quinta-feira, 31 de maio de 2018

Tudo a ver...


Panorama visto da ponte.

Carlos Mello define melhor do que ninguém o momento difícil que vivemos.
... e durma-se com um barulho desses!

Tem prá todo mundo...

Essa é uma - das inúmeras -  idéias tortas que povoam nosso imaginário. Veio-me a mente quando li o resultado da pesquisa DataFolha a respeito da greve dos caminhoneiros que mostra que 87% dos brasileiros aprova a greve, mas não concorda em ser penalizado com o aumento de impostos, nem com o corte de gastos federais para atender o pleito dos grevistas. Atitude semelhante àqueles que querem estabilidade no emprego e também direito a greve, opinião corrente entre os coleguinhas de trabalho.
Querem um mundo que lhe ofereça o infinito. Em que tipo de mundo essa gente pensa que está?
Ninguém lhes disse que viver é administrar a escassez; que a oferta é sempre menor que a demanda.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Olha eu aí!


Em Porto Alegre havia um cinemeiro, fã de filmes classe B, que dizia “Como é bom ver filmesruins!” Era o seu lema, e ele tinha até uma escala de diretores preferidos, numa ordem de lamentável a horroroso. Naquela época, a gente também tinha um lema, nunca declarado, mas tácito, que era “Como é bom ver filmes deprimentes”. Íamos ao cinema para sermos arrasados pela inviabilidade da condição humana e o vazio existencial da vida moderna, e voltávamos no dia seguinte para sermos arrasados de novo. No topo da nossa escala de diretores deliciosamente depressores estavam Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, que morreram quase ao mesmo tempo.
O grande paradoxo, e a grande arte, de Bergman e Antonioni era esta, a de nos maravilhar com a nossa própria desgraça. Bergman ainda fez algumas comédias, mas Antonioni só repetiu em seus filmes que nenhuma criação humana importava muito diante da indiferença do mundo natural e do silêncio das estrelas — inclusive os seus filmes. Antonioni filmando os grandes espaços mudos que separam as pessoas, a estranheza com o outro e a impotência dos sentimentos — sempre com muita elegância — e Bergman, suas parábolas sombrias sobre culpa, redenção e morte, repartiram entre si a crise de consciência da segunda metade do século XX, pós-Hiroshima e pós-Holocausto, e definiram a estética do desespero de que gostávamos tanto. Os cenários usados pelos dois — que no caso de Bergman podia ser apenas rostos humanos — eram os de um mundo desprovido, espaços tristes representando a ausência de significado, de Deus ou de solução. Bergman fugiu para a comédia, para uma extasiante evocação da infância e exaltação da vida em “Fanny e Alexander” e até para a redenção pelo calor materno, como no final de “Gritos e sussurros”, em que a atormentada protagonista encontra a paz nos vastos e nada complicados peitos de uma antiga ama. Antonioni fez menos filmes e, talvez por isso, não encontrou nenhuma solução.Não nos traiu, foi deprimente até o fim.
Uma cena arquetipal do Bergman é aquela de “O sétimo selo”, do jogo de xadrez com a morte. Woody Allen reeditou a cena medieval: na sua versão, um nova-iorquino moderno recebe a morte em casa, propõe um jogo de biriba em vez de xadrez — e ganha. Pode ser uma das cenas inaugurais do pós-modernismo, ou um mote para a redenção sem depressão. Afinal, parodiando a célebre frase dostoievskeina, só porque Deus não existe não é razão para ficar de cara feia.

L.F. Veríssimo - Depressores -O Globo, 20.05.2018

domingo, 20 de maio de 2018

Direita ou esquerda?

Dilema que balizou minha geração e que hoje perdeu muito da sua importância. De uma denominação geográfica que localizava os membros da Assembleia Nacional na Revolução Francesa - fiéis ao Rei e a religião à direita; partidários da Revolução, que falavam alto e usavam palavras chulas,  à esquerda, de acordo com relato da época -  esquerda e direita assumiram uma importância desmedida.
Quando elas vieram ao mundo, ele já tinha dado muitas voltas, de maneira que virtudes e mazelas a elas associadas como justiça, ética, solidariedade, igualdade, ganância, exploração entre outras,  existem desde que o homem se reconheceu como tal. Tem muita gente boa, entretanto, que acredita que nasceram juntas. Por essas e outras, foram  elevadas no século XX,  a tótens aos quais uns e outros se agarravam.  Esquerda e direita foram as grandes tribos da época; todos  queriam  ser de esquerda, isso parecia dar uma superioridade moral - ares a que se dão muitos esquerdistas até hoje - talvez porque a esquerda sempre se preocupou com a igualdade, a justiça. Prato feito, para um país desigual e injusto como o nosso... A direita era envergonhada, e era necessário coragem para assumir essa condição, especialmente na área de Humanas nas Universidades. 
É reducionista clivar o mundo, carimbar pessoas, a partir desses conceitos que hoje progressivamente vão se diluindo, com a mescla crescente de papéis e os apoios de cada um dos grupos. Exemplos não faltam. A indústria do petróleo é fortemente apoiada pelo Partido Republicano nos States, no Brasil é menina dos olhos da esquerda. Na assembléia da Catalunha, recém-eleita, a maioria formada pela coalização independentista é composta por partidos de esquerda moderada e radical e direita radical, todos anti-globalização. 
Afinal, o que é mesmo ser de direita ou esquerda?
A Wiki tenta classificar os principais grupos de pensamento econômico/político contemporâneo balizando-os por essas duas camisas de força cada vez mais artificiais. De esquerda seriam progressistas, sociais-liberais, ambientalistas, social-democratas, democrático-socialistas, libertários socialistas, secularistas, socialistas, comunistas e anarquistas; de direita, capitalistas, neoliberais, econômico-libertários, conservadores, reacionários, neoconservadores, anarcocapitalistas, monarquistas, teocratas (incluindo parte dos governos islâmicos), nacionalistas, fascistas  e nazistas.  Com que idéias você mais se identifica? Simpatizo com idéias  que ora me situam à esquerda, ora à direita, o que mostra a fluidez dessa classificação. Querem um exemplo? Progressista.  O que é smesmo, ser progressista?  Há exemplares para todos os gostos; boa parte deles,  não passa de vanguarda do atraso.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Uma alegria triste.

Depois do circo de horrores existencial da semana que passou, recebi ontem uma alta inesperada da minha hormonoterapia, depois do resultado favorável obtido no exame de PSA. Como já obtivera alta da radioterapia 30 dias atrás, estou liberado do tratamento do câncer de próstata. Tudo saiu melhor do que o esperado. A eficácia do tratamento,  será aferida com  exames de controle de PSA a cada 90 dias. 
Talvez tenha adiado outra vez, o ajuste de contas com essa senhora que já me espreita faz tempo. Ela quase me levou na estrada 30 anos atrás, depois foi no ar, fazem 8 anos em um vôo horroroso da Delta para Houston. Agora em terra firme, ela me distingue  com um câncer na próstata; as evidências, entretanto, indicam que foi uma visitinha rápida.
Fico feliz, mas é uma alegria triste;  os frutos amargos da semana que passou ainda deixam seu sabor pela minha alma. 

terça-feira, 15 de maio de 2018

Meu garoto, meu herói! (2)

De Paris para a Palestina... 50 anos depois. 
Pelo cenário as coisas pioraram. Já se contam 58 mortos.
























sábado, 12 de maio de 2018

Uma semana prá esquecer.

Ato I

Domingo pela manhã você é o homem mais feliz do mundo,  porque está tomando  seu desjejum - um brunch sofrível! - com a mulher que você gosta. Por ela, removeria montanhas,  daria uma voltinha no inferno!
Ela o que faz?
Inquieta, acessa o celular continuamente. Quando não o faz, dirige-lhe  furtivamente o olhar, à espera de uma nova mensagem. Ah,  se pudesse jogaria no lixo aquele celular !
...e como se não bastasse...
Em um dos poucos diálogos com alguma sequência que entabulamos ela me diz que estava começando a ficar de rolo com alguém. Talvez a pessoa com quem estava trocando mensagens naquele momento. Engoli o mundo naquela hora e tive que me superar para manter a cara lavada até o final. Se há um momento heróico ao alcance de um simples mortal, esse é um deles.
Saí de lá uma ruina.
Em três horas fui do céu para o inferno.


Ato II

Na segunda-feira, um colega - amigo dela -  conta-me que promovera no domingo um almoço pelo seu aniversário. Convidara-a  e disse-me que trouxera um colega solteiro na expectativa de que pudesse rolar alguma coisa entre os dois.  Ela disse-lhe então, que não haveria possibilidade; agora  estava comprometida.
Se já saíra arruinado no domingo, ouvir essa historinha do colega na segunda, foi a pá de cal no buraco existencial em que havia me metido. Eu queria essa mulher - duvido que meu colega não suspeitasse disso - mas ele buscou outra pessoa prá tentar iniciar um relacionamento com ela. Ficou claro ali, que aquele mundo me estava interditado; nem ela, nem aquela turma eram pro meu bico. Entre outras coisas, era a velhice apresentando a conta.
Um domingo, duas rejeições. É dor demais; como se te partissem os ossos! Um dia em que os sonhos rasgaram-se. Um domingo em que a ficha - e mais ainda o mundo - caiu.

Ato III

É sábado a tarde. A semana que não devia ter começado, termina. Sobrevivi  à custa de lágrimas, noites mal dormidas e ranger de dentes.

Há que recomeçar. O tempo corre em minhas mãos. Os horizontes se fecham cada vez mais.

P.S.
No domingo anterior ao domingo do desenlace, fizemos uma caminhada. Um amigo meu nos acompanhava. Um dia lindo de outono que gerou fotos belíssimas!  No retorno, paramos para um brunch - odeio brunchs! Antes que ele fosse servido,  ela editou as fotos no Instagram e saiu para o banheiro. Deixou o celular na mesa com o aplicativo aberto. Bisbilhoteiro, fui passando a sequência de imagens da caminhada até chegar ao início da edição, uma selfie com os três andarilhos, onde ela colocou um título: Parceiros.
Parceiros? Fala sério, cara pálida...com todo o passado que tivemos, comigo movendo montanhas prá ficar perto dela!
Não tivesse me deixado levar pelo auto-engano, wishful thinking - péssimos conselheiros nessas horas -  teria evitado que as portas do inferno se abrissem no domingo seguinte.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Abandono

...e mais uma vez,
o mundo me diz não.
Ao invés de pontes,
constrói muros,
ergue tapumes,
me faz sofrer outro revés.
Estrangeiro,
exilado,
descartado,
ao lixo jogado,
navego na noite escura,
só,
palmilho o árido deserto.
Cambaleante,
busco voltar ao prumo,
Hesitante,
não sei como manter o rumo.
Destino?
Quem sabe o abismo.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Meu garoto, meu herói!

Daria tudo para ser qualquer um daqueles dois garotos cuja postura desafiadora contra a muralha policial  as imagens conseguem retratar com extrema felicidade. Entretanto, 50 anos atrás - maio de 68 - estava indo para meus 18 anos, seminarista, confinado em um internato fechado em uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul. Longe, muito longe do olho do furacão. Os fatos chegavam-me pelo Correio do Povo - que já desapareceu - disponibilizado com um dia de atraso para nós. Eram Paris e as barricadas do desejo, Praga e sua primavera esmagada pelos tanques soviéticos, a batalha de Chicago nos States e havia o Brasil - aqui os problemas eram com a ditadura - e sua Marcha dos 100 mil,  aquela em que faltavam desdentados, de acordo com o olhar arguto no nosso Nelson Rodrigues. Lembro particularmente da Primavera de Praga. Torci barbaridade por ela e pelos tchecos. Em vão.
Não corri da polícia, do gás lacrimogêneo, tampouco arranquei paralepípedos ou pichei muros, pois confinado estava. Fiz o que pude, li muito a respeito. Fui um revolucionário de papel. 
A passagem do tempo tirou um pouco a importância dos eventos daquele ano. Foi, basicamente, uma revolução dos costumes. Alguém já disse que tudo o que os universitários de Nanterre e da Sorbonne queriam mesmo,  era dormir com as moças nos alojamentos da Universidade. O resto... alegoria e adereço. E conseguiram... Aí, a  dita revolução se completou. No mais...
Mitchell Abidor revela as contradições da jornada parisiense em What the Non-Revolution of May '68 taught us no NYT deste domingo. Foram vários eventos, com personagens e interesses muito diferentes. Para ele, marcou o final da concepção idealizada, não sei  se romântica, de revolução.
Alguém escreveu faz tempo que 68 foi um ano que não terminou. Concordo com o Clóvis Rossi que escreveu na Folha em 03.05:
- Terminou sim e terminou mal.
Basta ver quem comanda as instituições no Brasil hoje. Muitos tinham a idade desses garotos à época. Foram miseravelmente engolidos pelo sistema - sim, ele existe, acreditem! Naquele tempo, pelo menos havia esperança. Hoje, até essa nos falta.
Um dos muitos slogans de 68 define bem o momento que vivemos:
- Parem o mundo eu quero descer.

Frente e verso

The New York Times 

Getty Images

domingo, 6 de maio de 2018

Amor... o sentido para a vida?


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Talvez esteja mesmo na hora de reinventar a vida e, inventando qualquer outra coisa parecida, de criar a possibilidade de uma redenção da permanente tragédia humana.
Nunca é tarde para compreendermos que tudo o que fazemos no mundo, mesmo que não desconfiemos disso, é feito para sermos benquistos pelo outro. 
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Pode ser que sejamos uns tolos, tentando sacar do querer bem ao outro o sentido da vida. Talvez a vida não tenha mesmo sentido algum; mas procurá-lo é o único sentido que a vida pode ter.

Querer bem ao outro é uma proposta de solidariedade, de encontro entre pessoas que sentem prazer em estar juntas, sem saber direito porque, num momento que não se repete. Segundo Scott Fitzgerald, o grande romancista americano do século XX, “existem todas as espécies de amor neste mundo, mas nunca o mesmo amor duas vezes”.

No afã soberbo de controlar tudo, inventamos coisas que não existem para contrapô-las como ciência à realidade concreta, para nos impormos à natureza imprevisível, sujeita ao caos e ao acaso. Inventamos, por exemplo, a linha reta e o zero, em um mundo em que ambos não existem, onde só existem curvas e nada está vazio. Travestis de Deus, só admitimos a perfeição de um lado e o opróbrio do outro. Por isso inventamos o amor, para tentarmos apagar essa distância entre nós e o outro.o que o homem inventou de melhor, nesses poucos séculos de sua existência na Terra: a misteriosa e inusitada força nuclear que nunca sabemos de onde vem, tomando nosso corpo, com estupendas colisões de partículas que nos fazem experimentar finalmente a razão de viver. Aquilo a que podemos chamar de amor.

Foi isso o que o homem inventou de melhor, nesses poucos séculos de sua existência na Terra: a misteriosa e inusitada força nuclear que nunca sabemos de onde vem, tomando nosso corpo, com estupendas colisões de partículas que nos fazem experimentar finalmente a razão de viver. Aquilo a que podemos chamar de amor.

O amor de verdade é sereno e discreto, como tudo o que dá certo. Um permanente aprendizado de vida, como um barco e suas circunstâncias a atravessar o agitado rio do mundo. Ele aponta sempre para a solidariedade, um veículo em que só se pode viajar acompanhado. O amor não é o fim da estrada, mas a estrada sem fim que os amantes devem trilhar juntos, a suportar a prática diária de um mundo que não é o ideal.

Quando se ama e vai mal, qualquer brisa é temporal. Mas não deixaremos que o amor padeça de tédio, vamos reinventá-lo sempre, abastecendo-o como abastecemos o carro que nos vai levar por um longo, porém aprazível caminho que vale a pena percorrer. Amar é suportar o outro como ele é, nesse rumo de tantas dores e prazeres. Parece que a Biblia não foi lá muito bem entendida e portanto traduzida. Na verdade, o que Jesus Cristo quis dizer não foi “amai-vos uns aos outros”, mas sim “suportai-vos uns aos outros”, o que é bem mais natural. Ou sagrado, tanto faz.

Suportar significa também dar apoio, juntar-se um ao outro, transformando os dois numa só explosão de um só e invencível ser. Para isso, é preciso trabalhar a cada instante, para que o amor seja realmente “eterno enquanto dure”, como decretou Vinicius de Moraes. Ou, ainda melhor, que o amor dure eternamente, como deve ser a vocação do barco dentro do qual, juntos, os amantes vão atravessar o oceano de suas vidas, sem fazer do mundo lá fora o inimigo a combater.

Embora ele às vezes nos seja ingrato, o mundo não pode ser nunca o inimigo a combater. Sobretudo quando amamos e portanto não temos medo de viver. É essa a força do amor — quando ele se instala, não temos mais medo de viver. Não temos mais medo de nada, hoje e sempre. Quase nada.

Cacá Diegues - O Globo - 29.04.2018