segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Y el Comandante se fué




Cuba e sua Revolução fizeram minha cabeça pelo menos até os 40 anos. Nesse poço de contrastes e injustiças que sempre foi a América Latina, salvo as  exceções de praxe, a Revolução proclamava que trouxera saúde e educação de qualidade para todos. Havia o problema da liberdade de expressão e o fracasso econômico, mas naquele tempo entre pão e liberdade, ficava com o primeiro, como todo fiel de esquerda. Mandei até fazer um quadro daquele poster famoso do Che que hoje estampa muita camisa dos millenials e da geração Z, certamente um ilustre desconhecido para a maioria deles. Curiosamente nunca o coloquei na parede. Com o passar dos anos, passa-se a levar em consideração também as pedras brancas do tabuleiro não de xadrez mas da vida e todo aquele entusiasmo pelo socialismo foi esmorecendo. A visita a ilha certamente foi um catalizador.
Visitei-a na década passada ansioso por conhecer as delícias do paraíso socialista. Foi uma das melhores viagens que fiz. O cubano é um tipo sociável,  fato que associado ao meu conhecimento da língua permitiu um contato intenso com os nativos.  As queixas eram muitas; lembro de um um velho cubano que sentado no meio-fio de uma calçada de Habana Vieja  dizia-me que nos tempos de Fulgêncio  pelo menos o açúcar não faltava.  Impressionou-me a indignação de uma mãe cubana negra, com o alarmante crescimento da prostituição. No quesito, voltava-se aos tempos de Batista.
O regime é disfuncional. No país coexistem duas populações  com moeda e padrões de consumo tão dispares que segregam-se naturalmente;  turistas e nativos. Seria impossível estes viverem no mundo daqueles. O salário de um cubano seria gasto em uma noite na Bodeguita del Medio, por exemplo. Obviamente, os nativos lançam  mão de todos os expedientes para conseguir a moeda que circula no mundo dos turistas - um peso especial. Uma das consequências é a prostituição disseminada. Um programa com um turista rende para uma chica cubana uma quantia equivalente a pelo menos o valor do salário mensal de um nativo.  Constantemente era abordado com a oferta: Ron, chicas  y puros. A disfuncionalidade ficava muito clara nas filas para comprar sorvete na Heladeria Copelia, tido como o melhor da ilha. Se você optasse pela fila dos turistas - bem menor -  pagaria com o peso especial,  muito mais caro. Caso optasse pela  fila dos nativos - fazia a volta na praça - pagaria um preço acessível aos bolsos cubanos na moeda oficial da ilha.
Outra disfunção gritante constatei em uma  excursão por Sierra Maestra. No caminho, observamos um trabalhador pouco entusiasmado com o que fazia, limpando com uma foice  a grama praticamente aparada, frente ao acesso de um parque nacional. Perguntei ao condutor da van, a razão daquela atividade praticamente inútil. Ele me informou então que para manter o pleno emprego o governo arrumava ocupação para todos. 
A ilha resume bem o paraíso socialista. Saúde e educação para todos, pleno emprego, o que definitivamente não é pouco quando observa-se as gritantes disparidades existentes entre pobres e ricos nos países latino-americanos, mas ao preço da castração das liberdades, de uma baixa eficiência na economia que frequentemente leva a racionamento de víveres. As democracias liberais e o sistema capitalista a elas associado tem efeitos colaterais danosos, entretanto, bem mais suportáveis que aqueles do socialismo.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário