terça-feira, 16 de novembro de 2021

Por que a LavaJato incomoda?

 Aprendi com a vida e com os livros de que este é um país para poucos. Os donos do poder - tomo emprestada as palavras do título do livro de Raimundo Faoro, indispensável para entender o Brasil - são um Country Club seletíssimo, composto pelos donos do dinheiro no campo ou cidade, pelo mundo político, dobradinha que se legitima através de um tertius - nosso mundo jurídico que mata no peito o arcabouço legal, manipulando-o de acordo com as conveniências  dos outros membros do clube. É o trio de maiorais que diz para que lado o vento sopra em Pindorama. 

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A assim chamada LavaJato foi talvez a primeira iniciativa que tentou desestabilizar  esse clube de bacanas que nos  garroteia desde sempre.  Ousou colocar em cana, grandes empresários, banqueiros e políticos; investigava representantes do Judiciário quando sobreveio a reação. Desafortunadamente,  naufragou pelos próprios erros e pela reação do trio que se sentindo  ameaçado existencialmente - na feliz expressão do cientista político Luciano Da Ros na sua entrevista para a Folha em 8/11 - abriu artilharia pesada contra a operação.  Interessante notar que um dos aríetes do contra-ataque à operação foi o PT. Em seus governos a força-tarefa foi criada  com a intenção de pegar os outros, mas o feitiço acabou virando contra o feiticeiro e o próprio Lula acabou na cadeia. Em resposta, o partido dos fracos e oprimidos juntou-se ao status quo na tarefa de destruí-la. 

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Os erros imputados à operação por seus críticos no mundo jurídico referem-se em boa parte à forma como os processos foram conduzidos. O rito na jurisprudência - não sei se apenas na nossa! - é tão importante quanto o conteúdo. Estranho mundo esse, em que forma e conteúdo equivalem-se e pior, a inobservância de algum rito pode levar a anulação do conteúdo, isto é, das provas, e ao encerramento do processo.  

Se o conteúdo é irrefutável, busque uma inconformidade nos ritos!  Vale lembrar que tentou-se anular um processo - não sei se conseguiram -  de um dos envolvidos com o Petrolão, porque testemunhas de defesa  foram ouvidas em sequência considerada incorreta daquelas de acusação. 

Caso os estratagemas não se revelem efetivos na primeira instância, há a possibilidade de recorrer para a segunda, a terceira.... ao STF! Os anos vão se passando - nossa Justiça anda a passos de cágado - e  o crime  prescreve.  Basta ter dinheiro e boas relações. Prá poucos!

É o ordenamento jurídico garantindo a impunidade para os poderosos. Foi o que aconteceu com boa parte dos acusados no Petrolão, Lula incluído. É o que está acontecendo agora com Flávio Bolsonaro. Julgamento do processo em foro inadequado foi um dos motivos que levaram à anulação dos processos. Os mal-feitos do Petrolão e das rachadinhas brilham mais do que a  luz do sol mas seus autores circulam  leves, livres e soltos. Eduardo Cunha está dando seus pulinhos por aí; lançou livro, com direito a noite de autógrafos; li, não lembro onde, que planeja retornar à política como deputado por São Paulo. É mole? 

Erros processuais levaram a esse desfecho, segundo os scholars do mundo jurídico. Os ritos, sempre eles! Os fatos? Danem-se os fatos!

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Neste mês, a decisão de alguns dos integrantes da operação entrar para a política desencadeou pesado fogo de artilharia dos bacanas - status quo de 500 anos + esquerda -  e dos seus representantes na imprensa. Alguns exemplos:

O ex-juiz Moro foi acusado de ter fragilizado a Petrobras e responsabilizado pela atual política de preços da empresa por - ora, pois! - Gleisi Hoffmann, presidente do PT. 

Mathias Alencastro em sua coluna no UOL de 14.11 colocou Moro e Bolsonaro no mesma quadratura; ambos pertencem ao polo conservador e tem desprezo pelas normas republicanas. 

Bernardo Mello Franco em O Globo classificou sua candidatura  como  segunda via do bolsonarismo.

Na Folha de 18.11, Maria Herminia Tavares chama o ex-juiz de Sergio Quadros de Mello, comparando-o a Janio Quadros e Fernando Collor. 

A charge da Folha de 18.11  sintetiza a opinião dos dois colunistas: 

At least but not the last, o cruzado-mor contra a operação, Reinaldo Azevedo, na sua coluna de hoje na Folha, ataca o que chama de morocolunistas, classificando-os como um bolsonarismo com pretensões iluministas.
Em todos, com exceção do primeiro - uma declaração estapafúrdia -  há uma clara tentativa de desqualificar o ex-juiz comparando-o a Bolsonaro.  É má-fé ou ignorância. O primeiro é centro-direita com algumas bandeiras que os progressistas consideram conservadoras:  defender a família, combater a corrupção - por exemplo - é conservadorismo para esse pessoal.  O segundo é um reacionário que se utiliza das bandeiras consideradas conservadoras para aumentar seu círculo de simpatizantes. Sua vida é um testemunho vivo de que ele não pratica o que prega, pelo menos em termos de família e corrupção.

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 O porquê desse post?
Sempre pautei minha trajetória na resistência aos poderosos. Desde que consegui elaborar criticamente o pensamento - por volta dos 20 anos - nunca fui aliado na minha vida pessoal dos chamados reis da cocada preta.  Foi como um corolário de vida que passei a torcer pelo sucesso da operação. Afinal ela estava dobrando os donos do país pela primeira vez em 500 anos. Por isso, incomodou e a julgar pelas reações dos últimos dias, incomoda tanto. Pagou seu preço, como paguei o meu. Não se afronta o poder impunemente. 

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