quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Que te vayas, 2020 !

Estou passando de ano, ouvindo Strauss (Marcha Radetzki, valsas, polkas..) executado pela orquestra de Viena,  na programação especial elaborada pela rádio MEC para a data. A intenção deve ser entrar o ano com astral alto; nenhuma novidade já que é o que se pede a cada passagem. Há também as mandingas: vestir amarelo, comer lentilha... para dar sorte. Nunca me liguei nesses ritos e crenças. 

2020 é um ano prá ficar na história da humanidade devido à pandemia. Eu  tirei de letra porque o isolamento não me trouxe nem angústia, nem ansiedade. Enfrentei só meus demônios a maior parte da vida  e não seria  uma pandemia que iria me assustar. Há motivos mais nobres para ser assaltado por tais sentimentos.

Na minha história pessoal, 2020 fica marcado por outros motivos. Perdi minha mãe em fevereiro e em julho vesti o pijama - na real a bermuda e o calção! -   depois de 42 anos de trabalho. Poderiam ser dois cataclismos, entretanto, não me abalaram tanto. 

A morte da mãe já estava precificada - para usar um termo corrente do mercado - dada a precariedade do seu estado na última vez que a vi, no Ano Novo de 2019. Se sua morte não doeu tanto, como dói sua ausência.

A aposentadoria livrou-me do fardo do trabalho a que me dediquei e  para o qual nunca fui talhado. Porque o escolhi é uma boa questão, mas foram 42 anos de imensos sacrifícios pessoais. Longe daquela obrigação, sinto-me melhor. Em função da pandemia, troquei um centro de pesquisa, pela pia e fogão na cozinha, pelo tanque e pelo ferro de passar. São esses afazeres domésticos que ocupam a maior parte do meu dia e que me fazem pensar como foi heróica a vida da minha mãe. Esta foi sua rotina por - pelo menos -  70 anos. Eu, que  nunca havia dado valor, só agora constato o quanto estava equivocado.

Passagem de ano

O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia e
coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus…

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles… e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

Carlos Drummond de Andrade, A Rosa do Povo

 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Fernando Pessoa.

O amor é que é essencial.

O sexo é só um acidente.

Pode ser igual

Ou diferente.

O homem não é um animal:

É uma carne inteligente,

Embora às vezes doente.

 

Neymar Jr, brasileiro-raiz, patrocinando uma festança - Neymarpalooza - em Mangaratiba

Por que ele não realiza o evento na França? Porque certamente não permitiriam... Lá ele é um cidadão como os outros.

Em Pindorama, como as obrigações que a democracia, e o tal do estado de direito demandam,  existem apenas para parcela da população e Neymar dela não faz parte, provavelmente nenhuma responsabilidade lhe será cobrada. Afinal ele é um  jogador de futebol famoso com projeção internacional - daquela casta dos mais iguais do que os outros que, como a jaboticaba, só existe no nosso país.

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Foto do hangar comprado pelo Neymar para receber os parças na  mansão em Mangaratiba.  (Ancelmo Gois - o Globo)



O perdedor do ano

 ...foi Trump, de acordo com a Der Spiegel. O correspondente da revista em Nova Iorque o definiu como:

“um homem que... nunca se preocupou com o bem comum, mas sempre com uma coisa - ele mesmo".

Para a revista a  presidência de Trump termina como começou. Sem decência e sem dignidade.

Não deixa de ser uma ironia a escolha da revista,  pois Trump, antes da presidência tinha um programa na TV que fazia a apologia da visão de mundo  winners x losers, aliás, muito cara à cultura americana.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Do brasileiríssimo hábito de furar a fila.

 ..e para que se cumprissem as Escrituras não é que o  STF e o CNJ  pediram  à Fundação Osvaldo Cruz - que para a glória de Deus, negou! - prioridade para a vacinação do seu pessoal?

Nada mais natural - em se tratando de Brasil - partir de quem  partiu. Essa turma desde Pero Vaz vem se achando mais igual do que os outros, e não desiste fácil. Aliás, promotores do Ministério Público de SP, também tentaram o golpe, sem sucesso.

Mais do que o fato - abominável! - são as  justificativas para o pedido de prioridade; primeiro a carta dos procuradores de SP, depois o ofício do STF à Fiocruz: 

“não é uma questão de egoísmo em relação a outras carreiras, mas tendo em vista notadamente os colegas do primeiro grau, que trabalham com audiências, atendimento ao público e outras atividades em que o contato social é extremamente grande e faz parte do nosso dia a dia”.

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Tal ação tem dois objetivos principais. O primeiro é a imunização do maior número possível de trabalhadores de  ambas as casas, que  desempenham papel fundamental no  país  e  têm  entre suas autoridades e  colaboradores uma parcela considerável de  pessoas classificadas em  grupos de  risco. Adicionalmente, entendemos que a realização da campanha por este Tribunal é uma forma de contribuir como país nesse momento tão crítico da nossa história, pois ajudará a acelerar o processo de imunização da população e permitirá a destinação de equipamentos públicos de saúde para outras pessoas, colaborando assim com a Política Nacional de Imunização.

É ou não é, uma gracinha

... e saber que são justamente essas pessoas que tem o poder de transformar nossas vidas em pó.