terça-feira, 30 de novembro de 2021

domingo, 28 de novembro de 2021

Parem as máquinas!

Cessem de rufar os tambores.
Um pouco da paz, um pouco de luz!
Tamanha beleza e  delicadeza não cabem em uma versão apenas. Vão aí logo duas prá extravasar toda a emoção.
 Quem sabe uma furtiva lágrima...



 


sábado, 20 de novembro de 2021

Rodrigueana

...é minha secretária - eufemismo criado pela consciência culpada da classe média para empregada  - Lurdinha*. Com as taxas de vacinação assumindo valores que permitem uma maior circulação das pessoas ela voltou a trabalhar duas vezes na semana. Aposentado, fico mais tempo em casa e com isso as possibilidades de trocar uma ideia com ela aumentaram. Ontem ela saiu-se com essa:

- Se eu fosse bonita, trabalharia como prostituta. 

Até aí tudo bem, afinal ela é de maior, vacinada e dona do seu nariz. O detalhe é que - pelo menos nas aparências - ela é terrivelmente evangélica. Enquanto trabalha, é comum ouvi-la cantando hinos religiosos.  Conheço pouco de Nelson Rodrigues, mas certamente  a Lurdinha deve estar retratada em alguma das suas personagens. Se não, certamente poderia ser considerada uma delas.

**********

Ontem ajudei-a a limpar as estantes da minha biblioteca e caiu-me à mão um dos livros de Nelson:  Meu Destino é Pecar. Mostrei-o e sugeri, em tão de blague, sua leitura. Ela olhou-me com um olhar maroto, quase aceitou mas acabou recusando, com o argumento de que não gosta de ler. Depois acabou levando um livro com poucas páginas de Epicuro sobre a felicidade e - pasmem! - outro livro pequeno composto por aforismos do José Maria Escrivá, fundador da Opus Dei, que tinha ganho de um amigo meu, militante da causa. Não é tudo muito rodrigueano?

**********

* Nome fictício.


Milicianos da linguagem.

Em 1976, Cacá Diegues denunciou as patrulhas ideológicas, rebatendo as criticas endereçadas por certos setores puristas da esquerda a seu filme Xica da Silva

*******

Hoje há patrulhas - milícias, termo mais apropriado para nossos tempos - ativas, para todos os gostos. Vou ficar com a que se dedica à linguagem. Os ativistas de raça e gênero em especial, estão extremamente atentos à carga histórica associada ao vocabulário que utilizamos. 

São muitas as palavras incluídas no index carga histórica pesada. Cuidado, por exemplo, com o uso de palavras como judiar e mulato. Melhor não empregá-las em ambientes progressistas pois certamente o carimbo de antissemita ou racista será colocado na sua testa. Não conta a intencionalidade. Passa pela tua cabeça que Zeca Pagodinho seja antissemita por ter escrito o samba Judia de Mim? Ou que Martinho da Vila que cantava o refrão salve a mulatada brasileira na década de 70 seja racista? 

*******

É muito excesso de zelo, beligerância barata,  considerar ofensivo o uso de palavras como mulato e judiar, e a partir daí, carimbar pessoas pelo fato de as terem utilizado na maior parte das vezes por desconhecimento, distração ou sem segundas intenções. O caráter ofensivo de uma palavra  depende muito do contexto em que é usada e da intenção da pessoa que a usa. A turma do barulho, entretanto, advoga que basta sentir-se ofendido para estar com a razão. No que me toca, é fácil perceber quando alguém me chama de velho se o faz  com afeto ou maldade.  O patrulheiro - ops! miliciano -  não quer saber, passa a régua. E como os fins justificam os meios, considere-se um felizardo, se além disso você não acabar sendo alvo de cancelamento ou lacração. 

*******

Seria a linguagem um palco para lutas políticas como escreve Sergio Rodrigues no seu artigo para a Ilustríssima de 28.11?  Fico com a opinião - um pouco encima do muro! -  do linguista John McWorther, por ele citado,  de que a  linguagem não molda o pensamento da maneira como se supõe, mas que palavras podem empurrar idéias para certas direções. O exemplo que ele propõe, considero bem razoável: ao invés de usar escravo - substantivo  que denota condição essencial -  mais adequado seria o uso de escravizado - adjetivo que denota contingência. 

