao seguinte dilema: eles podiam escolher entre ganhar um "marshmallow" no instante em que tocassem uma campainha, ou ficar sozinhos diante do doce e aguardar a volta do pesquisador 15 minutos depois, hipótese em que receberiam duas guloseimas.
Décadas depois, estudos de "follow-up" mostraram que aqueles que resistiram por mais tempo apresentavam melhores resultados numa série de indicadores como desempenho acadêmico, envolvimento com drogas, taxas de divórcio, peso corporal. 
Hélio Schartzman - Marshmallow e Previdência - Folha, 08.04.2017
 
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Quantos hoje deixariam para depois? Afinal, não é tão simples assim. Vivemos uma cultura hedonística, de fruição imediata, do aqui e agora. Ruim é que são todas características de um tecido social doente e de uma civilização decadente.
Não sucumbir à tentação era um ensinamento  básico da minha educação no  seminário, considerada conservadora e mesmo retrógrada.Saia da infância quando prá lá fui encaminhado.
Na reta final da minha passagem por essa vida - haverão outras? -  posso dizer que passei em dois indicadores; fiquei devendo no primeiro. No terceiro não fui provado pois  não mantive relação duradoura com mulher alguma. Seria provavelmente reprovado, a julgar pelas experiências que tive.

terça-feira, 4 de abril de 2017

Mais uma prá conta.

Professora de design da PUC, Claudia Bolshaw pegou um táxi assim que desembarcou em Lisboa. Pediu um recibo ao taxista, que perguntou se ela era brasileira. Diante da confirmação, o motorista imediatamente se ofereceu para preencher a nota com um valor maior. Vergonha internacional. Me detive a explicar que apenas os políticos no Brasil são corruptos, conta. 

Gente Boa - O Globo, 04.04.2017

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Já éramos conhecidos mundo afora - preconceituosamente ou não - por nosso pouco apego ao trabalho, pela exuberância sexual das nossas mulheres (as feministas pedirão meu escalpo!). Agora adornamos nosso colar com outra pérola: a corrupção.
De mais a mais minha cara professora, a senhora está muito seletiva.  
- Apenas os políticos...?
Os corruptos são legião em Pindorama, terra fértil para a semente da corrupção fazer brotar árvores frondosas.

domingo, 2 de abril de 2017

Verdade verdadeira (II)



No Brasil, a direita quer um Estado grande para que ele seja saqueado pelo patrimonialismo, enquanto a esquerda quer um Estado igualmente grande para que seja saqueado pelo corporativismo.
  Campos pregou no deserto - Eduardo Fragelli,  professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) - Valor Econômico - 31.03.2017

Discurso conservador....para os "mudernos".

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A tradição, encarnada na educação, na família, nas religiões, se esfacelou e deixou de dar limites e transmitir modelos. Também deixou de oferecer segurança e proteção, de apontar caminhos e preparar para decisões. Passou a ser vista como algo careta, a ser desrespeitado, criticado e desconsiderado, em discurso que a associa à cultura elitista e a uma execrável exploração econômica, como se houvesse relação direta entre uma coisa e outra. Mas não se execra o ideal do consumismo, a compulsão pela felicidade sensorial ou as condutas predatórias de quem quer se dar bem já, às custas dos outros.
Quanto às figuras tutelares, na sociedade midiática são substituídas por celebridades. Tudo caminha para focar apenas o instante e o imediato, sem medir consequências dos atos, como se não houvesse amanhã. É uma marcha insensata para abolir o tempo e tudo o que a ele se associe: a herança histórica, os corpos com idade, as construções lentas e progressivas, a necessidade do coletivo e gradativo, a compreensão do esforço, a elaboração do consenso, a renúncia tendo em vista um objetivo. 
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Ana Maria Machado - Como se não houvesse amanhã - O Globo, 01.04.2017