terça-feira, 29 de outubro de 2013

In memoriam (2)



Lou Reed, 1942-2013


Mr. Reed, a disciple of Andy Warhol and of the poet Delmore Schwartz,
claimed his niche as music’s eternal New York bohemian.

http://www.nytimes.com/slideshow/2013/10/27/obituaries/20131028-REED.html?_r=0

domingo, 27 de outubro de 2013

In memoriam.



Holly came from Miami, F.L.A.
Hitch-hiked her way across the U.S.A.
Plucked her eyebrows on the way
Shaved her legs and then he was a she
She says, "Hey babe, take a walk on the wild side"
He said, "Hey honey, take a walk on the wild side"

Candy came from out on the island
In the backroom she was everybody's darlin'
But she never lost her head
Even when she was giving head
She says, "Hey babe, take a walk on the wild side"
He said, "Hey babe, take a walk on the wild side"
And the colored girls go
Doo do doo, doo do doo, doo do doo

Little Joe never once gave it away
Everybody had to pay and pay
A hustle here and a hustle there
New York City's the place where they said
"Hey babe, take a walk on the wild side"
I said, "Hey Joe, take a walk on the wild side"

Sugar plum fairy came and hit the streets
Lookin' for soul food and a place to eat
Went to the Apollo, you should've seen 'em go go go
They said, "Hey sugar, take a walk on the wild side"
I said, "Hey babe, take a walk on the wild side"
Alright, huh

Jackie is just speeding away
Thought she was James Dean for a day
Then I guess she had to crash
Valium would have helped that bash
She said, "Hey babe, take a walk on the wild side"
I said, "Hey honey, take a walk on the wild side"
And the colored girls say
Doo do doo, doo do doo, doo do doo




Kafkianas

Ontem, deram-me um chá de cadeira de quase 2 horas e meia no Pró-Cardiaco. Longe de ser uma unidade do SUS, é considerado um dos 5 melhores hospitais no Rio de Janeiro. Como precisava do diagnóstico do exame de sangue que fizera, fui obrigado a esperar. Deu pneumonia!  Explodí com a médica na hora do atendimento final. Depois penitenciei-me porque fora duro demais. Era uma moça bonita, pareceu-me dedicada, profissional. Tentou explicar a razão da demora. Havia sinceridade nela. Tinha sotaque do Sul. Seu nome -  Thais Nietsche. Quase Nietzsche. Na hora não percebi. Achei que o sobrenome era o mesmo. Quis perguntar-lhe - a irritação não deixou - se  o conhecia, se lera algo dele, e, principalmente se lera Kafka pois aquela era uma situação kafkiana. Mais uma... num país onde o absurdo é moeda corrente e onde ao invés das pessoas se indignarem com a situação, riem quando não debocham. Afinal, é preciso levar tudo numa boa, sem stress... não é mesmo?

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Rodrigueanas

O mais importante, o fundamental você tem: ama e é amada. E se quer obter um mínimo de felicidade, parta, sempre , do seguinte princípio: - o verdadeiro amor não pode ser integralmente feliz. Você sabe qual é o tremendo erro da maioria das mulheres? Ei-lo: - achar que o fato de amar implica, obrigatoriamente, a felicidade. Quem ama pensa que vai ser felicíssimo; e estranha qualquer espécie de sofrimento. Ora, a vida ensina, justamente, que duas criaturas que se amam sofrem, fatalmente. Não por culpa de um ou de outro; mas em consequência do próprio sentimento. É exato que os amores têm êxtases deslumbrantes, momentos perfeitos, musicais etc., etc. Mas eu disse momentos e não as 24 horas de cada dia. Quando uma mulher apaixonada se queixa, eu tenho vontade de fazer-lhe uma pergunta: Não lhe basta amar? Você quer, ainda, ser feliz? Pois o destino, quando concede a graça inefável do amor, subtrai uma série de outras coisas. Antes de mais nada, o sossego. Quem ama não tem sossego, perdeu-o, para sempre. A intensidade de qualquer amor é, por si mesma, trágica.

Myrna - pseudônimo com que  Nelson Rodrigues respondia a cartas das leitoras do Diário da Noite em 1949 no consultório sentimental - Myrna escreve

Nelson Rodrigues - Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo - Nova Fronteira, 2013.

Achados e Perdidos

Às vezes eu sinto a angústia de um menino
perdido numa multidão. Vivemos
hoje no Brasil um período inusitado
de estabilidade política permeada
pelas superimposições promovidas pelo casamento
entre hierarquias aristocráticas — que
em todas as sociedades, e sobretudo na escravidão,
como percebeu o seu teórico mais sensível,
Joaquim Nabuco, tem como base a amizade e a
simpatia pessoal — e o individualismo moderno
relativamente igualitário que demanda burocracia
e, com ela, uma impecável, abrangente
e inatingível impessoalidade.
O hibridismo resultante pode ser negativo ou
positivo. Pelo que capturo, o hibridismo — ou o
mulatismo ético — é sempre malvisto porque ele
não cabe no modo ocidental de pensar. Provam isso
as Cruzadas, a Inquisição, o Puritanismo, as
Guerras Mundiais, o Holocausto e a exagerada ênfase
na purificação e na eugenia — na coerência
absoluta entre gente, terra, língua e costumes, típicas
do eurocentrismo. A mistura corre do lado errado
e tende a derrapar como um carro dirigido
por jovens bêbados quando saem da balada; ou
da esquerda carismático-populista, burocrática e
patrimonialista no poder. Desconfio que continuamos
divididos entre tipos de dominação weberiana
e suas instituições. Fazer a lei e, sobretudo, preparar
a sociedade para a lei; ou simplesmente
prender? Chamar a polícia (que é, salvo as honrosas
exceções, intensamente ligada aos bandidos e
chefes do crime paradoxalmente presos) ou resolver
pela “política”? Mas como fazê-lo se os “políticos”
(com as exceções de praxe) estão interessados
no desequilíbrio porque a estabilidade impede e
dificulta a chegada ao “poder”? Poder que significa,
além da sacralização pessoal, um imoral enriquecimento
pelo povo e com o povo. Ademais, somente
uma minoria acredita na Política representada
por instituições igualitárias e niveladoras.
Para ser mais preciso ou confuso, amamos a
dominação racional-legal estilo germano-romana,
mas não deixamos de lado nosso apreço
infinito pela dominação carismática em todas
as esferas sociais, inclusive na “cultura”, como
revela esse disparate de censurar biografias. Temos
irrestrita admiração por todos os que usaram
e abusaram da liberdade individualista
nesse nosso mundinho relacional quando lhes
perdoamos e não os criticamos, o que conduz a
uma confusão trágica entre o uso da liberdade e
o seu abuso irresponsável. Esses mimados pela
vida e exaltados pelos amigos — os nossos maluquinhos
— legitimam a ambiguidade que se
consolida pelo pessoalismo do herói a ser lido
pelo lado do direito ou do avesso. Esse avesso
que, no Brasil, é confundido com a causa dos
oprimidos num esquerdismo que tem tudo a
ver com uma “ética da caridade” do catolicismo
balizador e historicamente oficial. Com isso, ficamos
sempre — como dizia aquele general-ditador
— a um passo do abismo. Andar para trás
é condescendência; para a frente, suicídio.
Como gostamos de brincar com fogo, estamos
sempre a um passo da legitimação da violência
justificada como a voz dos oprimidos que ainda
não aprenderam a se manifestar corretamente.
E como fazê-lo se jamais tivemos um ensino
efetivamente igualitário ou instrumental para o
igualitarismo numa sociedade cunhada pelo
escravismo e por uma ética de condescendência
pelos amigos e conhecidos?
Pressinto uma enorme violência no nosso sistema
de vida. Temo que ela venha a ocupar um
território ainda mais denso e seja usada para legitimar
outras violências tanto ou mais brutais
do que os “quebra-quebras” hoje redefinidos como
“manifestações”. Protestos que começam como
demandas legítimas e, infiltrados, tornam-se
“quebra-quebras”. Qual é o lado a ser tomado se
ambos são legítimos e, como é óbvio, dizem alguma
coisa como tudo o que é humano?
Estou, pois, um tanto perdido e um tanto
achado nessa encruzilhada entre demandas legais
e prestígios pessoais. Entre patrimonialismo
carismático e burocracia, os quais sustentam
o “Você sabe com quem está falando?” —
esse padrinho do “comigo é diferente”, “cada caso
é um caso”, “ele é meu amigo”, “você está errado
mas eu continuo te amando”... E por aí vai
numa sequência que o leitor pode inferir, deferir
ou embargar.
Embargar, aliás, é o verbo e a figura jurídica do
momento em que vivemos e dos sistemas que se
constroem pela lei, mas confundindo a regra com
o curso torto, podre e vaidoso da humanidade,
tem as suas cláusulas de desconstrução. Com isso,
condenamos com a mão direita e embargamos
com a esquerda; ou criamos os heróis com a
esquerda e os embargamos com a direita. Construímos
pela metade. O ponto que já foi ressaltado
por mim algumas vezes é o simples: se conseguirmos
assumir abertamente a ambiguidade há
a esperança de controlá-la. E isso pode ser uma
enorme vantagem num planeta cujo futuro é um
inevitável “abrasileiramento”.
Assim, ao sermos obrigados a calvinisticamente
condenar, como fazem os nossos brothers
americanos que todo dia atiram nos próprios
pés, podemos assumir em definitivo que
todos têm razão. Afinal de contas, o Brasil é um
vasto programa de auditório com pitadas de
missa solene e jogo de futebol.


ROBERTO DAMATTA
Roberto DaMatta é antropólogo
O Globo, 23.10.2013

domingo, 20 de outubro de 2013

Vinícius, 100 anos ontem (2)

Soneto do Só

Depois foi só. O amor era mais nada
Sentiu-se pobre e triste como Jó
Um cão veio lamber-lhe a mão na estrada
Espantado, parou. Depois foi só.

Depois veio a poesia ensimesmada
Em espelhos. Sofreu de fazer dó
Viu a face do Cristo ensanguentada
Da sua, imagem - e orou. Depois foi só.

Depois veio o verão e veio o medo
Desceu do seu castelo até o rochedo
Sobre a noite e do mar lhe veio a voz

A anunciar os anjos sanguinários...
Depois cerrou os olhos solitários
E só então foi totalmente a sós.

( Até acho que ele fez esse soneto prá mim)

Vinícius, 100 anos ontem.

Receita de Mulher

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como a República Popular Chinesa.)
Não há meio termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que tudo seja belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixa-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que alé está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas,
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente  à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37o centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abrí-los ela não estará mais presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel;e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.






sábado, 19 de outubro de 2013

Vinícius, 100 anos hoje (2)

Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais  que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Oceano Atlântico, a bordo do Higland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938

Vinícius, 100 anos hoje

Poema dos olhos da amada

Ó minha amada,
Que os olhos teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério 
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...

Ó minha amada
Que olhos os teus
Só Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.

Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

Rio, 1950



sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Interessantíssimo pelo que revela do imaginário nacional ou ... da natureza humana


No planeta do senso comum, é fascinante observar as reações diante de um pensamento diferente.
................
É nesse espírito que tenho frequentado um programa de TV aberta nas manhãs de segunda-feira, como um antropólogo no planeta do senso comum, o viés das audiências matinais. É fascinante observar as reações que causo ao apresentar um pensamento diferente. A seguir, algumas coisas que aprendi lá sobre a natureza humana.

1. A predominância maciça do pensamento "ou isto ou aquilo", a dificuldade de sair do "bandido ou mocinho". 

2. A completa absorção do "politicamente correto" como nova versão do senso comum. 

3. A dificuldade de pensar estatisticamente ("Ele generaliza tudo"). Passei a fazer um reparo antes de qualquer afirmação: "O que falarei diz respeito à maioria. Estou seguro de que você conhece famílias de 11 filhos homens, mas a maioria é próxima do meio a meio". Paixão dura uns quatro anos? Revolta na plateia. "Sou apaixonado há quarenta anos!". "Ok, então o sr. é um dos felizardos da MINORIA." Ele não percebe que a paixão se transformou em amor e companheirismo (o mais comum). 

