domingo, 31 de julho de 2016

Foi fazer gracinha ... e se deu mal.

Eduardo Paes, nosso alcaide, saiu-se  com essa após as reclamações da delegação australiana a respeito dos inúmeros problemas de gás, encanamento e eletricidade encontrados no prédio a eles destinado na Vila Olímpica: 
 Esta vila é melhor que a [da Olimpíada] de Sydney [em 2000]. É natural que haja ajustes a fazer. Estou quase botando um canguru na frente do prédio deles [Austrália] para ficar pulando e eles se sentirem em casa.
Levou o troco:
 Não precisamos de cangurus, precisamos de encanadores para dar conta dos vários lagos que encontramos nos apartamentos Mike Tancred (diretor de comunicação do comitê olímpico australiano) 
Nas duas frases muito  do imaginário  brasileiro - ou carioca? -   e  australiano.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Por onde enveredamos.

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Domingo, 3 de julho, esperava um voo, em Porto Seguro (BA), para voltar a Brasília, quando uma senhora aproximou-se e perguntou: “O senhor é o senador Cristovam?”. Respondi que sim, estendendo-lhe a mão que ela recusou, dizendo “Não aperto a mão de golpista.”.
Perguntei como ela sabia qual será o meu voto se, como um dos juízes do impeachment, só decidirei ao fim do processo, depois de analisar todos os argumentos favoráveis e contrários, buscando qual a decisão menos comprometedora para o futuro do Brasil: cassar outra vez o mandato de presidente por crime de responsabilidade ou manter um mandato sem credibilidade nem rumo. Aquela senhora me respondeu com toda a convicção: “Dúvida é golpe. Se o senhor ainda não decidiu, é golpista”. Ou seja, refletir, pensar, julgar são atos golpistas.
Por formas diferentes, esse comportamento vem sendo comum há anos na sectária política brasileira. Não há espaço para dúvida e reflexão; nem simpatia para ouvir ideias divergentes. O golpe chegou derrubando o pensamento. 
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Cristovam Buarque - Um golpe chegou - O Globo, 23.07.2016

domingo, 24 de julho de 2016

Coronéis de ontem e de hoje.

Tentando entender desde sempre,  esse país de difícil interpretação - definitivamente, não é para leigos - estou a ler (e-book) Brasil: uma Biografia de Lilia Moritz Schwarcz e  Heloisa Murgel Staling (Cia de Letras). É fascinante constatar como as práticas para manter o poder se perpetuam. Mudam apenas os atores.
Vejam como as autoras descrevem a maneira como o Poder Central controlava os demais entes da República; estados e municípios no começo do século XX.

O voto era entendido como moeda de troca, as relações de poder se desenvolviam a partir do município, e na ponta desse relacionamento está o fenômeno do coronelismo. Coronel era o posto mais alto na hierarquia da Guarda Nacional, a instituição do Império que ligou proprietários rurais ao governo. Com a República, a Guarda perdeu sua natureza militar, mas os coronéis conservavam o poder político nos municípios que viviam. Daí em diante, o coronelismo passou a significar um complexo sistema de negociação entre os chefes locais e os governadores dos estados, e destes com o Presidente da República. O coronel seria um dos elementos formadores da estrutura oligárquica tradicional baseada em poderes personalizados e nucleados, geralmente, nas grandes fazendas e latifúndios brasileiros.
O coronel era, assim, parte fundamental do sistema oligárquico. Ele hipotecava seu apoio ao governo estadual na forma de votos, e, em troca, o governo garantia o poder do coronel sobre seus dependentes e rivais, especialmente através da cessão dos cargos públicos, que iam do delegado de polícia à professora primária. E desse modo se estabilizava a República brasileira no início do século XX, na base de muita troca, empréstimo, favoritismos, negociações e repressão. Visto desse ângulo, e como diziam os jornais satíricos de época, o país não passava de uma grande fazenda.

Estamos além do início do século XXI e as práticas continuam inalteradas. Mudaram os coronéis. O PMDB que o diga ou então o  PT com seu aparelhamento geral e indiscriminado do estado visando perpetuar-se no poder. 

domingo, 17 de julho de 2016

Um país que não pára de surpreender.

