A tradição, encarnada na educação, na família, nas religiões, se
esfacelou e deixou de dar limites e transmitir modelos. Também deixou de
oferecer segurança e proteção, de apontar caminhos e preparar para
decisões. Passou a ser vista como algo careta, a ser desrespeitado,
criticado e desconsiderado, em discurso que a associa à cultura elitista
e a uma execrável exploração econômica, como se houvesse relação direta
entre uma coisa e outra. Mas não se execra o ideal do consumismo, a
compulsão pela felicidade sensorial ou as condutas predatórias de quem
quer se dar bem já, às custas dos outros.
Quanto às figuras tutelares, na sociedade midiática são
substituídas por celebridades. Tudo caminha para focar apenas o instante
e o imediato, sem medir consequências dos atos, como se não houvesse
amanhã. É uma marcha insensata para abolir o tempo e tudo o que a ele se
associe: a herança histórica, os corpos com idade, as construções
lentas e progressivas, a necessidade do coletivo e gradativo, a
compreensão do esforço, a elaboração do consenso, a renúncia tendo em
vista um objetivo.
.............Ana Maria Machado - Como se não houvesse amanhã - O Globo, 01.04.2017
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