terça-feira, 30 de junho de 2015

Da esperança para a melancolia.

Dois contemporâneos meus, lambendo as feridas sobre o que poderíamos ter construido mas, infelizmente, não conseguimos. Da esperança desaguamos na melancolia. Como geração, fracassamos em mudar esse país.
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Hoje, não gostamos mais do Brasil e muito menos de pensar sobre o Brasil. As discussões políticas se tornaram pobres debates entre pobres partidos tão semelhantes, incapazes de inventar um caminho para o país, numa guinada geral rumo às trevas. Enquanto isso, o Brasil passa diante de nós sem ser visto, entre a perplexidade da população e o avião para Miami.
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Ele veio trazer o fogo - Cacá Diegues, O Globo, 28.06.2015
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Olho para esse tempo com melancolia. Ao chegar ao Brasil, os tempos do exílio não pesavam tanto. O futuro era tão interessante, o processo de redemocratização tão promissor que compensavam o passado recente. Agora, não. O futuro é mais sombrio porque a tentativa de mudança foi uma fraude, a própria palavra mudança tornou-se suspeita: poucos creem que o sistema político possa realizar os anseios sociais.
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A realidade surpreendeu todas as previsões da volta ao exílio, tornou-se uma espécie de pesadelo.
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Reflexões sobre o volume morto - Fernando Gabeira, O Globo, 28.06.2015

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Inquietações II

Apesar do tema da crônica ser o  fundamentalismo, pincei o trecho abaixo que se encaixa naquilo que escrevi dias atrás em Inquietações. Depois de lê-lo,  acrescentaria ao desastre ambiental, o fundamentalismo como outra evidência  no século XXI da inviabilidade do projeto ser humano.
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Não quero bater numa nota só nessas crônicas, mas digo que os fundamentalismos, uma das faces do Mal na nossa civilização planetarizada, são consanguíneos das sociedades pós-modernas.
Não é implicância. Olhemos bem. Nas origens do Ocidente, lá pelo século I d.C., a fonte grega do Ser, da razão e da filosofia se cruzou inesperadamente com as águas judaicas de Deus, da fé e da religião. E a cultura cristã resultante fundou um novo mundo sobre a pedra fundamental de razão e fé: não podíamos tocar a carne verdadeira do mundo sem recorrermos às mediações da razão e, em simultâneo, às imediatas intuições da fé. Em torno delas gravitaram filósofos e teólogos, filósofos e cientistas, fundaram-se as universidades, levantaram-se as catedrais, inventou-se a separação entre o espaço público da razão e a esfera privada da fé. Com lupa de detetive histórico podem-se rastrear os sucessivos rolamentos dessa pedra fundamental, e por eles contar a nossa história. Até o século XIX, quando a ciência, sozinha, tomou o trono da verdade. E a fé bateu nas cordas do ringue.
E aí passou-se o inimaginável: a ciência, soberana recente, encantou-se, no século XX, com a hipereficácia das novas tecnologias de ponta do conhecimento e da informação e fez seu salto mortal: piruetou no ar, caiu de pé no campo tecnológico, e, para dar conta dessa proeza, jogou fora o lastro da verdade. Essa, com a sua natureza absoluta, não combinava com o pragmatismo dos sistemas tecnológicos, aos quais só interessam resultados. A verdade girou no ar, carregando consigo a pergunta pelos fundamentos da vida e do mundo, e caiu nas mãos dos que nunca se interessaram pela razão e suas mediações ponderadas. Essas são as mãos dos fundamentalistas religiosos. Desde aqueles que explodem crianças até os que ocupam horas de televisão com a banalidade dos milagres pagos adiantado. 
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Marcio Tavares D'Amaral - Fundamentalismos - O Globo, 20.06.2015