Ontem esqueci meu celular no avião. Dei-me conta em casa tarde da noite. Apreensão total para não dizer desespero. Afinal tua vida hoje está no celular. Endereços, senhas, telefones...Nada havia a fazer de imediato a não ser comunicar a companhia aérea pois estava a 100 km  do aeroporto, visitando minha mãe. Pela manhã liguei para o escritório da companhia no aeroporto. E não é que o telefone estava lá? Confesso que não atribuiria mais do que 5% à possibilidade de resgatá-lo. Afinal, vivemos tempos bicudos.   Falo disso o tempo todo por aqui.
Inevitável, foi associar esse fato a outro ocorrido comigo em uma viagem à Europa no passado recente. Nela,  esquecí um par de óculos no trem que faz o trajeto Paris-Londres. Considerando-o perdido, contei o episódio ao colega que viajava comigo. Ele  morou na Inglaterra e aconselhou-me a ligar para a companhia responsável pela linha dizendo-me que se o tivessem encontrado ele lá estaria e me seria devolvido. Foi exatamente o que aconteceu. Dois meses depois recebia meu par de óculos no Brasil. Quando contava o episódio sempre concluia: no Brasil isso não ocorreria jamais. Pois aconteceu.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Partilha


Enlaçado por seus  encantos,
me apaixonei.
Sua perfídia cedo se revelou.
Ignorei. 
Tarde descobri que era de outro;
senhor da razão a  esqueceria,
movido pela paixão,  contra o destino apostaria;
daquele  cálice bebí  até o amargo  fim.

Dos escombros que o tempo deixou,
o vento levou sutilezas, delicadezas
até mesmo algumas torpezas.
Restaram  raros versos
que com vocês dividirei .

O destino bate a sua porta.

A respeito da Quinta, Beethoven teria dito que as primeiras notas dessa sinfonia significam o destino batendo a sua porta, (Maestro Diogo Pacheco - Grande Concerto com Diogo Pacheco - Cultura FM - 10.06.2016).
Sempre que a ouço renovo minha vontade de viver. Mais ainda, quando o concerto é em uma cidade palestina, regido por um regente de orquestra judeu, integrada - entre outros - por judeus e palestinos. A arte assim como a beleza salva.


domingo, 10 de julho de 2016

Nada é perfeito. Só o Deus dos cristãos!

Se o velho pudesse e o jovem soubesse, não haveria nada  que não se fizesse. 
(Provérbio Português)

sábado, 2 de julho de 2016

Só para lembrar...

No Iraque, 120 mil pessoas foram mortas de 2003 a 2011, no que foi chamado pela imprensa internacional de a pior guerra no mundo naquele período. No mesmo intervalo de tempo, de oito anos, 400 mil pessoas foram mortas no Brasil. Mas isso não choca porque quem tem voz ativa na sociedade não sofre com essa guerra. Ela atinge apenas os mais pobres.

Caco Barcelos na mesa de debates Os olhos da Rua realizado em 30.06.2016  na Flip Literária que se realiza em Paraty.  O Globo, 01.07.2016

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... os assaltos no Rio produzem em média 16 assassinatos diariamente...
...o Rio consagrou a instituição das balas perdidas que só em 2015 fizeram 52 mortos e 82 feridos...
Zuenir Ventura, Por falar em Violência, O Globo, 02.07.2016

A queda (II)

Já citei essa moça aqui algumas vezes, especialmente quando o Rio é o assunto pois temos opiniões muito próximas.  Sua posição em relação ao modus vivendi do carioca é corajosa para um ambiente refratário a críticas . Tinha escrito que era carioca, mas descobri que não é nativa, como yo. Publico sua coluna da Folha de ontem na íntegra pois concordo sem restrições. Há tempos que falo e escrevo muito do que está no texto abaixo.

