quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Terra sem lei.

Fato é que o Rio sempre foi “terra sem lei”. Governadores, desde a família Sá, sempre mandaram no estado acima das leis. Não só aqui: a Constituição do Império dizia, no primeiro artigo, que o imperador estava acima da lei. E a impunidade sempre dominou, nos tempos de colônia, Império, na República. O primeiro deputado cassado no Brasil, Barreto Pinto, foi em 1947, e por ter posado de cuecas .
Milton Teixeira (historiador)

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 O Rio não conseguiu desenvolver partidos com relação orgânica com a sociedade. Em São Paulo, fortaleceram-se partidos com mais lastro com a sociedade civil, como o PT, junto à classe operária, o PSDB, à classe média. Aqui, tivemos o que se diria um populismo de esquerda, nos tempos de Brizola, um arranjo pragmático-clientelista (Garotinho) até chegar à máquina política super blindada de Cabral e Picciani. Seja pela névoa produzida pelos grandes eventos, ou pelo efeito anestésico das UPPs, fechou-se o ciclo perfeito: bênção, e investimentos, do governo federal do PT, uma Alerj transformada em extensão do Executivo, TCE e agências reguladoras sem desempenhar seu papel, Ministério Público impotente, mesmo a imprensa... Cabral e companhia são frutos deste cenário
Marcelo Burgos (cientista social)

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 A corrupção não surpreende, mas o grau a que se chegou é espantoso. O Rio tem histórico de insubordinação. Desde a colônia. Houve deposição de governador, a Revolta da Cachaça (contra o aumento de impostos da aguardente, em 1660). Mais recentemente, era onde políticos aliados à ditadura tinham menos votos. Desde a mudança da capital para Brasília, houve declínio, houve a falência da capital, explosão de violência. Parecíamos viver um reerguimento. A impressão, hoje, é que a população está indignada, mas não se mobiliza. Não vejo questionamento do poder na medida em que se mereceria.
Alberto Mussa (escritor)

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 Não acho que exista alguma coisa na água do Rio Guandu que nos faça mais ladrões do que os outros. É preciso enxergar o problema sem imediatismo, para entender que não é só “quem roubou quanto”. Há um ciclo negativo de moralidade, de eficiência, ligado também à complexidade de se administrar o Rio. Aqui há mais servidores federais que Brasília. É uma espécie de distrito federal disfarçado — argumenta, antes de completar. — A mudança de capital, ligada à fusão, que uniu uma ex-capital federal a um estado (interior) de realidade totalmente diferente que tornou o Rio um estado anômalo, liderado por uma elite política que não se dá conta de que o Rio virou periferia.
Christian Edward Lynch ( cientista político)

Declarações extraídas da matéria de Miguel Caballero : As causas da crise para além do furacão Lava-Jato  - O Globo, 26.11.2017

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A "terra sem lei", diagnosticada por Raquel Dodge, a procuradora-geral da República, não foi implantada hoje. Aqui funcionou o curral eleitoral de Chagas Freitas, governador da Guanabara (1971-1975) e do Estado (1979-1983). Se essa época fosse passada a limpo, que tipo de falcatruas a gente ia descobrir? E se voltássemos aos dois mandatos de Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1994)? Carlos Lacerda, primeiro governador da Guanabara, passaria impune?

Por pura implicância, eu gostaria de uma devassa que retornasse ao tempo do Onça, ou seja, Luís Vahia Monteiro, capitão-geral entre 1725 e 1732. Truculento, ele vivia a reclamar da vida e chegou a escrever uma carta ao rei de Portugal dizendo que "nesta terra todos roubam, menos eu". Se duvidar, nem Estácio de Sá, o fundador da cidade de São Sebastião, escaparia.
Álvaro Costa e Silva (jornalista) Folha, 28.11.2017


terça-feira, 28 de novembro de 2017

Dia da Reforma

Foi a 31 de outubro, feriado em Lajeado-RS, cidade de  população fifty/fifty de origem alemã/italiana. Minha mãe mora lá e eu a visitava nesse dia. Tudo parado. É o feriadão deles, tipo o Thanksgiving americano; emendam com Finados em 2 de Novembro e quem pode, viaja. Em 2017 foram comemorados os 500 anos de Reforma e a cidade é uma filha digna de Martinho Lutero. É próspera e figura entre as 10 cidades gaúchas com melhor IDH do Estado na maioria das listas elaboradas com essa finalidade.
Talvez a forte presença da imigração alemã a tenha feito assim, mas a imigração italiana deve ter ajudado, embora italianos sejam  latinos, com algumas idiossincrasias que forjaram nossa  matriz ibérica. Uma delas é a herança da Contra-Reforma  que segundo Francisco Daudt,  seleciona autoritários, centralistas, sebastianistas, burocratas, conchavistas, bajuladores e corporativistas, inibe empreendedores e incentiva parasitas que esperam tudo de El-Rei. Que tal?  (Seleção Adversa Vai de Brasília até Parceiros Podres que Escolhemos, Folha, 22.11.2017)

Eduardo Gianetti em Trópicos Utópicos também não deixa barato:

A Ibero-América e a Anglo-América são herdeiras de duas variantes distintas da civilização européia: duas culturas polares e até certo ponto antagônicas  que disputaram a supremacia geopolítica e espiritual do mundo a partir dos albores da Renascença e da era dos descobrimentos nos séculos XVI e XVII. Falando em termos gerais, pode-se dizer que as Américas do Sul e do Norte refletem e projetam a seu modo, como num grande espelho transatlântico, as diferenças religiosas, culturais e institucionais entre a face ibérica e a face anglo-saxã do Velho Mundo. O contraste não se reduz à dimensão geopolítica e econômica da aventura colonial, mas abrange um nítido e essencial antagonismo no que tange aos valores e às crenças dominantes - às formas de vida e sensibilidade -  das metrópoles rivais. De um lado, a Contra-Reforma católica, com forte acento jesuítico, missionário e inquisitorial; o apego à escolástica medieval acoplado à resistência aos ventos, métodos e ideais iluministas; a Coroa absolutista centralizadora e burocrática; e o mercantilismo parasita de uma elite rentier. E, de outro, a Reforma protestante, com forte acento puritano e calvinista (entre as coisas desta vida, o trabalho é o que mais assemelha o homem a Deus); a vigorosa adesão ao projeto iluminista da ciência e tecnologia a serviço do resgate da condição humana por meio do domínio da natureza e da ação racional; a monarquia constitucional; o primado do mercado competitivo e da livre empresa como instrumentos de eficiência econômica e da acumulação de capital. O tempo, como sabemos, foi cruel com as pretensões do mundo ibérico....

Que  herança! Definitivamente não começamos bem.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Cesar Benjamin, tô contigo e não abro!


Respeito muito tua trajetória e tuas idéias.

P.S. - A linda e cheirosa atriz global a que se refere o post  é Thais Araújo.




De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo!

Falastrão, espaçoso, debochado, soberbo... características que fazem dele o mais carioca dos gaúchos: Renato - porque não! - Gaúcho. Abaixo algumas declarações dadas numa entrevista coletiva para justificar o uso de um drone para espionar o adversário argentino da final da Libertadores que começa hoje em Porto Alegre. Até há frases sensatas. No geral, entretanto... dizem bem do que é feito o rapaz. Vejam a estampa e concluam!

PS - ... e tem gente da imprensa que a depender do que acontecer nessa final passará a considerá-lo  o Guardiola brasileiro.  Impressive!
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Algumas pessoas de vocês estão acabando com o futebol. Falem do jogo, falem dos times. Eu pergunto: como se ganha uma guerra. Como se neutraliza o adversário? Com suas formas. Com drone, helicóptero, avião. A cavalo, bicicleta. O mundo é dos espertos. Vamos fazer o seguinte, cada um de vocês escolhe treinadores e podem perguntar como eles descobrem as jogadas do adversário. Parece que é só o Grêmio que usa esses artifícios. Futebol é igual guerra. Algumas pessoas estão começando e precisam parar com essa palhaçada de dar notícia achando que o planeta não sabe. Falem de futebol, falem do que é mais importante. Ficam perdendo tempo falando disso. E não pensem essas pessoas da ESPN que nós somos burros. Não pensem que não estamos espertos. No mundo todo tem um X9. Não somos burros. O bom cabrito não berra. Agora vamos à próxima pergunta e esse assunto está encerrado. Isso é uma palhaçada. Palhaçada. Era isso que eu tinha que falar sobre esse tal de drone. Respeito a ESPN, respeito a menina que fez a entrevista, mas alguém vai pagar por isso", completou o técnico em tom ameaçador. 

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Glória Maria, tô contigo e não abro!

...sou negra e me orgulho. Mas não sigo cartilhas . Minhas dores raciais conheci e combati sozinha! Sem rede social para exibir minhas frustrações.

Glória Maria - aquela da Globo! - no Instagram defendendo-se da fúria das minorias esclarecidas por ter postado a mensagem do Morgan Freeman que publiquei anteriormente.

Morgan, tô contigo e não abro!


Rio ladeira abaixo.

Vou reproduzir trechos de entrevistas de duas pessoas que meteram a mão na massa e por isso conhecem a fundo a degradação moral em que se encontra o estado pelo menos nas esferas do Judiciário, Legislativo e Executivo tendo os grandes empresários do setor privado e estatais como pano de fundo. Enfim, quase todo o establishment  metido na lama até o pescoço.

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  • A corrupção é maior do que a capacidade de investigar?
É algo desesperador, porque a gente não consegue dar conta do volume de trabalho. Pessoalmente, isso tem sido bastante sacrificante, porque a quantidade de informação é superior ao que a gente consegue processar, e a quantidade de corrupção que a gente tem revelado é muito maior do que a gente imaginava. Os próprios colaboradores falam; "Olha, tenho pena de vocês, porque o trabalho de vocês é infinito".
Eduardo del Hage, Procurador-Chefe da Lava-Jato no Rio de Janeiro.
O Globo, 12.11.2017.

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  • Ficou surpreso com o tamanho do esquema de corrupção no Rio?

Posso falar sobre o processo da Operação Calicute, que já foi julgado. O que me assustou, naquele caso, foi a extensão e a capilaridade. Parece que tem mais gente envolvida do que não envolvida. É uma metástase. A cada hora surgia um personagem novo.
Marcelo Bretas, Juiz  que comanda a Lava-Jato no Rio de Janeiro.
O Globo, 17.11.2017.

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Duro é fica ouvindo advogados, ministros do Supremo, setores da imprensa afirmarem  que a Justiça da Lava-Jato afronta o Direito Penal dos Códigos, está instalando um Estado policial. Se há excessos que sejam corrigidos mas o bem que essa operação faz ao país, expondo suas vísceras é um dos marcos da Nova República que vive seus estertores. Fica difícil não acreditar que essa defesa do Estado de Direito não passe de uma saída elegante para proteger os privilégios que essa malta construiu à luz do Direito para se perenizar no poder nos 500 anos de nossa existência. Legislou em causa própria, construiu um aparato legal  e sobre ele se apoia. Não deixam  de ter razão no  argumento, mas cabe lembrar que em 1850 defender a escravidão era estar ao lado do Estado de Direito. Era puro  non-sense , mas era legal. Atitude semelhante àqueles que  defendem  Lula, Aécio e tutti quanti - pobres vítimas do Estado de Direito! - das arbitrariedades da Lava-Jato. Enquanto os advogados atém-se a firulas da lei e do processo e elaboram narrativas fantásticas para justificar os feitos dos seus clientes em nome do Estado de Direito, eu prefiro a ética e os fatos, eternamente insuficientes para a turma do direito. Malas de dinheiro, contas em paraísos físcais,  versões concordantes   de diversos delatores não são prova suficiente - argumentam.   
Cadeia prá essa canalha.