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Assim caminha a humanidade

A predação, a guerra e a tirania sempre foram vantagem reprodutiva para seus executores, dando-lhes maior acesso ao sexo, que é nossa mais primitiva e poderosa motivação na vida.
Os predadores, os ladrões, os corruptos visam a riqueza fácil, e ostentar riqueza equivale, na seleção sexual, às penas do pavão: atrai muitas pavoas. A guerra é a maior facilitadora do estupro coletivo, e o estupro é uma das estratégias reprodutivas de nossa espécie, infelizmente. Além disso, a guerra aumenta o poder de quem vence, e ter poder, já dizia Henry Kissinger, é o maior afrodisíaco que existe.
O mesmo pode ser dito da tirania --o poder absoluto não só é atraente como corrompe absolutamente, um somatório de vantagens reprodutivas. Ao ponto de Tirano, na origem, ser um título de governante, e não um xingamento, que essa coisa de democracia é muito recente na história de nossa espécie (só 2.400 anos).
Destarte, motivação para o mal é o que não nos falta. 

Francisco Daudt -  Predação, Guerra e Tirania - Folha, 24.06.2015

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Jorge Alberto

Meu companheiro de vôo Transbrasil naquele distante 23 de janeiro de 1978. Saimos de Porto Alegre para Aracaju. Apresentaríamo-nos no dia seguinte para ingressar na Petrobras.
Éramos colegas de turma, formandos em Geologia pela UFRGS no final do ano anterior. Na escola éramos de grupos diferentes e minha proximidade era pequena, mas na empresa nos aproximamos pois trabalhamos na mesma gerência por 36 anos.
Hoje ele se aposenta. Ligou prá mim pela manhã. Relembramos fatos desse longo período. Estou um pouco transtornado hoje.
Tem uma qualidade rara nos dias atuais. É um homem bom. Pessoa  simples, não buscava o poder e a glória. Preocupado com a família, os filhos.  Fazia o bem para o próximo, ligado que é, fortemente ao espiritismo.
Aprendi a estimá-lo e respeitá-lo ao longo dos anos. Com ele vai-se um pouco de mim nessa empresa que passa certamente pelo pior momento da sua vida. Mais e mais sinto que minha hora não tarda. Há muitos livros para ler, filmes para ver, orquídeas para cuidar  e caminhadas por fazer. O tempo encurta. Na empresa, sou apenas mais um, perfeitamente substituível.
E prá você meu caro Jorge Alberto, vá viver a sua vidinha tranquila, fazendo o que gosta, com quem gosta. Far away desse mundinho hipócrita e selvagem que temos que enfrentar diariamente - e pior! -  com a cara lavada. 

...de como funciona o país

Nas minhas longas caminhadas nos períodos que passo na casa da minha mãe é comum encontrar cachorros  ao longo do caminho; houve os que me atacaram; outros  me seguiram, um deles  por um longo trecho,  um outro  não me abandonou mais. Seguiu-me por 15 kms. Levei-o prá casa mas minha mãe, que nunca gostou de animais em casa,  vetou sua presença por lá e tive que devolvê-lo à rua num dos  episódios mais  doloridos que viví recentemente.Na minha última passagem por lá fui mordido por um deles.Como era um cão que podia ou não ser de rua, a vacina anti-rábica era uma medida preventiva necessária. 
Aí o Brasil real se manifesta. Minha mãe mora em uma cidade de porte médio no interior do RS. Era sábado. Procuramos o Posto de Saúde. Estava fechado. Fomos à UPA. Não tinham a vacina. 
E agora...esperar até segunda-feira? Não teria como aplicá-la pois viajaria cedo para São Paulo para uma reunião de trabalho que me tomaria o dia todo.
Aparece, então, a solução tupiniquim. Uma das cuidadoras da minha mãe é auxiliar de enfermagem e trabalha em um hospital de uma cidade próxima. Ligamos prá ela que pediu-nos para ir até lá. Fui atendido rapidamente por um médico experiente no SUS que - o Posto Médico da cidade também estava fechado- valeu-se do conhecimento que tinha da Secretária de Saúde do município para solicitar uma dose da vacina. Ela, em pessoa,  veio trazê-la.Tivesse eu seguido os caminhos formais, teria que suportar a angústia de esperar 3 dias para ser vacinado. Foi fazendo uso da informalidade que  conseguí a vacina naquele mesmo dia. O Estado que vive com os nossos impostos, teria sido omisso não fosse uma cidade pequena com a peculiaridade de todos se conhecerem. Cães não folgam aos sábados e domingos.
Elogios para o tratamento no SUS que  foi ótimo e para a atitude do Secretária. Entretanto, se houvesse um esquema de emergência montado para situações como essa, seria necessário seu deslocamento num sábado ao meio-dia para uma unidade de saúde do município para suprir uma necessidade tão comezinha?


domingo, 14 de junho de 2015

Inquietações

O Homem é um projeto que não deu certo, lí  na coluna do Juca Kfouri (Folha,06.06.2015). Estranho ler isso em uma espaço dedicado ao futebol mas totalmente apropriada para o atual estado de coisas vivido por esse esporte. É uma frase devastadora para os otimistas de plantão. Remete a outra, escrita, acho que por Sartre ,  de que o homem é uma paixão perdida. No inquietante estado de coisas atual, eu me inclinaria a concordar mas ainda tenho alguma esperança, sei lá, talvez, devido à minha marcante formação cristã e àquela fome de transcendência que não me abandona jamais. Sou agnóstico, não ateu que considero pretensão.  Somos, entretanto,  muito precários para ficarmos entregues a nós mesmos. O pensamento ocidental proclamou a morte de Deus, da metafísica e da transcendência e decretou a falência do Homem como senhor de si. Entregues a nós mesmos, não conseguimos dar conta do recado. As derrotas que o ser humano tem se auto-infringido são cada vez mais constantes e constrangedoras. No século XX os totalitarismos, as duas guerras mundiais, os genocídios. Nesse século, convivemos com a devastação do planeta, causa e consequência das mudanças climáticas, que paira como uma sombra sobre o admirável mundo novo prometido pela ciência e a tecnologia. 
Prosseguimos avançando na ciência e na técnica, pagando o preço dos efeitos colaterais,  mas como seres humanos a impressão que tenho é de regressão. A época é confusa, de transição. As grandes narrativas esvairam-se. Profetas pululam em cada esquina como cogumelos após a chuva. Basta ser carismático para se estabelecer. É o primado da emoção sobre a razão. Lí por aí que a época tem muitas semelhanças com o período anterior à Primeira Guerra mundial do século passado.
Estaríamos a beira de outra? Não parece. Entretanto apenas algo de grandioso poderá nos resgatar desse  oceano de ambição, cinismo, desfaçatez e hipocrisia que banha nossas vidas.
Para confundir , Nelson Rodrigues: Muitas vezes é a falta de caráter que define uma partida. Não se faz literatura, política, futebol com bons sentimentos...
E aí?

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Tecnologia de ponta

Reclamamos de que estamos um degrau abaixo dos países da ponta em alta tecnologia. De fato, nosso estágio de conhecimento  nos coloca entre os  países produtores de manufaturados. Há, entretanto, algumas ilhas de excelência: Embraer, Embrapa, algumas outras.... e o quê mais? Corrupção.  Sim temos know-how e alta tecnologia prá dar e vender no assunto.
O mar de lama em que a FIFA navega e que mereceu a intervenção do governo americano através do FBI tem origem na presidência do sr. João Havelange que transplantou prá lá os métodos empregados por muitos anos na presidência da CBF. Sepp Blatter é sua criatura.
Para a alegria dos nossos nacionalistas e patriotas de plantão, a Suiça, a Europa, o mundo, mais uma vez,  se curvam frente ao Brasil.Por essas e outras me ufano desse país.