*******

É mais um capítulo da guerra cultural que a esquerda deflagrou na segunda metade do século passado, que está tendo a resposta da direita neste século. Não sou otimista quanto ao seu desfecho. 

*******

Fico aqui pensando se terei que abolir do meu vocabulário palavras como denegrir e esclarecer. Elas ainda não foram incluidas no index, mas estão fazendo força para tal.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Por que a LavaJato incomoda?

 Aprendi com a vida e com os livros de que este é um país para poucos. Os donos do poder - tomo emprestada as palavras do título do livro de Raimundo Faoro, indispensável para entender o Brasil - são um Country Club seletíssimo, composto pelos donos do dinheiro no campo ou cidade, pelo mundo político, dobradinha que se legitima através de um tertius - nosso mundo jurídico que mata no peito o arcabouço legal, manipulando-o de acordo com as conveniências  dos outros membros do clube. É o trio de maiorais que diz para que lado o vento sopra em Pindorama. 

*********

A assim chamada LavaJato foi talvez a primeira iniciativa que tentou desestabilizar  esse clube de bacanas que nos  garroteia desde sempre.  Ousou colocar em cana, grandes empresários, banqueiros e políticos; investigava representantes do Judiciário quando sobreveio a reação. Desafortunadamente,  naufragou pelos próprios erros e pela reação do trio que se sentindo  ameaçado existencialmente - na feliz expressão do cientista político Luciano Da Ros na sua entrevista para a Folha em 8/11 - abriu artilharia pesada contra a operação.  Interessante notar que um dos aríetes do contra-ataque à operação foi o PT. Em seus governos a força-tarefa foi criada  com a intenção de pegar os outros, mas o feitiço acabou virando contra o feiticeiro e o próprio Lula acabou na cadeia. Em resposta, o partido dos fracos e oprimidos juntou-se ao status quo na tarefa de destruí-la. 

**********

Os erros imputados à operação por seus críticos no mundo jurídico referem-se em boa parte à forma como os processos foram conduzidos. O rito na jurisprudência - não sei se apenas na nossa! - é tão importante quanto o conteúdo. Estranho mundo esse, em que forma e conteúdo equivalem-se e pior, a inobservância de algum rito pode levar a anulação do conteúdo, isto é, das provas, e ao encerramento do processo.  

Se o conteúdo é irrefutável, busque uma inconformidade nos ritos!  Vale lembrar que tentou-se anular um processo - não sei se conseguiram -  de um dos envolvidos com o Petrolão, porque testemunhas de defesa  foram ouvidas em sequência considerada incorreta daquelas de acusação. 

Caso os estratagemas não se revelem efetivos na primeira instância, há a possibilidade de recorrer para a segunda, a terceira.... ao STF! Os anos vão se passando - nossa Justiça anda a passos de cágado - e  o crime  prescreve.  Basta ter dinheiro e boas relações. Prá poucos!

É o ordenamento jurídico garantindo a impunidade para os poderosos. Foi o que aconteceu com boa parte dos acusados no Petrolão, Lula incluído. É o que está acontecendo agora com Flávio Bolsonaro. Julgamento do processo em foro inadequado foi um dos motivos que levaram à anulação dos processos. Os mal-feitos do Petrolão e das rachadinhas brilham mais do que a  luz do sol mas seus autores circulam  leves, livres e soltos. Eduardo Cunha está dando seus pulinhos por aí; lançou livro, com direito a noite de autógrafos; li, não lembro onde, que planeja retornar à política como deputado por São Paulo. É mole? 

Erros processuais levaram a esse desfecho, segundo os scholars do mundo jurídico. Os ritos, sempre eles! Os fatos? Danem-se os fatos!

***********

Neste mês, a decisão de alguns dos integrantes da operação entrar para a política desencadeou pesado fogo de artilharia dos bacanas - status quo de 500 anos + esquerda -  e dos seus representantes na imprensa. Alguns exemplos:

O ex-juiz Moro foi acusado de ter fragilizado a Petrobras e responsabilizado pela atual política de preços da empresa por - ora, pois! - Gleisi Hoffmann, presidente do PT. 

Mathias Alencastro em sua coluna no UOL de 14.11 colocou Moro e Bolsonaro no mesma quadratura; ambos pertencem ao polo conservador e tem desprezo pelas normas republicanas. 

Bernardo Mello Franco em O Globo classificou sua candidatura  como  segunda via do bolsonarismo.

Na Folha de 18.11, Maria Herminia Tavares chama o ex-juiz de Sergio Quadros de Mello, comparando-o a Janio Quadros e Fernando Collor. 

A charge da Folha de 18.11  sintetiza a opinião dos dois colunistas: 

At least but not the last, o cruzado-mor contra a operação, Reinaldo Azevedo, na sua coluna de hoje na Folha, ataca o que chama de morocolunistas, classificando-os como um bolsonarismo com pretensões iluministas.
Em todos, com exceção do primeiro - uma declaração estapafúrdia -  há uma clara tentativa de desqualificar o ex-juiz comparando-o a Bolsonaro.  É má-fé ou ignorância. O primeiro é centro-direita com algumas bandeiras que os progressistas consideram conservadoras:  defender a família, combater a corrupção - por exemplo - é conservadorismo para esse pessoal.  O segundo é um reacionário que se utiliza das bandeiras consideradas conservadoras para aumentar seu círculo de simpatizantes. Sua vida é um testemunho vivo de que ele não pratica o que prega, pelo menos em termos de família e corrupção.

*********
 O porquê desse post?
Sempre pautei minha trajetória na resistência aos poderosos. Desde que consegui elaborar criticamente o pensamento - por volta dos 20 anos - nunca fui aliado na minha vida pessoal dos chamados reis da cocada preta.  Foi como um corolário de vida que passei a torcer pelo sucesso da operação. Afinal ela estava dobrando os donos do país pela primeira vez em 500 anos. Por isso, incomodou e a julgar pelas reações dos últimos dias, incomoda tanto. Pagou seu preço, como paguei o meu. Não se afronta o poder impunemente. 

sábado, 6 de novembro de 2021

Vivo em uma bolha?

É o sentimento que me invade depois da repercussão nas redes de notícias da TV da morte em acidente aviatório da cantora Marília Mendonça. Ocuparam-se o dia todo com o fato.  A Globo cancelou seu programa de grande audiência no sábado para transmitir os funerais. A sensação é de que o país havia parado. A julgar pelo destaque dado pela midia, talvez tenha mesmo! 

Nada conhecia a seu respeito. Mais informado agora, sei que era cantora sertaneja, rainha da sofrência, ícone do feminejo, e que teve uma live na pandemia que bateu o recorde de assistência no mundo: 3,3 milhões de pessoas simultaneamente. Caramba...e eu totalmente por fora. 

*********

Também tive essa sensação meses atrás, quando faleceu o ator Paulo Gustavo vitimado pela COVID. Foi comoção parecida, embora mais restrita ao Rio de Janeiro. Só faltaram canonizá-lo... O fato de ter constituido uma família gay,  adotado duas crianças, ajudou a midia a magnificar ainda mais os fatos. Em Niterói, onde nasceu, uma das principais ruas da cidade passou a se chamar Paulo Gustavo. 

Mal o conhecia de uma peça publicitária que fazia para o Banco do Brasil. 

*********

Fico a me perguntar se vivo em uma bolha, mal-informado e desconectado dos acontecimentos ou se o mundo tribalizou-se de tal maneira que  se tornou um conjunto de bolhas com raros vasos comunicantes entre elas. 

*********

Nelson Rodrigues,  classificava-se como um homem inatual; penso queria referir-se à visão conservadora que tinha do mundo. Queria apropriar-me do termo para definir minha condição de alheamento com o fluxo dos acontecimentos, ou pelo menos com o que a midia consumida pelos bem-pensantes considera  como tal. Vivo ainda estou, mas  sinto que não me banho no rio da vida. 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Septuagenário (III)

 MORRER... DORMIR... 

Morrer... dormir... não mais! Termina a vida, 

E com ela terminam nossas dores; 

Um punhado de terra, algumas flores, 

E, às vezes, uma lágrima fingida! 


Sim! minha morte não será sentida; 

Não deixo amigos, e nem tive amores! 

Ou, se os tive, mostraram-se traidores, 

- Algozes vis de uma alma consumida. 


Tudo é podre no mundo! Que me importa 

Que ele amanhã se esb’roe e que desabe, 

Se a natureza para mim é morta! 


É tempo já que o meu exílio acabe... 

Vem, pois, ó Morte, ao nada me transporta... 

Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe? 

Francisco Otaviano

 

Septuagenário (II)


TESTAMENTO 

O que não tenho e desejo 


É que melhor me enriquece. 


Tive uns dinheiros – perdi-os... 


Tive amores – esqueci-os. 


Mas no maior desespero 


Rezai: ganhei essa prece. 


Vi terras da minha terra. 


Por outras terras andei. 


Mas o que ficou marcado 


No meu olhar fatigado, 


Foram terras que inventei. 


Gosto muito de crianças: 


Não tive um filho de meu. 


Um filho!... Não foi de jeito... 


Mas trago dentro do peito 


Meu filho que não nasceu. 


Criou-me, desde eu menino. 


Para arquiteto meu pai. 


Foi-se-me um dia a saúde... 


Fiz-me arquiteto? Não pude! 


Sou poeta menor, perdoai! 


Não faço versos de guerra. 


Não faço porque não sei. 


Mas num torpedo-suicida 


Darei de bom grado a vida 


Na luta em que não lutei! 


BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Cia. José Aguilar, 1967, p.308-309. 


 

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Devastadora...

é a paisagem nas ruas de Copacabana.

Mendigos aboletam-se sob as marquises da  N. Sra. de Copacabana, da  Barata Ribeiro e transversais num espetáculo de arrebentar o coração. Há de tudo... famílias inteiras e pior!, jovens mães com  crianças de colo, jovens e é claro, muitos idosos... Não faltam cachorros, talvez as criaturas com os olhos menos desanuviados em todo esse cenário de miséria. 

Dói-me a consciência diante de tanto desamparo. Classe média que sou e privilegiado neste país tão desigual, sinto que terei que tomar alguma atitude, abandonar a inércia... colocar a mão na massa. Um trabalho voluntário? Colocar-me a serviço de alguma obra social...Não sei...Nada fazer é uma insensibilidade que desautoriza qualquer critica que porventura desejarmos desferir contra a situação social do país. Gostemos ou não, somos parte do problema.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Intolerância em dois tempos.

Manifestar desacordo com uma tira de quadrinhos, agora é crime? Quando o tema é identidade de gênero ou raça, parece que é. Que o diga o criminoso Mauricio Souza, jogador de vôlei do Minas Tênis Clube e da seleção brasileira. As redes sociais e os progressistas da midia não deixaram barato a contrariedade manifesta por ele com o fato do filho do Superman ter sido caracterizado como bissexual. Foi acusado de homofóbico e homofobia é crime! Sair dos cânones do discurso dominante sobre o assunto, custa caro. Maurício já provou do veneno: perdeu seu emprego. 

Inicialmente - dada a pressão! - parecia que iria recuar, mas felizmente manteve a posição.  Opinião não é crime. Se não traçarmos uma linha para além da qual não podemos transigir, logo,  teremos um codex  para o que poderemos dizer ou não em termos de raça e gênero. Nos tempos da ditadura a imprensa também tinha um código para o que poderia escrever em termos de política. Definitivamente não há nada de novo debaixo do céu. Ora é a direita, ora é a esquerda....E elas se criticam ferozmente.

O comentário é homofóbico e portanto criminoso? (Instagram)

*********

A estátua de George Washington, foi retirada da sala das assembléias da Câmara Municipal de Nova Iorque a pedido de vereadores latinos e negros, pois ele chegou a possuir cerca de 600 escravos. Será transferida para outro lugar. Pelo menos não teve o destino de outras que foram simplesmente derrubadas ou então foram vandalizadas. Já aconteceu por aqui com estátuas de bandeirantes. 

... e tudo bem. Desde que esses caras que julgam com critérios do presente o que aconteceu no passado, aceitem o fato de serem julgados no futuro pelos mesmos critérios. As estátuas que erguerem no presente provavelmente virão abaixo também. Afinal... não é tudo relativo?