A paquera já era...

A cena foi testemunhada pelo escritor Flávio Moreira da Costa. Depois de passar batom, uma senhora se preparava para tirar uma selfie, em plena rua do Catete.
- Tá bonita - diz um passante.
- Isso é assédio? - reage ela.
- Não, é mentira - diz ele e segue em frente.

Ancelmo Gois - O Globo, 19.11.2017

LBGTI

... e ontem saiu a parada gay aqui em Copa. O prefeito, evangélico, não liberou dinheiro público pro evento e foi xingado a torto e direito.
Constato que ao LBGT foi acrescentado um I. Investiguei e descobri que representa os intersexuais no grupo. Alguém aí poderia me explicar qual a diferença entre bissexual, transexual e intersexual?
O panorama visto da ponte me faz acreditar que pelo apetite que esse pessoal tem pela diversidade, novas letras virão  se juntar à sigla. Temo que as opções oferecidas pelo  nosso alfabeto não bastem. 

domingo, 19 de novembro de 2017

- "Coisa de preto"! - William Waack.

Ele é um dos raros jornalistas brasileiros que cava além da superfície ou das banalidades repetidas ad nauseam pela nossa imprensa. Considero-o pedante, mas vejo regularmente seu programa de final de semana na GloboNews. E tem opiniões que batem de frente com as nossas esquerdas tanto as mais ideologizadas quanto as festivas.
Colocaram nas redes um comentário em off  feito por ele, um ano atrás ao assistir no estúdio a transmissão da posse de Trump. Estranho, muito estranho que tudo tenha sido divulgado apenas agora. Tudo é suspeito e certamente os motivos que levaram a essa divulgação nada tem a ver com indignação pela frase infeliz. Provavelmente é vendetta, possivelmente ideológica/política. A estampa das figuras que fizeram a divulgação do vídeo, revela muito.
A reação dele é a de muitos - eu diria quase todos - que usam desses bordões populares no dia-a-dia. A frase é racista, mas isso não significa que ele seja racista. Pelo que conheço dele e depoimentos de amigos, de fato não o é. A Globo com medo das patrulhas mudernas suspendeu suas atividades na emissora. Enfim... vivemos em um mundo em que seremos cobrados por esses patrulheiros - crème de la crème da modernidade -  até pelo que fizermos e dissermos na nossa intimidade. George Orwell atribuiu esse poder ao Estado mas a se julgar pelos fatos esse pessoal é quem vai assumir a prerrogativa.
Aliás, o fato é semelhante ao que aconteceu com o Donald Trump naquela declaração infeliz e considerada machista, obtida através de gravação clandestina. O comentário que é chulo, sem dúvida,  é comum em qualquer vestiário masculino daqui, de lá, do mundo. Qualquer macho que frequenta esses ambientes, sabe disso muito bem.  Mas as patrulhas entram em ação,  armam o maior auê... Fossem declarações públicas, entretanto nenhuma o foi além de terem sido obtidas de maneira no mínimo suspeita. Estamos regredindo ao stalinismo com esses patrulheiros culturais e de costumes desempenhando o papel da polícia secreta soviética. Vão se catar. 

Império Reverso

O filósofo grego Diógenes fez de autossuficiência e do controle das paixões os valores centrais de sua vida: um casaco, uma mochila e uma cisterna de argila no interior do qual pernoitava eras suas únicas posses. Intrigado com relatos sobre essa estranha figura, o imperador Alexandre Magno resolveu conferir de perto. Foi até ele e propôs: Sou o homem mais poderoso, peça-me o que desejar e lhe atenderei. Diógenes agradeceu a gentileza e não titubeou: O senhor teria a delicadeza de afastar-se um pouco?  Sua sombra está bloqueando o meu banho de sol. O filósofo e o imperador são casos extremos, mas ambos ilustram a tese socrática de que, entre os mortais, o mais próximo dos deuses em felicidade é aquele que de menor número de coisas carece. Alexandre, ex-pupilo e depois mecenas de Aristóteles, aprendeu a lição. Quando um cortesão zombou do morador da cisterna por ter desperdiçado a oferta que lhe caíra do céu, o imperador rebateu: Pois saiba então você que, se eu não fosse Alexandre, eu teria desejado ser Diógenes. Os extremos se tocam. Querei só o que podeis, pondera o padre Antônio Vieira, e sereis omnipotentes.

Eduardo Gianetti - Trópicos Utópicos - Cia de Letras

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Alexandre foi meu ídolo nos meus verdes anos. Diógenes é meu ídolo nos anos maduros. Estou mimetizando-o; mais e mais tornando-me uma estranha figura.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Aqui é assim, Pirelli!

Pois é... e depois foi a vez da Pirelli. Que emputeceu (sic) e cancelou o teste de pneus que faria na semana seguinte ao GP. Se mandou!(sic)


segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Aqui é assim, Lewis !


Hamilton postou a mensagem abaixo no Twitter, depois do assalto à van que conduzia integrantes da  equipe  MacLaren  do autódromo para o hotel em São Paulo.  É duro ter que ler isso:  this happens every single year here, escrito por um campeão mundial. Certamente nas internas as palavras devem ter sido muito mais duras. 
Lewis se isso acontece toda vez que vocês aparecem por aqui - olha, que é apenas uma semana em um ano - não queira saber o que enfrentamos em termos de violência, particularmente os menos favorecidos, nas cinquenta e uma outras semanas. 


sexta-feira, 3 de novembro de 2017

O desapego dos mudernos

Desapego é uma  palavra da moda. Está na boca - na maior parte das vezes - de quem passa longe dele. Basta analisar o jeito de ser e de viver  dessa turma que normalmente se considera o que há de mais avançado nos circuitos sociais e culturais do nosso tempo e que usa a palavra com a maior naturalidade.  Lí por aí que a Preta Gil - por exemplo - estava convidando as pessoas a desapegarem pois ela decidira se desfazer do seu guarda-roupa.  É prá rir ou chorar?
Definitamente desprendimento não é atitude que se adquire da noite pro dia, ou trivial como vestir ou tirar  uma camisa. Chegar a ele requer uma ascese - mudernos detestam! - e uma história de práticas e de vida, normalmente associadas às grandes religiões da humanidade. Você conhece algum muderno, religioso? No máximo, adotam alguma prática budista ou se dizem espíritas.
Vou pegar uma carona na  coluna do Pondé (Folha, 30.10.2017),  que por ter  estudado  o pessoal que  praticava desprendimento a vera  na Antiguidade e Idade Média  parece  entender do riscado.  

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Não acredito na possibilidade de desapego no mundo contemporâneo, em que desapego é em si um produto. Por exemplo: que tal desapegar um pouco no Butão? Ou em Noronha? Belo espaço natural. Nunca um mosquito custou tão caro.
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Qualquer pessoa minimamente treinada no repertório das grandes religiões e suas distintas formas de espiritualidade (das quais vêm ideias como gratidão e desapego) sabe que, se você pratica uma dessas virtudes "para dormir bem à noite", você não as está praticando de verdade. Ninguém é grato para conseguir algo ou desapega viajando de "business class".

A ideia de desapego é bem séria, seja na espiritualidade, seja na filosofia, a começar pela grega. No grego, "aphalé panta" significa essa ideia de "desapegar-se de tudo que é ou tudo que existe" no chamado neoplatonismo.
Palavras como "apathéia" ou "ataraxia" estão muito próximas dessa noção de desapego no estoicismo e no ceticismo. No budismo, no cristianismo, no hinduísmo, a mesma temática. Na mística medieval cristã ou islâmica, ideias como "desprendimento" ou "aniquilamento" também retomam a mesma temática do "prazer" que seria se desapegar das coisas do mundo. Na literatura de peso, Liev Tolstói (1828-1910) é um representante importante dessa busca. Em seu último romance, "Ressurreição", o personagem principal, Nerhliudov, passa todo o romance em busca do desapego, sonho do próprio Tolstói.

