sábado, 8 de março de 2014

Aqui é uma merda mas é bom.

Finalmente alguém escreve o que digo faz tempo - prá evidente contrariedade de muitos - de que nos sobra auto-estima. Sempre discordei da afirmação de que sofremos do complexo de vira-lata - dizem ser frase do Nelson Rodrigues. Aliás, esse argumento é sempre usado quando nos analisamos sem a overdose de auto-estima em que normalmente vivemos imersos. Basta ser crítico de nossos costumes e elogiar algum hábito ou prática de outro povo para ouví-la, particularmente pelos que se dizem nacionalistas.Há uma frase que a sintetiza - dizem que Tom Jobim é o autor. Instado a comparar Brasil e Estados Unidos  saiu-se com a pérola : Lá é bom mas é uma merda; aqui é uma merda mas é bom.
É... vai ver que é.

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Valores Difusos num País Sujo

Com o fim formal da ditadura (1985) e a estabilização da economia (1994), o Brasil passou a enxergar com mais clareza o seu atraso civilizatório. Ficou mais visível como são difusos os valores da nação. O vídeo do prefeito do Rio, Eduardo Paes, jogando sujeira no chão é apenas um microexemplo do caráter e dos costumes nacionais.
Há alguns anos, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um bombom de cupuaçu. Comeu e também jogou o papel no chão sem nenhuma cerimônia.

A greve dos garis no Rio expôs ao país como sua população é composta por Eduardos e Lulas. O volume de lixo jogado nas ruas do balneário fluminense é incompatível com uma sociedade desenvolvida. O brasileiro em geral se comporta como se o espaço público não fosse seu. Todo tipo de porcaria é arremessado na calçada, sem o menor remorso.

Seria possível escrever um tratado a respeito. Ficarei apenas no capítulo sobre a responsabilidade dos políticos e governantes em geral. O Brasil gasta bilhões de reais com publicidade estatal. Quase nunca esses recursos são usados para algum tipo de campanha a favor, por exemplo, de hábitos mais civilizados das pessoas nas ruas. Pior: certas propagandas com apelo cívico erram o alvo, como aquele comercial paraestatal martelando que "o melhor do Brasil é o brasileiro", cujo objetivo era melhorar o astral geral do país.

Se há um povo com excesso de autoestima é o brasileiro. Em ano de Copa do Mundo, nota-se até uma certa arrogância no ar. A campanha de uma marca de guaraná estrelada pelo jogador Neymar eleva ao paroxismo o mau-caratismo nacional. Reedita a "Lei de Gérson". O camisa 10 brasileiro escreve frases em português para estrangeiros que não sabem o idioma se autoridicularizarem ao pedir a bebida (http://bit.ly/Neymar-trote-guarana). Ao final, fala o anunciante: Todo mundo quer, mas só a gente tem. É verdade. 

Fernando Rodrigues - Folha, 08.03.2014

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