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A vida é muito curta para morar no Rio
Mariliz Pereira Jorge

Eu era a paulista mais carioca que meus amigos conheciam. Tinha a tal alma, roupas coloridas, conta na barraca do Leandro, no Posto 12, mesa cativa no Jobi, chamava os garçons pelo nome, tomava cerveja na calçada, banho de mar à noite no verão. Estava com uma mala sempre pronta, e a poltrona 8F no avião religiosamente reservada para ver lá de cima a cidade chegando.
A vida é muito curta para não morar no Rio, diziam. Eu ria, mas voltava feliz para o meu caos organizado em São Paulo, às segundas pela manhã. Até que uma proposta de trabalho me trouxe de mala e mudança. Depois do primeiro mês, a lua de mel com a cidade acabou e eu me perguntava: como as pessoas moram aqui?
Demorou, mas não sou mais solitária nesse questionamento. Vejo amigos e conhecidos compartilhando em redes sociais uma pesquisa feita pela ONG Rio Como Vamos, que mostra que 56% da população tem vontade de ir embora da cidade. Em 2011 esse percentual era de 27%.
 O que faz os moradores quererem fazer as malas é o aumento da violência. Roubos na rua assustam mais as classes mais altas, enquanto as balas perdidas são o terror na vida da população menos favorecida. Mas os problemas do Rio vão muito além disso, e é um espanto que apenas tiro, porrada e bomba tenham acendido o alerta de que a Cidade Maravilhosa é uma farsa. Uma paisagem espetacular, recheada de problemas escandalosos.
Essa visão de que o Rio é o melhor lugar do mundo para se viver é um tanto provinciana e romântica, além de cega, de uma maioria que mora e trabalha na zona sul –e parte da zona oeste– e só de vez em quando tem o doce cotidiano chacoalhado pela violência que atravessa o túnel Rebouças. Gente que vive numa bolha, que eventualmente estoura num assalto com morte.
Vida que segue. A gente se deslumbra com a belezura da geografia e aprende a conviver com malandragem generalizada, falta de pontualidade, incompetência disfarçada de informalidade, hostilidade travestida de espontaneidade, infâncias miseráveis, pobreza, falta de tudo.
O Rio é só uma cidade decadente que vive de um glamour passado, num presente melancólico. E parte da sua população sempre foi conivente com tudo que nos fez descambar para essa triste realidade. Como fechar os olhos para uma parte gigante da cidade que apenas sobrevive?
Praias, lagoas e baía não ficaram poluídas da noite para o dia. Ainda assim, as areias estão sempre cheias, mesmo nos dias em que o mar não está nem para peixe nem para gente. O negócio é mergulhar no cocô para se refrescar, tomar uma cervejinha e tirar foto do pôr do sol. Com sorte, daqui uns anos ainda reste o pôr do sol.
Chamar favela de comunidade não muda o fato de que centenas de milhares de pessoas continuam vivendo sem saneamento, sem saúde, sem educação, reféns ora do tráfico ora da milícia. Mas é bonito subir o morro, ir ao sambinha, postar foto na "comunidade" e fazer de conta que ela está integrada. Não está. Fica bonito na letra de música, na poesia, mas é apenas gente esquecida –e tolerada– em troca de status de cartão postal.
Mas tudo bem, a gente dá uma maquiada, ergue muros nas linhas Amarela e Vermelha para que os turistas não vejam o lado mais feio, miserável e perigoso da cidade –além de evitar que balas atravessem a pista e matem os desavisados. De quebra, nós mesmo esquecemos que existe o lado mais feio, miserável e perigoso por onde só passamos a caminho do aeroporto.
O coro de "nunca pensei que diria isso, mas penso em ir embora do Rio", tomou o lugar de posts babaovistas com legenda "Rio, eu amo eu cuido", "Eu moro onde as pessoas passam as férias". Férias é somente o que uma pessoa com juízo faria aqui. Vem, passa o dia na praia, torce para não ser vítima de um arrastão, passeia pelos pontos turísticos, toma um chopp aguado, come um bolinho no Braca, vai no ensaio da escola de samba, se o tráfico não estiver em pé de guerra, pega o avião a vai embora.
Para quem mora aqui, o jeito é torcer. O que nem sempre é suficiente. Para muita gente a vida tem sido muito curta para morar no Rio. Juan, um ano e dois meses. Giselle, 34. José Josenildo, 31. Foram mortos nas últimas semanas. Bala perdida. Tentativa de assalto. Emboscada. Não há paisagem que valha a pena morrer tão cedo.
Obviamente, criminalidade, pobreza, corrupção e falta de toda a sorte de serviços básicos são problemas em maior ou menor grau em todas as capitais brasileiras, mas nenhuma se vende como Cidade Maravilhosa. E antes que algum ofendido venha me mandar embora, só tenho uma coisa a dizer: é o que eu mais quero. Eu e os 56% dos moradores do Rio.