Quando se fala de desapego das coisas do mundo, a primeira ideia que vem à mente é o desapegar-se das coisas materiais. E, aí, em se tratando de nosso mundo contemporâneo, já fica difícil, uma vez que quase tudo que importa passa pela aquisição de um bem material, mesmo que este seja uma passagem para a Mongólia. Ou uma pousada na praia. Tudo pago em diárias, o que significa que você tem que pagar para desapegar. Porque, lembremos, quem mora embaixo do Minhocão não é um desapegado.

A busca do desapego deita raízes no fato de que o mundo cansa. Numa sociedade em que o cansaço é um grande "passivo psicológico" como a nossa, desejar o desapego é absolutamente normal. O problema é que, como em toda demanda de verdade, o mercado captura a própria demanda "natural" e devolve como commodity. Precifica a busca e vende para você de volta.

A literatura de autoajuda é a forma mais banal desse processo, prometendo a você que, na compra do livro X ou na participação no workshop Y, você conseguirá o tal do desapego. Evidente que mentem. O desapego é um processo doloroso que implica, na maioria dos casos, perdas profundas. Não é coisa que sirva ao papinho da "vida é feita de escolhas". Está mais para experiência avassaladora do fracasso do que para o tédio do sucesso. Desapegar-se é próximo da "calma trágica", descrita em personagens como Etéocles (filho de Édipo), da trilogia tebana de Ésquilo, ou Antígona (filha de Édipo), da tragédia que carrega seu nome no título, de Sófocles. Ésquilo viveu entre os séculos 5 e 6 a.C. e Sófocles no século 5 a.C..

O desapego fala do cansaço do desejo. E nosso mundo gira ao redor do desejo. Fala do perder-se, não da obsessão por uma alimentação balanceada. O "objeto" mais importante no desapego (aquilo de que você deve desapegar-se se quiser pensar a sério em fazê-lo) é o próprio Eu. E, aí, a coisa pega. "Ser você mesmo" cansa mais do que escalar o Everest. O Eu é um eterno adolescente chato em busca de autoestima. Aliás, a economia da autoestima é sinal de apego.

O filósofo Emil Cioran (1911-1995) escreveu em seu diário "tornar-se modesto por cansaço, por falta de curiosidade". Isso é desapego. Algo a que você chega não pela vontade soberana, mas pela exaustão fisiológica. Aliás, parafraseando o próprio Cioran sobre a preguiça, eu diria que desapego "é o ceticismo da matéria". 


quarta-feira, 1 de novembro de 2017

In memoriam...

Mais um da minha geração que se vai. É contemporâneo. Nasceu em outubro de 1950, morreu em outubro. Liderou o Tom Petty and Heartbreakers  e fez parte do supergrupo Traveling Wylburis, um dos meus posts de outubro com  Roy Orbison soltando sua voz ímpar. Daqueles craques, apenas o Bob Dylan resiste bravamente. Caramba! estamos todos morrendo...


...e quando você pensa que já viu tudo. (II)

Pois não é que a turma do Judiciário - STF pelo menos ... - resolveu transferir o feriado do dia do Funcionário Público - dia 28 de outubro (sábado em 2017) - para o dia 3 de novembro, um dia útil -  útil para ser enforcado -  pois é uma sexta-feira sanduichada entre o feriado de Finados e o final do semana? 
Dizer o quê... Só aqui mesmo e quem sabe em algum desses países da periferia da civilização.
E sabem quem assinou a portaria, decreto, sei lá...? A ministra Carmen Lúcia. Confesso que esperava muito mais dessa mulher.
Francamente...