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Talvez esteja mesmo na hora de reinventar a vida e,
inventando qualquer outra coisa parecida, de criar a possibilidade de uma
redenção da permanente tragédia humana.
Nunca é tarde para compreendermos que tudo o que fazemos no
mundo, mesmo que não desconfiemos disso, é feito para sermos benquistos pelo
outro.
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Pode ser que sejamos uns tolos, tentando sacar do querer bem
ao outro o sentido da vida. Talvez a vida não tenha mesmo sentido algum; mas
procurá-lo é o único sentido que a vida pode ter.
Querer bem ao outro é uma proposta de solidariedade, de
encontro entre pessoas que sentem prazer em estar juntas, sem saber direito
porque, num momento que não se repete. Segundo Scott Fitzgerald, o grande
romancista americano do século XX, “existem todas as espécies de amor neste
mundo, mas nunca o mesmo amor duas vezes”.
No afã soberbo de controlar tudo, inventamos coisas que não
existem para contrapô-las como ciência à realidade concreta, para nos impormos
à natureza imprevisível, sujeita ao caos e ao acaso. Inventamos, por exemplo, a
linha reta e o zero, em um mundo em que ambos não existem, onde só existem
curvas e nada está vazio. Travestis de Deus, só admitimos a perfeição de um
lado e o opróbrio do outro. Por isso inventamos o amor, para tentarmos apagar
essa distância entre nós e o outro.o que o homem inventou de melhor, nesses poucos
séculos de sua existência na Terra: a misteriosa e inusitada força nuclear que
nunca sabemos de onde vem, tomando nosso corpo, com estupendas colisões de
partículas que nos fazem experimentar finalmente a razão de viver. Aquilo a que
podemos chamar de amor.
Foi isso o que o homem inventou de melhor, nesses poucos séculos de
sua existência na Terra: a misteriosa e inusitada força nuclear que nunca
sabemos de onde vem, tomando nosso corpo, com estupendas colisões de partículas
que nos fazem experimentar finalmente a razão de viver. Aquilo a que podemos
chamar de amor.
O amor de verdade é sereno e discreto, como tudo o que dá
certo. Um permanente aprendizado de vida, como um barco e suas circunstâncias a
atravessar o agitado rio do mundo. Ele aponta sempre para a solidariedade, um
veículo em que só se pode viajar acompanhado. O amor não é o fim da estrada,
mas a estrada sem fim que os amantes devem trilhar juntos, a suportar a prática
diária de um mundo que não é o ideal.
Quando se ama e vai mal, qualquer brisa é temporal. Mas não
deixaremos que o amor padeça de tédio, vamos reinventá-lo sempre, abastecendo-o
como abastecemos o carro que nos vai levar por um longo, porém aprazível
caminho que vale a pena percorrer. Amar é suportar o outro como ele é, nesse
rumo de tantas dores e prazeres. Parece que a Biblia não foi lá muito bem
entendida e portanto traduzida. Na verdade, o que Jesus Cristo quis dizer não
foi “amai-vos uns aos outros”, mas sim “suportai-vos uns aos outros”, o que é
bem mais natural. Ou sagrado, tanto faz.
Suportar significa também dar apoio, juntar-se um ao outro,
transformando os dois numa só explosão de um só e invencível ser. Para isso, é
preciso trabalhar a cada instante, para que o amor seja realmente “eterno
enquanto dure”, como decretou Vinicius de Moraes. Ou, ainda melhor, que o amor
dure eternamente, como deve ser a vocação do barco dentro do qual, juntos, os
amantes vão atravessar o oceano de suas vidas, sem fazer do mundo lá fora o
inimigo a combater.
Embora ele às vezes nos seja ingrato, o mundo não pode ser
nunca o inimigo a combater. Sobretudo quando amamos e portanto não temos medo
de viver. É essa a força do amor — quando ele se instala, não temos mais medo
de viver. Não temos mais medo de nada, hoje e sempre. Quase nada.
Cacá Diegues - O Globo - 29.04.2018
Cacá Diegues - O Globo - 29.04.2018
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