domingo, 30 de abril de 2017

A Síria é aqui. (Cap. I - Rio, capital brasileira da barbárie)

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Segundo o 10º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram 279.567 mortes violentas intencionais entre 2011 e 2015 no Brasil. É como se neste intervalo de tempo se consumasse o assassinato da totalidade da população de Palmas, capital de Tocantins (279.856, conforme estimativa do IBGE). No mesmo período, de acordo com cálculos do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, a guerra teria provocado a perda de 256.124 pessoas.
Em 2015 foi registrado no Brasil um óbito a cada nove minutos, 54% de jovens entre 15 e 24 anos.
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A polícia matou 3.320 pessoas em 2015 (17.688 desde 2009), bandidos ou inocentes, nove por dia. Policiais também morreram em confrontos: 358, sendo 267 fora do serviço, realizando "bicos" (vigilância privada) ou reagindo a assaltos, e 91 no exercício efetivo das funções.
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A filmagem de policiais abatendo covardemente dois suspeitos dominados em Acari e a morte da garota Maria Eduarda, vítima de bala perdida no interior da sua escola –segundo o jornal "O Globo", tiro proveniente da arma de um desses soldados– mostram que o Rio de Janeiro, a despeito dos encantos naturais, é a capital brasileira da barbárie.
Assim como na Síria, é difícil identificar forças do bem.
Policiais mataram dois homens caídos? O comandante-geral da PM declara-se "chocado" com a cena brutal, mas lembra que o episódio é "humanamente compreensível" diante do "estresse que esses policiais vivem". Os dois soldados se envolveram anteriormente em vários "autos de resistência" que culminaram na morte de suspeitos: deveriam estar nas ruas, atirando, ou deveriam ter sido afastados preventivamente pelo comando? Matar e morrer não é regra do jogo.
Uma adolescente foi atingida? O prefeito sugere que as escolas sejam blindadas com paredões de argamassa importada e resistente a disparos de fuzil. Assim, a guerra seguiria o seu curso com redução de "efeitos colaterais" e a medida aqueceria a frutífera relação entre poder público e fornecedores, com contratos sem licitação e justificados pela óbvia situação de emergência.
O direito internacional tem a pretensão de proteger escolas e hospitais dos bombardeios, definindo-os como intoleráveis atrocidades das guerras. A naturalidade com que a polícia carioca, estressada ou não, dispara para todas as direções, como nos videogames, é um escândalo. 

Luiz Francisco Carvalho Pinto - Folha, 08.04.2017

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