quarta-feira, 27 de abril de 2016

Walking on the wild side



"Lisa Lyon" (1980), de Robert Mapplethorphe

 Robert Mapplethorpe - Lisa Lion (1980) Folha, 26.04.2016

Pasolini, Jean Genet, Lou Reed são alguns nomes dos quais me lembro e que de algum modo se alinham com Robert Mapplethorpe. Todos operaram fora  do mainstream, dropouts que eram no mundo da cultura; ele na fotografia. Simpatizo com todos - Pasolini em particular - dropout que sou na vida.

A foto é impactante. Tem uma sensualidade contida; arriscaria dizer,  estóica (?!).
Quem quiser ver a sequência de fotos dessa famosa fisioculturista americana, terá que ir a Nova Iorque onde há exposições de Mapplethorpe em dois grandes museus: no Lacma são 182 trabalhos, no Getty, 113 fotos.
Apesar do dólar a $3.50 a passagem está barata e NY é a capital do mundo. Sempre há o que fazer por lá.

Cena Carioca.

Um motorista parou para abastecer, quarta passada, em um posto perto do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, em São Cristóvão, na Zona Norte. Como o estabelecimento não tinha bandeira, o do volante perguntou ao frentista:
 — A aditivada está a R$ 3,75?
 — Sim.
 — Mas ela é confiável?
 E o funcionário, com a sinceridade que falta aos nossos políticos: 
E quem hoje em dia é? 
Pano rápido. 

Ancelmo Goes - O Globo, 24.04.2016

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Um poço de classe.

Elisabeth II da Inglaterra é uma dessas raras mulheres que chegam aos 90 anos com essa aura. Ela é real pela postura, pela classe, pela discrição, pela elegância.Talvez uma das  últimas rainhas a merecer esse nome. É dona de  uma história exemplar que poucas representantes da realeza atual podem sustentar. Na Londres bombardeada pelos alemães na Segunda Guerra Mundial trabalhou como uma simples enfermeira, saindo em missões noturnas para resgatar feridos. Certamente uma das grandes  e poucas personagens da segunda metade do século XX e início desse século. Rainha sou seu súdito;para Sua Majestade, eu me curvaria.

Princess Elizabeth later to become Queen Elizabeth II

Queen Elizabeth II, by Cecil Beaton, 1942 - NPG x20203 - © V&A Images



The Queen in South Africa in 1947, left, and after announcing her engagement to Prince Philip in the same year

a young Queen Elizabeth:

Philip was a nice looking man. None of his heirs seems to have gotten his good looks.:

(Todas as fotos foram extraídas do Pinterest)

terça-feira, 19 de abril de 2016

Que Deus tenha misericórdia dessa nação!

Assisti praticamente a declaração de voto de quase todas suas excelências. Achei ótimo. O Brasil mostrava-se inteiro alí. Tudo aconteceu naquela seção da câmara, na frente e fora das câmeras. 
A pérola que está no título foi proferida por  Eduardo Cunha ao dar o seu voto. Ela resume muito bem o que lá aconteceu.  Quem diria.... Eduardo Cunha, além gangster, bandido, canalha e ladrão- segundo seus pares - tem o predicado da sabedoria. Sou mais modesto e faço minhas as palavras de outro homem honrado da república, Roberto Jefferson; ele é meu bandido predileto.
E os seus comandados? Houve aquele que voltou a ocupar a tribuna, porque esqueceu de dedicar seu voto  para o filho. E como estamos falando de família,  outro  trouxe o filho a tiracolo para pronunciar o voto em seu lugar; outra que dedicou o voto ao maridão, um prefeito probo das Minas Gerais. No dia seguinte, ele acabou  preso por desmandos na sua prefeitura.
O que dizer dos pândegos papagaios de pirata postados atrás de quem pronunciava seu voto, constrangendo abertamente quem votava  contra o impeachment? E daquele que votou em memória de um notório torturador da ditadura? E desse achincalhe do gênero humano, Paulinho da Força, fazendo um corinho com parte da sua quadrilha do Solidariedade em uma musiquinha onde sobravam  termos chulos contra os apoiadores da presidenta? Das faces crispadas e dos olhos injetados de ódio de alguns guerreiros do povo brasileiro que votaram contra o impeachment? Ou da traição para o Brasil inteiro assistir, daquele que liberado das funções de ministro para votar contra, votou a favor.
E teve cuspida na cara de adversário. Desse episódio fui poupado, porque se passou longe das câmeras. Enfim, houve tanto e de tudo que até o Paulo Maluf, o homem honrado com talvez a maior ficha corrida de mal-feitos de todos aqueles que se apresentaram por lá, foi um mero figurante. É... os tempos, parece, pioraram.
Um espetáculo a altura dos atores, do palco e de grande parte dos (tele)espectadores. Não podemos nos queixar porque avalizamos com nosso voto o que se passou lá. Invocando o Poderoso, posso escrever que não contribui. Hace años, voto nulo para, entre outros, deputado federal.


segunda-feira, 18 de abril de 2016

Crime e Castigo.

