quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

As crianças de Aleppo desejam-te um Feliz 2017!


E você...O que faria?

Ontem, provavelmente, estaria entre a turba que queria linchar a dupla que massacrou o vendedor ambulante na noite de Natal  na estação de metrô D. Pedro II em São Paulo. Na noite do crime, caso estivesse presenciando o fato, provavelmente, ficaria assistindo a agressão passivamente como fizeram todos aqueles que estavam por lá. O herói do episódio é o vendedor ambulante, que tentou salvar um morador de rua - não sei se  gay, bissexual, travesti, transexual, transgênero, enfim... -  da agressão dos celerados e pagou caro por isso. Deu sua vida. 
PS - Não faltarão cínicos para dizer que mais vale um covarde vivo do que um herói morto.

sábado, 24 de dezembro de 2016

Questões éticas perturbam-te emocionalmente? Então és um sujeito confiável.

A pesquisa comentada no artigo abaixo confirma o que venho observando com as pessoas que convivo, especialmente com as mais novas, das gerações Y e Z. Deficientes eticamente - a culpa maior é dos progenitores - são verdadeiras caixas de Pandora em matéria de comportamento ético. Delas tudo pode se esperar: ternura, afeto, compaixão mescladas à pura cafajestice e falta de caráter com uma naturalidade assustadora. De tanto ouvirem dos pais e educadores  para não se culpar e/ou pelo fato de não terem sido apresentados aos princípios de ética básicos sobre os quais se funda qualquer sociedade, quando em situações-limite  não hesitam em optar pelo que lhes traga os maiores benefícios no mais breve espaço de tempo. Agem guiados pela natureza. Não sentem aquilo que os cristãos conhecem como aguilhão da carne - a pesquisa me fez lembrar dele - mencionado inicialmente por S. Paulo no Novo Testamento (2 Cor. 12, 7-10), e depois por Sto. Agostinho, um craque no assunto. Os mudernos, na sua solerte ignorância o desqualificam  como complexo de culpa.

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A história é conhecida: mesmo os maiores salafrários começaram pequeno. Um virar dos olhos para o outro lado aqui, um subornozinho ali, e logo estão tramando altos esquemas de desvio de verbas e corrupção. Por que pequenas desonestidades geram desonestidades cada vez maiores, numa bola de neve que só faz crescer?
Atos desonestos são inicialmente tão moralmente e emocionalmente perturbadores para o perpetrador quanto para quem ouve a respeito. A sensação de apreensão e angústia com a perspectiva de ser desonesto age como um freio importantíssimo: estudantes que tomam substâncias que reduzem a sensação de estresse tem o dobro de probabilidade de colar em provas, por exemplo.
O problema é que a desonestidade bem-sucedida se perpetua não só ao ser recompensada mas também ao encontrar cada vez menos objeção do próprio cérebro. Este é apenas mais um exemplo de como o cérebro se modifica com seus próprios atos e fica cada vez melhor no que faz. Isso é o que mostra um estudo da University College London, no Reino Unido, que examinou a atividade na amígdala cerebral, estrutura envolvida na geração de respostas emocionais, como angústia e medo, a situações variadas.
 Os pesquisadores avaliaram a ativação da amígdala enquanto voluntários em uma máquina de ressonância magnética funcional viam a imagem de um pote de moedas e orientavam um "parceiro" fora da máquina sobre quanto dinheiro haveria ali; voluntário e parceiro receberiam um prêmio dependendo de suas estimativas. A equipe constatou desonestidade crescente dentro da máquina –mas só quando os voluntários acreditavam que enganar o parceiro seria vantajoso para si mesmos.
O mais importante é que não só os pesquisadores observaram uma habituação da amígdala cerebral a cada ato desonesto interesseiro, como essa habituação –conforme a amígdala se "acostumava" com a desonestidade– predizia corretamente uma desonestidade interesseira ainda maior da próxima vez.
É como se a amígdala, impune, fosse perdendo a vergonha a cada ato desonesto em prol de si mesma. A habituação explica a desonestidade crescente, mas claro que não a justifica. A lição mais importante é como é fundamental cortar o mal pela raiz.
Eu cresci pensando que o "jeitinho brasileiro" era uma demonstração bacana de como somos flexíveis, compreensivos e tolerantes no Brasil. Agora sei que é apenas mais um triste sinal do desrespeito pelas regras que impera no país, combinado à certeza da impunidade, e que só faz gerar mais desonestidade. Abaixo o jeitinho brasileiro.

Suzana Herculano-Houzel - Cérebro se acostuma a atos desonestos, Folha, 20.12.2016

domingo, 18 de dezembro de 2016

O Brasil é isso aí

De uma carta de um leitor para a Folha de hoje:
No Brasil não há tapete sem sujeira embaixo.

Lembrei de ter lido a poucos dias um artigo escrito por alguém - não lembro o nome - mais eminente,  em um desses jornalões  da grande imprensa onde comparava a situação de se viver no Brasil atual com a daquele sujeito que ao entrar em uma sala logo procura  a parede para se proteger pelo menos pelas costas pois nada, nem ninguém é confiável.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

A decadência carioca.

Está na matéria de O Globo de ontem:  Os novos donos da Rocinha. Referia-se à facção que representa a  quadrilha paulista do Marcola na favela.
 Afora as múltiplas  falências que acometem o estado, em que a  econômica é a que merece maior destaque, chegou a hora e a vez da  bandidagem carioca  entregar os pontos para a turma de São Paulo. A decadência por aqui é democrática, permeia todos os níveis: do Palácio de Governo à favela.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Será que é prá tudo isso?

Segundo Camus (1913-1960), um fio de cabelo de uma mulher vale mais do que a metafísica.
(Luis Filipe Pondé, Folha, 13.12.2016)

Um só cabelo delas mais valioso que a metafísica? Pela  amostragem coletada na minha atribulada existência, a seleção caberia nos dedos da mão. A bem da verdade, os homens não ficam devendo a elas no quesito. Esse estranho ramo  da evolução que desaguou no que classificamos como  natureza humana, definitivamente não é flor que se cheire. O genocídio cometido na Síria fala por sí.

Y el Comandante se fué




Cuba e sua Revolução fizeram minha cabeça pelo menos até os 40 anos. Nesse poço de contrastes e injustiças que sempre foi a América Latina, salvo as  exceções de praxe, a Revolução proclamava que trouxera saúde e educação de qualidade para todos. Havia o problema da liberdade de expressão e o fracasso econômico, mas naquele tempo entre pão e liberdade, ficava com o primeiro, como todo fiel de esquerda. Mandei até fazer um quadro daquele poster famoso do Che que hoje estampa muita camisa dos millenials e da geração Z, certamente um ilustre desconhecido para a maioria deles. Curiosamente nunca o coloquei na parede. Com o passar dos anos, passa-se a levar em consideração também as pedras brancas do tabuleiro não de xadrez mas da vida e todo aquele entusiasmo pelo socialismo foi esmorecendo. A visita a ilha certamente foi um catalizador.
Visitei-a na década passada ansioso por conhecer as delícias do paraíso socialista. Foi uma das melhores viagens que fiz. O cubano é um tipo sociável,  fato que associado ao meu conhecimento da língua permitiu um contato intenso com os nativos.  As queixas eram muitas; lembro de um um velho cubano que sentado no meio-fio de uma calçada de Habana Vieja  dizia-me que nos tempos de Fulgêncio  pelo menos o açúcar não faltava.  Impressionou-me a indignação de uma mãe cubana negra, com o alarmante crescimento da prostituição. No quesito, voltava-se aos tempos de Batista.
O regime é disfuncional. No país coexistem duas populações  com moeda e padrões de consumo tão dispares que segregam-se naturalmente;  turistas e nativos. Seria impossível estes viverem no mundo daqueles. O salário de um cubano seria gasto em uma noite na Bodeguita del Medio, por exemplo. Obviamente, os nativos lançam  mão de todos os expedientes para conseguir a moeda que circula no mundo dos turistas - um peso especial. Uma das consequências é a prostituição disseminada. Um programa com um turista rende para uma chica cubana uma quantia equivalente a pelo menos o valor do salário mensal de um nativo.  Constantemente era abordado com a oferta: Ron, chicas  y puros. A disfuncionalidade ficava muito clara nas filas para comprar sorvete na Heladeria Copelia, tido como o melhor da ilha. Se você optasse pela fila dos turistas - bem menor -  pagaria com o peso especial,  muito mais caro. Caso optasse pela  fila dos nativos - fazia a volta na praça - pagaria um preço acessível aos bolsos cubanos na moeda oficial da ilha.
Outra disfunção gritante constatei em uma  excursão por Sierra Maestra. No caminho, observamos um trabalhador pouco entusiasmado com o que fazia, limpando com uma foice  a grama praticamente aparada, frente ao acesso de um parque nacional. Perguntei ao condutor da van, a razão daquela atividade praticamente inútil. Ele me informou então que para manter o pleno emprego o governo arrumava ocupação para todos. 
A ilha resume bem o paraíso socialista. Saúde e educação para todos, pleno emprego, o que definitivamente não é pouco quando observa-se as gritantes disparidades existentes entre pobres e ricos nos países latino-americanos, mas ao preço da castração das liberdades, de uma baixa eficiência na economia que frequentemente leva a racionamento de víveres. As democracias liberais e o sistema capitalista a elas associado tem efeitos colaterais danosos, entretanto, bem mais suportáveis que aqueles do socialismo.