domingo, 6 de outubro de 2013

Felizmente a dor...

Caríssimo Portinari,

...receio que esta resposta já não o ache fixando na tela a nossa pobre gente da roça. Não há trabalho mais digno,penso eu. Dizem que somos pessimistas e exibimos deformações; contudo as deformações e miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram.
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Se elas desaparecessem poderíamos continuar a trabalhar? desejamos realmente que elas desapareçam ou seremos também uns exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos desgraças? Dos quadros que você mostrou ..., o que mais me comoveu foi aquela mãe com a criança morta. Saí de casa com um pensamento horrível: numa sociedade sem classes e sem miséria seria possível fazer-se aquilo? Numa vida tranquila e feliz que espécie de arte surgiria? Chego a pensar que faríamos cromos, anjinhos cor de rosa, e isso me horroriza. Felizmente a dor existirá sempre, a nossa velha amiga,nada a suprimirá. E seríamos ingratos se desejássemos a supressão dela
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Graciliano Ramos
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O mundo é belo antes de ser verdadeiro, o mundo é admirado antes de ser verificado. (Gaston Bachelard) o que significa que descobrir e se encantar com o que está a nossa volta deve ter primazia sobre ouvir o que se diz sobre o que está a nossa volta. Esse talvez seja o principal conflito da inteligência humana, a disputa eterna entre cultura e conhecimento.


Cacá Diegues - O Globo 05.10.2013


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