É raro ver isso acontecer em curto espaço de tempo entre os poderosos. A julgar pelos fatos de ontem tudo indica que este será o destino provável da nossa presidenta. 
Conheço algumas histórias na sua passagem pelo Conselho de Administração da companhia. Humilhava diretores até às lágrimas. Coisa de gente escrota. Nas últimas eleições entregou o que faz de melhor. Disse que para eleger-se faria o diabo. E o fez. Foi a campanha mais sórdida que presenciei.E a consideram uma mulher honrada porque não roubou. A honestidade se revela em diversas facetas. Não apenas na administração de bens materiais, mas também nas relações pessoais. Nas últimas ela seria reprovada, certamente.
Há um longo caminho a percorrer, mas eu confio que chegaremos a algum bom porto.
Que se vayan todos!
Com ela, o entulho político-ideológico, a visão de mundo canhestra  - domina os departamentos de humanidades das nossas universidades - que legou essa ruína para o país. Serão necessários anos para rearrumar a casa. Tomara que dessa vez aprendamos a lição e façamos as reformas necessárias para deixar de ser o eterno país do futuro e pelo menos oferecer à turma do andar de baixo as necessárias condições de saúde, educação, segurança e trabalho para uma vida digna.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Ah... se isso virasse uma máxima...

... para todo o brasileiro, especialmente para o militante de esquerda que pensa - embora não reconheça jamais - que dinheiro dá em árvore.

Não existe essa coisa de dinheiro público, o que existe é o dinheiro do contribuinte.

Nelson Barbosa (quem diria!) atual ministro da Fazenda em um seminário,  citando Margareth Tatcher (agora faz sentido!) . ( Élio  Gaspari - O Prazo de Validade de Nelson Barbosa - O Globo - 10.04.2016)

terça-feira, 5 de abril de 2016

Anos 50

Criança 
Não desfrutei da beleza,
tampouco da delicadeza
dessa canção.
O rock ensaiava seus primeiros passos
rumo a  grossura,
a falta de compostura.
Com seus berros e urros prenunciava
o retorno ao grito primal.


segunda-feira, 4 de abril de 2016

A filosofia, modéstia a parte...

Posso ter perdido muitas oportunidades na minha adolescência e juventude, passadas entre quatro paredes de um seminário mas alguns bons hábitos e virtudes foram conquistados nesse período. Aprendi a amar a filosofia que me foi apresentada a partir da matriz do pensamento ocidental: o pensamento grego. Com a filosofia aprendi que o buraco é sempre mais embaixo e que as aparências enganam. Quem diria... o principezinho de Saint-Éxupery, do qual gosto muito, tinha razão. Na época os intelectuais tinham uma atitude  blasé frente a livro e autor; o primeiro, por incrível que pareça, era o preferido das candidatas a miss qualquer coisa. Naquele tempo, elas liam o Pequeno Príncipe ! Vai ver era essa a causa da má vontade dos intelectuais  com Saint-Éxupery. Mas, voltando à filosofia...
Alí aprendi também a  me resguardar dos sofistas que possuem uma maneira de ver o mundo muito simpática aos filósofos da moda (Nietzsche, p. ex., que não gostava dos filósofos Platão e Aristóteles e  menos aínda de Sócrates)  e que inspiram a maneira de pensar e atuar da maior parte de advogados, marqueteiros e políticos atuais. Sofismas e sofistas a mim soam como palavrão.

 As Estratégias do Bolo


No século IV a. C. os gregos começaram a perder a medida das marés, do mar que sobe e faz sumir a praia, do mar que foge quando a praia vem. As marés do mundo, não os conceitos na cabeça e as palavras na boca. Essa foi a mais antiga, e mais bela, experiência da verdade. E do que são o mundo e a vida. Nós a perdemos de vista. Vieram os sofistas no século V, disseram que tudo era caos, nada podia ser conhecido, sobrava só a linguagem para convencer os ignorantes. A linguagem, o poder. Os filósofos do IV reagiram salvando a verdade onde puderam, no conhecimento, e iniciaram o processo de ódio às aparências. “As aparências enganam”, poderiam ter dito. A realidade “sensível” é o território do engano, do que parece, mas não é. Terra dos inimigos da verdade, dos sofistas cultivadores do caos. Ora, a “realidade sensível” é simplesmente o mundo. É como se o mundo tivesse ficado inimigo da verdade. A filosofia fez sem dúvida grandes coisas. Mas fez também essa. Pulou fora do Real. xcelentes sistemas foram construídos apesar do mundo mantido à distância. Esse banimento medroso foi sem dúvida uma dor para a filosofia. Mas precisava ser assim. Ou os sofistas acabariam por ter razão, e tudo mergulharia no relativismo e na indiferença: fim da filosofia, fim da verdade. A filosofia se fez protetora da verdade. Era missão sagrada. Longamente cavalgou a arte de dizer o verdadeiro e afastar as aparências, o caos.
O tempo rolou. E no final do século XX os sofistas voltaram. O mundo se tornou tão hipercomplexo, tão contraído, que já não se pode dizer a verdade com a convicção cuidadosa dos filósofos. A verdade se foi. A filosofia acabou. Assim dizem, assim dizem! O que ficou foram as aparências e as opiniões. Ficaram as versões. Versões contra versões. A verdade morreu na opinião, no rumor. Um velho sol grego se pôs. Não creio que nunca mais se levante. Até porque esta nossa parte do mundo há dois mil anos tem dois sóis no seu céu. O grego e o judaico, o da razão e o da fé. As luzes são diferentes. Piscam uma para a outra. Vagalumes na noite, impedem uma definitiva escuridão.
Enquanto isso, vivemos nas opiniões. Criamos versões para as realidades que não olhamos com amor. Os fatos viram inimigos quando não concordam com a nossa opinião sobre eles. E eles são tão complexos... Têm tantas variáveis... Fatos cruzados, sins e nãos, bens e males, vai-se saber... Então escolhemos, alinhamo-nos com a melhor aparência. E decretamos a falsidade de tudo que se oponha à nossa certeza. Como se fosse verdade. É daí que irradia a horrível ideologia do “nós e eles”. Opiniões que se batem — que não precisam ter cuidado com o Real, pesar o “sim e não” que alimentou a melhor filosofia — ganharam o mundo como reinado. São soberanas. Opiniões e versões. Colapso da verdade.
Diz-se que a verdade é a primeira vítima da guerra. E é mesmo. As guerras produzem desinformação. No mundo das opiniões em estado puro, soterrado por informações excessivas, procurar a verdade dá um tamanho trabalho... Tanto cansaço... Melhor então consumir as informações mais palatáveis. As que fazem melhor figura. Dão melhores imagens. De um mundo de produção da verdade para um do consumo de imagens — que virada bruta! Mas aqui estamos. Nós e eles, os bons e os maus. Já escrevi sobre o maniqueísmo. Pois é. A luta de morte no pensamento é uma forma aguda de maniqueísmo. Em situações de guerra ou revolução, o maniqueísmo impera. O problema é que não há nenhuma revolução no horizonte. Nenhum modelo novo que encerre a colisão das opiniões sem substância. O que há é uma guerra de extermínio. Alguém precisa morrer. Cair. Levar rasteira. Ter a cabeça esmagada. E nem assim a guerra terminará. Porque nada de verdadeiramente novo será posto no lugar vazio. Vivemos cheios de vazios. Pôr um no lugar de outro é só mudar a direção do esvaziamento. Vazios ficamos.
Isso tudo tem a ver com a situação violenta que hoje vivemos no Brasil. E não é teórico. Porque, enquanto nos matamos, os pobres olham e esperam. Não como quem tem esperança. Esperam para ver se alguém os porá em cena. Eles estão fora. Os economistas discutem sua fome em números. E divergem sobre as estratégias do bolo. Fazê-lo crescer para depois distribuir, ou distribuí-lo enquanto vai crescendo. Pedir à fome que espere para se fartar ou ir matando-a aos pouquinhos, talvez devagar demais.
Mas o problema não é o bolo. É quem controla o forno. Quem determina a altura do fogo. Crescer e distribuir ou distribuir e crescer são caminhos opostos. E em relação a essa oposição já não resolve nada ter e manter uma opinião. Há a fome dos pobres pendurada nessas contas. E a fome é real. Não é questão de ponto de vista.
Chamem os filósofos de volta. Eles estão acostumados aos paradoxos. E prontos para voltar a amar a vida.

Marcio Tavares D'Amaral - O Globo, 01.04.2016