terça-feira, 31 de janeiro de 2017

2016...2017 (II)

Resume bem a alma do país nessa passagem de ano.(estou defasado em 30 dias)


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Uma boa notícia

O último dia do ano não é o último dia do tempo. Foi Carlos Drummond de Andrade quem me ensinou. Foi-se um ano sofrido. A memória, parceira obrigatória da vida vivida, nesse dia pede um balanço de lucros e perdas. Há no ar, e nos implacáveis números das pesquisas, tristeza, desencanto e pessimismo. Quem se orgulhava do Brasil não se orgulha mais. O que é injusto com os brasileiros, jogados no purgatório das privações e incertezas. 
O ano termina sobre as ruínas da crise mais grave de nossa historia. O cenário mundial é assustador. Vivemos um tempo de jogadas sinistras, de ídolos espatifados, tempos de grandes desilusões. A desordem dos acontecimentos de hoje não se parece com a de ontem, e o futuro não promete nada de previsível. O que vivemos hoje é um enigma ainda não decifrado.
Folheamos os livros que nos ensinaram tudo que sabíamos com um sorriso amargo, pena de nós mesmos e dos mestres em quem confiamos. Nesses dias de feriados e arrumações, eles nos olham das estantes, desolados, como fantasmas que, à noite, passeiam pelos quartos e salas preferidas da casa. E são eles que melhor testemunham nosso desvalimento, agora que vivemos longe da segurança que nos davam e pela qual vestimos um luto secreto. Não há mais caminho das pedras, e vamos nós mesmos, canhestramente, espalhando as pedras frágeis em que tentamos pisar.
Hoje, a crise dói: desemprego, saúde em risco, insônia, medo e miséria não retratam um fracasso individual, como tantos sentem, e sim um drama coletivo. Que não durará para sempre. Quem já enfrentou uma doença grave — em si ou numa pessoa querida — sabe que há recursos desconhecidos, nunca antes mobilizados, que vêm à tona e nos ajudam a enfrentar esses momentos críticos. Os brasileiros têm uma longa história de resiliência.
É longo o inventário das perdas, mas também o do que está preservado. O que interessa lembrar é o que fica imune à crise, tudo que ela não pode confiscar, e que nos faz resistir à depressão e ao desalento. Cada um tem presente em sua vida um patrimônio imaterial com que pode contar.
Assim como o dinheiro não compra tudo — o tempo, por exemplo, a morte não vende —, há bens que independem dele, a exemplo dos vínculos afetivos profundos, como amor e amizade, os círculos de confiança onde esses sentimentos se produzem, onde a roda da vida cria e reforça laços.
As alegrias da solidariedade, aquela que faz o nadador atirar-se ao mar para resgatar o afogado ou alguém entregar as suas veias para, com seu sangue, prolongar uma vida desconhecida. A alegria das esperanças compartilhadas em torno de um projeto comum, que faz sentido — fazer sentido é de fato um fazer — e traz o sentimento cálido de pertencimento.
Tudo que não é passível de monetarização — alguns economistas dirão que tudo tem um preço, mas isso é problema deles — continua a existir e é fonte de prazer e de sentido para a vida. Pensar no que somos fora do dinheiro que temos ou não temos pode ser um exercício inédito de escapar da lógica econômica que torna invisível tudo que não anuncia seu preço e vai pouco a pouco se apropriando de todos os aspectos da existência, até definir cada um pelo que ganha ou deixa de ganhar. Nível de vida passou a ser sinônimo de nível de renda.
Essa lógica não é alheia à epidemia de corrupção que levou nosso país à ruína e homens desmoralizados, de cabeça baixa, às grades das prisões. A fidelidade a valores dos muitíssimos que não mentiram, não roubaram, não jogaram dinheiro no mar é um capital inestimável, razão de justificada autoestima.
Assim como a lógica econômica dita uma visão de mundo redutora, outra lógica perversa, a do charco em que mergulhou a política, ao penetrar cada recanto do cotidiano, incitando ódios, separando amigos, vai envenenando as possibilidades de esperança.
A crise ameaça expropriar até mesmo a esperança de ser mais feliz que sempre anima um novo ano. Paralisa com o risco do autoengano. Quer tornar ridículo o brinde da meia-noite. Inúteis, as rosas jogadas ao mar. Mas a esperança tem uma natureza imbatível, ela que, quando um cansaço imenso invoca o testemunho da memória para defender renúncias, caminha para o quebra-mar, olha o horizonte de um novo ano e, antes de mergulhar no futuro, anuncia: tenho uma boa notícia. E todos olham para ela porque é ela que se quer ouvir. A notícia é sucinta: estamos vivos.
Peço a benção, nessa passagem do ano, a Carlos Drummond de Andrade: “Recebe com simplicidade esse presente do acaso/ Mereceste viver mais um ano”.
Que seja um Ano Novo feliz. 
Rosiska Darci de Oliveira - O Globo, 31.12.2016

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Shan He Gu Ren (Montanha, Rio, Amizade)

...ou  As montanhas se separam  ou ainda  Mountains may depart.
É um filme belíssimo. O diretor tem uma mão delicada para descrever a ação do tempo em nossas vidas e como elas florescem ou fenecem enquanto por ele passamos como  as águas de um  rio - a imagem é recorrente no filme. Tudo vai depender das nossas escolhas, da pressão social, de nossas companhias, nossos  valores, do inesperado, tantos vetores nesse campo de forças... Lembra Nós que nos amávamos tanto de Ettore Scola. Chorei em ambos.

Go West (Pet Shop Boys) abre e fecha o filme. Estou lá em Fenyang (interiorzão montanhoso da China) dançando com Zhao Tao em 1999 e 2025.

domingo, 29 de janeiro de 2017

2016...2017

Entrevistado por ocasião da morte de seu pai, Francisco Zavascki, disse que em uma das últimas conversas que tiveram, o ministro Teori tinha-se  manifestado preocupado com o ano de 2017.  Ele era um homem bem informado;  relator da LavaJato no Supremo prestes a colocar na praça a delação do fim do mundo -  que espera-se -  porá a República de pernas para o ar.  Torço por isso.
Eu pensei que o pior tinha passado, pois 2016, no plano nacional foi  ruim de doer, fato que todos admitem.  2017 já disse a que veio - atentado do EI na Turquia, motins e muita degola nos presídios nacionais, o acidente aéreo com a  morte do relator da LavaJato no STF, Donald Trump botando prá quebrar na América - sugerindo que as preocupações do ministro morto estavam corretas. E vem aí  as delações da Odebrecht. Outro ano, outro baile animado.
Curiosamente para minha vida profissional e pessoal,  2016 foi um bom ano, o melhor  dos últimos, marcados por tsunamis ora pessoais ora profissionais. Sobrevivi - sozinho -  a todos eles. A resiliência talvez seja minha única virtude. Mantenho-me sempre acima da linha d´água, invariavelmente solitário.
Tenho certeza que seria um prato cheio para psicanalistas e psicólogos. Até hoje os dispensei. Basta-me a filosofia.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Terão que me aturar.

Já dei minha pequena parcela de contribuição para as  joias da Adriana Ancelmo, a academia chique de tênis  de Miami da Claudia Cruz, as gravatas italianas do Eduardo Cunha, os ternos (aos montes...) de alfaiate do Serginho Cabral, financiei a campanha do filho do Renan Calheiros pro governo de Alagoas , paguei os carrões do Collor e, - masoquista que sou -   vou continuar contribuindo por mais um ano para  que muitos dos  honrados homens públicos e distintas senhoras que ornam a nossa corrompida Republica continuem a desfrutar das boquinhas nutridas pelas relações espúrias entre políticos e empresas públicas que vicejam nesse país.
 Posterguei  minha saída da empresa prevista para março, para o final do ano ou 2/3 meses após. Vou perder a boa grana do PIDV, mas espero sair zerado em meus compromissos com a empresa.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Da miséria humana...

A vida só se torna suportável  ao longo de nossa peregrinação por esse mundo, se cultivarmos afetos, ou tornarmo-nos devotos da beleza. Os crentes acrescentariam a fé em Deus e numa outra vida. Adoraria tê-la, mas agnóstico, minha viagem se faz sem essa companhia. 

No way out

Não sou supersticioso, não acredito em coincidências mas juro que ao ver aquela estátua do Nelson Rodrigues na pracinha Inhangá aqui perto de casa, eu comecei a rever meus conceitos.
Foi inaugurada faz pouco tempo e sua localização  se deve ao fato de ter sido ali sua primeira residência no Rio de Janeiro. Aportou por aqui aos 4 anos vindo de Pernambuco. Fico feliz, com esse ex-vizinho ilustre. Outro era o Ferreira Gullar, que morava na Duvivier e que vi  algumas vezes  desfilando sua magrelice pelas ruas do bairro. Foi-se no final do ano.
 Tomei contato com o mundo do Nelson, menino ainda, em Caxias do Sul. Meu pai - alfaiate -  mesmo não tendo ido além do ensino primário, tinha uma cabeça aberta para o mundo e assinava a Folha de Tarde, um fato incomum para o universo em que vivíamos. A Folha,  jornal vespertino da Caldas Junior, publicava as crônicas de Nelson e desde aquela época o mundo rodrigueano passou a fazer parte da minha vida. Fico pensando como um menino de 10 anos morando em uma cidade do interior gaúcho, digeria aquelas crônicas marcadas pela obsessão e morbidez.
Não conheço muito do seu teatro, mas o contato com aqueles textos fizeram-me tomar contato com os paradoxos da vida  e das pessoas. Completaram  essa visão Dostoievski, Sartre, Camus que mostraram o beco sem saída que a vida é. Dostoievski ainda sinaliza com uma luz, mas para os outros dois, é a danação e nada mais.
Uma palhinha da mão pesada do Nelson:
Encerrando uma entrevista sobre a última peça, Bonitinha mas Ordinária, Nelson Rodrigues foi instado a dar um conselho aos jovens: Sejam neuróticos!, respondeu, defendendo-se indiretamente das acusações insistentes que lhe fazem de ser ele próprio um autor neurótico. A nossa opção, repito, é entre angústia e gangrena. Ou o sujeito se angustia, ou apodrece. E se me perguntarem o que quero dizer com a minha peça, eu responderia: que só os neuróticos verão a Deus.
Leo Gilson Ribeiro, O Sol sobre o pântano in: Nelson Rodrigues, Teatro Completo, Nova Aguilar,1993.