As imagens e os números desses últimos dias são de uma cidade em guerra,
onde se mata e se morre no varejo e no atacado, nas favelas e no
asfalto, a qualquer hora do dia e da noite. Em Copacabana, às 13h de
quarta-feira, uma senhora de 76 anos levou um soco tão forte que
provocou ruptura no globo ocular, tendo que ser operada para recuperar a
visão. Tudo porque um assaltante, de bicicleta, não conseguiu
arrancar-lhe pulseiras de apenas R$ 30. Essas gangues das duas rodas,
que agem em toda a ZonaSul, são um arremedo dos “lobos solitários”. No
mesmo dia em que o impressionante close do olho roxo da vítima era
estampado na primeira página do jornal, lá dentro outra foto dramática
mostrava uma mãe chorando sobre um caixão a morte do filho de 13 anos
atingido por um tiro no Complexo do Alemão, onde, no mesmo dia, outro
jovem de 16 anos foi morto com um disparo de fuzil na cabeça. Ao lado, a
notícia de que uma médica foi baleada ao entrar por engano na Maré. Os
próprios marginais se apressaram em socorrê-la antes que chegassem os
inimigos da facção rival. Eles lutam contra a polícia, mas também entre
si, e as vítimas são os inocentes.
O Alemão, segundo a Anistia Internacional, lidera o ranking dos
conflitos, com 62 dos 184 ocorridos este ano em quatro pontos da cidade.
Em seguida, vem a Maré, com 51; Cidade de Deus, com 45; Jacarezinho,
26. Os criminosos não apenas dominam quase todas as comunidades do Rio
como fazem valer seu poder sobre bairros vizinhos, a exemplo do que
ocorreu com o comércio do Rio Comprido e da Tijuca, cujas lojas foram
obrigadas a cerrar as portas em luto pela morte de um dos chefes do
crime. Motociclistas passavam ameaçando de morte quem desobedecesse à
ordem. Se não está “tudo dominado”, como apregoam os bandidos com
afrontosa arrogância, falta pouco.
Os sinais são evidentes. O mais visível é a torre à prova de
explosão de granada instalada em uma das 13 favelas do Alemão, um
monumento ao fim das UPPs, que foram a aposta do governo numa política
de pacificação e esperança da cidade. Essa espécie de fortaleza foi um
pedido da tropa, encurralada pelos bandidos e traumatizada pelas perdas.
Conforme informou o porta-voz da corporação, no estado, só este ano 58
policias foram mortos e 189 ficaram feridos.
Ao mesmo tempo, é o governador quem diz: “A gente não pode achar
normal que o policial entre lá e tenha que ficar dentro de uma cabine
blindada que toda hora é alvo de tiros”. Assim como não é normal a
colocação de placas “Áreas de risco” para impedir o acesso a essas
zonas. O normal seria que a cidade não tivesse parte de seu território
controlado por traficantes e milicianos.
Zuenir Ventura - O Globo, 22.04.2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário