domingo, 29 de dezembro de 2019

Uma década perdida.

Os números comprovam  - preciso verificá-los - e são desalentadores. Transcrevo um trecho da coluna do Rodrigo Zeidan para a Folha de 28.12.2019:

Que tal se lhe dissessem que num país qualquer a renda da população (PIB per capita), ao longo de dez anos, saiu de R$ 31.600 (ajustados pela inflação) por ano para R$ 31.800?
E se, além desse aumento de renda de mísero 0,07% ao ano, lhe dissessem que o desemprego, que começou a década em 8%, terminou em 11,2%? Que a taxa de homicídios saltou de 25 por por 100 mil habitantes para 29? Que foram 560 mil homicídios no período?
Que a desigualdade de renda apresentou redução na segunda casa decimal e ainda está entre as piores do mundo? E que o Índice de Desenvolvimento Humano também teve uma melhora pífia, de 0,73 para 0,76, sendo a maior razão o final do processo de universalização de ensino, que continua ruim de doer?
Para finalizar, nesse país, o Brasil, é claro, as pessoas também se sentem pior —o índice de felicidade despencou, de 6,83 (numa escala de 0 a 10) para 6,2 (a pior queda foi a confiança no governo, que caiu de 0,5, sendo no máximo 1, para 0,16). Tudo roda, mas nada muda.
Os anos 1980 agora têm companhia. Os anos 2010 foram mais uma década perdida, e não há, por enquanto, sinais de que os que vêm aí vão ser diferentes (para não ficar só em má notícias, acesso à informação, preço de ligação, telefone celular e alguns outros indicadores tornaram a vida dos mais pobres um pouco melhor).
E, antes que venham com preciosismo, a década é um período qualquer de dez anos e, aqui, uso como década um critério no qual os anos se iniciam por 201. PT, MDB ou PSL, todos os governos do período foram ou são horrorosos (o último bom governo do país foi o primeiro governo Lula).
Estagnação ou retrocesso, não há outra forma de classificar esta década que está acabando. Que venha a próxima e que consigamos sobreviver ao governo de extrema-direita sem maiores danos.

2019

Foi o ano do encontro com o Eu substantivo, graças à meditação.
Depois do retiro Vipassana de 10 dias no final de julho/começo de agosto, ela se tornou uma prática diária. Toda madrugada, entre 4:00h e 5:00h estou lá sentadinho na minha cadeira de meditação tentando ser senhor de mim. Tentando domar o inconsciente (id) e o superego e elevando  o Ego à condição de senhor. É óbvio que não consigo atingir esse estágio ao longo de todo o período de 60min, mas melhoro a cada dia. A mente é um potro selvagem difícil de domar e adora fugir para o passado ou então lançar-se no futuro. Muita ascese é necessária para mantê-la ancorada no presente. Ela é fundamental para evoluir na arte.
Se a prática me tornou melhor? Não tenho  indicador que me confirme mas o fato de você poder estar no controle proporciona uma satisfação imensa. Ter a mente domesticada e pacificada e a plena consciência do seu corpo é extremamente gratificante. Estar liberto das amarras do passado  e das preocupações com o futuro; viver o  momento, é a graça que traz a meditação. Razão e emoção submergem nessa hora. Nada desejar, nada rejeitar e consequentemente nada sofrer, enfim, alcançar um estágio que deve se assemelhar ao Nirvana dos orientais e a ataraxia dos gregos do período clássico. Se houver algum ponto neutro no universo é para lá que somos transportados.

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Para um solitário de carteirinha que deu adeus às ilusões e com uma visão trágica da vida, quase nihilista - viver é dar um salto no abismo, sem saber o que virá.... somos náufragos tentando nos manter na linha d'água... - a meditação torna-se redenção, porto seguro, âncora existencial. Com ela reposicionamos todos os dias as pedras no tabuleiro, afilamos nossa espinha dorsal para reencetar  - por nós mesmos - diariamente a caminhada pelo deserto da vida, faça chuva ou faça sol, frio congelante ou calor abrasador. Dispensamos afetos, divindades ex-machina. Somos por nós pois sabemos que se cairmos ficaremos pelo caminho.

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E o velho e bom Freud será que conhecia os poderes da meditação? Ele que dizia que somos ingovernáveis porque à mercê  do inconsciente? Ela talvez seja o único estado de alma em que o colocamos, juntamente com o superego na redoma.

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...mas meditação tem hora prá acabar. Então você deixa de estar no comando; volta a interagir com o mundo e com as pessoas, onde você opera como um simples vetor disputando lugar com milhares de outros em um campo de forças chamado mundo. A questão não se restringe mais à tua mente e ao teu corpo. Existem os outros e suas demandas às quais deves te ajustar.
O inferno são os outros escreveu Sartre em Huis Clos. É duro ouvi-la,  mas a cada dia faz  mais sentido.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Pausa para a transcendência.

O Rio tem igrejas belíssimas. No Natal ficam melhores ainda com seus presépios. Estava no Centro na sexta e ao passar pelo Largo de S. Francisco, visitei a igreja de S. Francisco de Sales. É o que sempre faço  quando passo por ali, por questões de fé - per supuesto - e também estéticas; a igreja é  um monumento ao nosso barroco, com muitas obras de Mestre Valentim. É arte pesada , barroco afinal.... mas impressiona.
Ajoelhei, rezei um Pai Nosso, Ave Maria e Gloria e então - saído de não sei onde,  um Kyrie em canto gregoriano. Não era uma gravação, parecia  ensaio de algum coral; tudo de uma suavidade e de um enlevo que levavam a um sentimento de espiritualidade profundo, que brotava - paradoxo! -   em meio à sujeira de uma praça malcuidada e do burburinho  do centro da cidade.


Para que amar se perder dói tanto?


É a pergunta que faz o escritor irlandês  C. S. Lewis (o cara que criou o mundo fantástico de Narnia).
Resposta com ele mesmo: a dor que sentimos faz parte da felicidade que tivemos. Uma está imbricada na outra. Lewis foi celibatário até a velhice e se descobriu apaixonado nos anos finais de sua vida. Provou na carne a dor da perda.

PS - Esse post bebeu um bocado de dois  artigos de  J.P. Coutinho para a Folha: Um casamento e um funeral e A definição do amor