4. Forte preconceito contra o preconceito (o politicamente correto incorporado ao senso comum). "O que causa mais medo? Um pitboy branco tatuado ou um negro de terno, com uma pasta?", perguntei. Um músico multitatuado me interpelou dizendo que, em Brasília, um homem de terno lhe meteria mais medo que um tatuado. Não notou que só trocava de preconceito. 

Nesse caso, ajudado pela apresentadora, consegui que a maioria aceitasse que há sempre uma primeira impressão e que o problema é se aferrar a ela.

5. A força da frase populista de efeito. Eu mesmo já me utilizei dela quando, numa discussão sobre a felicidade, disse que ela não era um porto a se chegar, mas um jeito de viajar. Fui aplaudido em cena aberta. Mas a minha "felicidade" durou pouco. Quando afirmei que a fé é o dom para aceitar e se entregar ao ilógico e ao absurdo, como crer que um defunto ressuscitou no terceiro dia, um ator me interpelou: "Isto não é fé, é dogma. Fé eu tenho no milagre da vida, no saber de uma pessoa que se cria e respira no líquido, no ventre de uma mulher". Foi ovacionado de pé! Confundiu o absurdo (dogma) com sua aceitação (fé).Mesmo quando disse que, como médico, não precisava de fé para entender o processo de reprodução, e saber que fetos não "respiram no líquido", e sim, que se abastecem de oxigênio através do sangue da mãe, a plateia me ouviu com indiferença, pois estavam encantados com a frase de efeito do ator. 

Mas alguém em casa deve ter me ouvido, e eu aprendi um pouco mais sobre a natureza humana, e isso me basta.

Francisco Daudt (psicanalista)

Folha, 16.10.2013

sábado, 12 de outubro de 2013

Send in the clowns


Dia da Criança


Toda essa beleza vem da Palestina e mostra que flores podem nascer no meio de escombros. Aquela que está atrás então... (foi postada por um amigo de  Facebook)
Logo, logo elas perderão a candura desses rostinhos, apresentadas que serão ao encantado reino dos adultos e a suas mazelas. Nessa parte do mundo ainda maiores porque acrescidas do ódio, combustível indispensável para manter aceso o conflito árabe-judeu..
Que Deus se compadeça delas e as faça mulheres realizadas. Como gostaria de uma foto com elas, a cada ano, para ver como a expressão luminosa desses rostinhos iria se apagando com as marcas que a vida lhes irá imprimir.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Amores - mais que - perfeitos!

















Homens de bem



Você, leitor, é pessoa honesta e cumpridora. Trabalha. Paga as contas. É decente com a mulher e os filhos. Mas quando olha em volta, o cenário é selvagem. Os colegas usam e abusam da dissimulação e da mentira. Sem falar da corrupção de superiores hierárquicos ou de políticos nacionais, esse câncer que permite a muitos deles terem o carro, a casa, as férias, a vida que você nunca terá.
Para piorar as coisas, eles jamais serão punidos por suas viciosas condutas. A pergunta é inevitável: será que eu devo ser virtuoso? Será que eu devo educar os meus filhos para serem virtuosos?
Essas perguntas foram formuladas por Gustavo Ioschpe em excelente texto para a "Veja". De que vale uma vida ética se isso pode representar, digamos, uma "desvantagem competitiva"?
Boa pergunta. Clássica pergunta. Os gregos, que Ioschpe cita (e, de certa forma, rejeita), diziam que a prossecução do bem é condição necessária para uma vida feliz. Mas o que dizer de todas as criaturas que, praticando o mal, o fizeram de cabeça limpa por terem falsificado a sua própria consciência?
Apesar de tudo, Gustavo Ioschpe tenciona educar os filhos virtuosamente. Não por motivos religiosos, muito menos por temer as leis da sociedade. Mas porque assim dita a sua consciência. Um dia, quem sabe, talvez o Brasil acabe premiando essas virtudes.
A resposta é boa por seu otimismo melancólico. Mas, com a devida vênia ao autor, gostaria de deixar dois conselhos para acalmar tantas angústias éticas.
O primeiro conselho é para ele não jogar completamente fora as leis da sociedade na definição de boas condutas. Porque quando falamos de vidas éticas, falamos de duas dimensões distintas: uma dimensão pública, outra privada.
E, em termos públicos, acreditar que os homens podem ser anjos (para usar a célebre formulação do "Federalista") é o primeiro passo para uma sociedade de anarquia e violência.
Na esfera pública, eu gostaria que os homens fossem anjos; mas, conhecendo bem a espécie, talvez o mínimo a exigir é que eles sejam punidos quando se revelam diabos.
Se preferirmos, não são os homens públicos que têm de ser virtuosos; são as leis que devem ser implacáveis quando os homens públicos são viciosos.
Isso significa que a principal exigência ética na esfera pública não deve ser dirigida ao caráter dos homens --mas, antes, ao caráter das leis e à eficácia com que elas são aplicadas. No limite, é indiferente saber se os homens públicos são exemplos de retidão. O que importa saber é se a República o é.
Eis a primeira resposta para a pergunta fundamental de Gustavo Ioschpe: devemos educar os nossos filhos para a virtude? Afirmativo. Ninguém deseja para os filhos a punição exemplar das leis. E, como alguém dizia, é do temor das leis que nasce a conduta justa dos homens. Desde que, obviamente, as leis inspirem esse temor.
E em privado? Devemos ser virtuosos quando nem todos seguem a mesma cartilha e até parecem lucrar com isso?
Também aqui, novo conselho: não é boa ideia jogar fora os gregos. Sobretudo Aristóteles, que tinha sobre a matéria uma posição sofisticada e, opinião pessoal, amplamente comprovada.
Fato: não há uma relação imediata entre virtude e felicidade. Mas Aristóteles gostava pouco de resultados imediatos. O que conta na vida não são as vantagens que conseguimos no curto prazo. É, antes, o tipo de caráter que "floresce" (uma palavra cara a Aristóteles) no curso de uma vida.
E, para que esse caráter "floresça", as virtudes são como músculos que praticamos e desenvolvemos até ao ponto em que a "felicidade", na falta de melhor termo, se torna uma segunda natureza.
Caráter é destino, diria Aristóteles. O que permite concluir, inversamente, que a falta de caráter tende a conduzir a um triste destino. Exceções, sempre haverá. Mas, aqui entre nós, confesso que ainda não conheci nenhuma. Não conheço maus-caracteres que tiveram grandes destinos.
Sim, leitor, não é fácil olhar em volta e ver como a mesquinhez alheia triunfa e passa impune. Mas não confunda o transitório com o essencial.
E, sobretudo, nunca subestime a capacidade dos homens sem caráter para arruinarem suas próprias vidas.
Educar os filhos para serem "homens de bem" é também ajudá-los a evitar essa ruína.

João Pereira Coutinho - Folha, 08.10.2013

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

62 anos

A companhia da minha mãe  traz-me  uma serenidade para a alma, uma leveza de coração que eu raramente sentí nesse ano que ontem terminou. Ano de tormento.  Annus Horribilis.
Primeiro porque  tive que arrancar do peito a flecha que Cupido acertara. Nada mais poderia ser feito. As pontes haviam sido queimadas, os laços todos partidos... havia muros por toda a parte. E uma única saída; afastar-me. Partí.
Ainda uivava para a lua, lambia as feridas de mais um desencontro, quando recebí a visita desse senhor oportunista e ardiloso: o Mal. Em 62 anos, eu jamais havia com ele duelado. É impiedoso, cruel, quer a tua destruição. Mora ao lado. É banal. Ataca na tua hora vulnerável.
Depois do aturdimento e do horror inicial - você não acredita! -  do lamento para os céus, a necessidade de recompor-se, de retornar ao prumo, de retomar o rumo. Rejuntar a alma em pedaços é penoso; requer tempo.  Consome imensas quantidades de energia psíquica.
No momento retorno à vida; sinto que ela me invade novamente. Há uma trégua com o senhor das trevas, mas sei que é momentânea. Outras batalhas virão. O mal é para sempre. O dragão da maldade espreita e atacará a qualquer sinal de fragilidade do já alquebrado guerreiro.  Finalizo com o velho Guima:

Vida é sorte perigosa / passada na obrigação: / toda a noite é rioabaixo, / todo dia é escuridão... / [...] O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente 
aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza! "  

Guimarães Rosa  Grande Sertão: Veredas

domingo, 6 de outubro de 2013

Felizmente a dor...

Caríssimo Portinari,

...receio que esta resposta já não o ache fixando na tela a nossa pobre gente da roça. Não há trabalho mais digno,penso eu. Dizem que somos pessimistas e exibimos deformações; contudo as deformações e miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram.
...
Se elas desaparecessem poderíamos continuar a trabalhar? desejamos realmente que elas desapareçam ou seremos também uns exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos desgraças? Dos quadros que você mostrou ..., o que mais me comoveu foi aquela mãe com a criança morta. Saí de casa com um pensamento horrível: numa sociedade sem classes e sem miséria seria possível fazer-se aquilo? Numa vida tranquila e feliz que espécie de arte surgiria? Chego a pensar que faríamos cromos, anjinhos cor de rosa, e isso me horroriza. Felizmente a dor existirá sempre, a nossa velha amiga,nada a suprimirá. E seríamos ingratos se desejássemos a supressão dela
...
Graciliano Ramos
*********
O mundo é belo antes de ser verdadeiro, o mundo é admirado antes de ser verificado. (Gaston Bachelard) o que significa que descobrir e se encantar com o que está a nossa volta deve ter primazia sobre ouvir o que se diz sobre o que está a nossa volta. Esse talvez seja o principal conflito da inteligência humana, a disputa eterna entre cultura e conhecimento.


Cacá Diegues - O Globo 05.10.2013


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

De como as aparências enganam ou...

...o essencial é invisível aos olhos.
(apud raposa pro Pequeno Príncipe)

+++++++++

O hábito não faz o monge.
O conteúdo nada tem a ver com o continente.
Um  vaso frágil e delicado,
pode guardar um veneno poderoso
ou um perfume envolvente.
Um belo rosto
muitas  vezes oculta
a peçonha cruel de uma serpente.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O cheiro da rua.

Com o carro em conserto, tenho usado o metrô para me deslocar. Tempo para sentir o cheiro das ruas, de encontros/reencontros, descobertas.
++++++
O cheiro das ruas me alcançou na entrada do metrô ontem à noite,   com o spray de pimenta usado pela polícia para dispersar os manifestantes no centro do Rio. É desconfortável, irrita olhos e nariz, trava a garganta. Fiquei um  pouco orgulhoso pois de alguma maneira estivera no teatro de guerra que o centro do Rio virou  à tarde com a manifestação de professores, black blocks e por aí vai.
+++++++
O reencontro foi com meu mendigo predileto. Conheço-o fazem anos. Quando chovia, estava alí na saida do prédio da empresa, vendendo guarda-chuvas. Depois caiu na mendicância. Acho que bebe. Sua decadência é visível. Fica sempre na área entre o metrô e a empresa. Sempre que tenho moedas dou-as. Pede para um cafezinho. Seus olhos brilham , é bem articulado. Sua expressão trai dor e desencanto. Somos almas gêmeas. Alguma tragédia o marcou e ele não conseguiu se reerguer. Tenho uma vontade imensa de ajudá-lo mas não sei como. Hoje pela manhã encontrei-o na saida do metrô. Pediu-me o cafezinho, mas estava sem trocado.
++++++++
A descoberta quem a propiciou foi uma garota de traços delicados, de uma beleza só dela,  que lia sua apostila de estudo no banco do metrô. Voltávamos para casa; eu estava de pé e senti seu olhar insistente sobre mim. Dirigi meus olhos a ela que me ofereceu o lugar. Pela gentileza, agradeci sorrindo; no duro, no duro, estava desolado. Já ocorrera no dia anterior, porém, com um garoto. Com uma mulher o impacto é maior. Deus, estou velho e os outros vêem isso!

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Uma mulher linda


Recentemente participei de um debate sobre a trilogia Cinquenta Tons.
Muitas críticas: típico best-seller que identifica um drama universal (o amor) e propõe uma solução easy (seja sadomasô light e o casamento virá); a srta. Steele (a heroína) não está a altura de Lady Chatterley (de D.H. Lawrence) nem das irmãs Justine e Juliette (do Marquês de Sade) nem da personagem de "História de O" (de Anne Desclos, sob o pseudônimo Pauline Réage), porque a srta. Steele se vende por um MacBook Pro, enquanto as outras são para valer. Tudo verdade.
O maior pecado de Cinquenta Tons é que ele vende uma fantasia: o homem ideal. Christian Grey é rico, bonito, inteligente, viril, experiente. Mas o fato é que as mulheres desejam mesmo homens fortes, viris, sensíveis até a página três, ricos não só de grana. Enfim, Cinquenta Tons  vende porque fala para todas as mulheres, bobas, ignorantes, cultas ou críticas. Mas, como virou moda mentir, ninguém confessa.
Dias depois do debate, revi um filme idiota americano (como Cinquenta Tons), em que um milionário fodão (interpretado por Richard Gere) contrata uma garota de programa (Julia Roberts, ah! Se todas fossem iguais a você, Julia, que maravilha viver...) e acabam se apaixonando. Claro, o filme é Uma Linda Mulher. A fórmula clara da gata borralheira do sexo que vira a esposa Cinderela.
Mas o longa é muito mais do que isso. Diante da crítica histérica de que é mais um filme machista (que sono...), vale notar que ele faz a pergunta que mata de medo as mulheres: afinal, o que quer o homem numa mulher?
Dirão as apressadas que o homem quer que a mulher traga uma cerveja e venha pelada. Errado: melhor de calcinha e salto alto. Seria a superficialidade masculina o último bastião da ideologia "dominante"? Bastião este que agrada a todas as mulheres porque as acalma: os homens só querem uma bunda!
O filme toca num tema atávico que deixa mesmo as meninas "críticas" de cabelo em pé: seria a garota de programa a mulher ideal?
O personagem de Gere é fodão. Ele sabe o que os fodões sabem: o mundo é repetitivo, e as pessoas são previsíveis. Querem dinheiro, reconhecimento e "serviços", e fazem qualquer coisa para conseguir, embora neguem.
Se, no fundo, todos estão à venda por "um programa" de sucesso, melhor sair com alguém mais honesto: a garota de programa é a mulher menos cara do mundo. Ela "só" quer dinheiro, e isso às vezes é uma bênção. Ela é a mulher ideal porque é a única diante da qual o homem relaxa.
Afinal, o que quer o homem numa mulher? Num dado momento do filme, Gere diz à bela Roberts: "As pessoas são previsíveis, mas você me surpreendeu" (não vou contar detalhes).
Não devemos menosprezar essa fala e o que acontece depois, o apaixonar-se pela garota de programa. Gere sabe o que diz: as pessoas são mesmo previsíveis. Mas hoje a moda é dizer que são todas "únicas".
La Roberts encanta o fodão porque ela não é óbvia, e a mulher óbvia só quer fodões.
Graças a ela, ele rompe o ciclo da desconfiança causada pela obviedade das mulheres, e graças a ele, ela se cansa de ser puta, porque a puta não é uma mulher de verdade.
Os homens sentem que as mulheres querem deles apenas sucesso (em todos os sentidos). Mas hoje virou moda dizer que isso não é verdade. Ficou pior porque continua sendo verdade, mas, quando o cara sente isso, ele deve se sentir um machista porque sabe disso.
O homem quer uma mulher para quem ele não tenha que ser o sr. Grey, mas a mulher não perdoa um homem fraco. A garota de programa perdoa porque "só" quer dinheiro.
A fraqueza masculina aniquila o desejo da mulher. Mas, como essa mulher ideal não existe (assim como o sr. Grey), o ideal acaba ficando colado ao corpo irreal da namorada "paga".
Mesmo sabendo que sr. Grey (um fodão) não existe, as mulheres não suportam homens que não se pareçam com ele, e esta é a verdade suprema de "Cinquenta Tons".
Por fim: uma amiga minha, psicóloga, me disse que muitos dos seus pacientes vêm ao consultório falar de como suas mães (fálicas) destroem seus pais (fracos).
São essas mulheres fálicas, segundo ela, que à noite gemem de solidão sonhando com o sr. Grey.
Óbvio? 

Luiz Filipe Pondé - Folha, 30.09.2013