quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Septuagenário (II)


TESTAMENTO 

O que não tenho e desejo 


É que melhor me enriquece. 


Tive uns dinheiros – perdi-os... 


Tive amores – esqueci-os. 


Mas no maior desespero 


Rezai: ganhei essa prece. 


Vi terras da minha terra. 


Por outras terras andei. 


Mas o que ficou marcado 


No meu olhar fatigado, 


Foram terras que inventei. 


Gosto muito de crianças: 


Não tive um filho de meu. 


Um filho!... Não foi de jeito... 


Mas trago dentro do peito 


Meu filho que não nasceu. 


Criou-me, desde eu menino. 


Para arquiteto meu pai. 


Foi-se-me um dia a saúde... 


Fiz-me arquiteto? Não pude! 


Sou poeta menor, perdoai! 


Não faço versos de guerra. 


Não faço porque não sei. 


Mas num torpedo-suicida 


Darei de bom grado a vida 


Na luta em que não lutei! 


BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Cia. José Aguilar, 1967, p.308-309. 


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário