É raro concordar com as opiniões políticas do Veríssimo, mas esse artigo para o Globo de hoje, está perfeito. Surpreendentemente, ele inclui Lula no mesmo clube patrício que perpetua a mediocridade nesse país. Enfim... antes tarde do que nunca, Veríssimo.
**********
A turma da Lava-Jato tem razão em estar chateada com os
indultos de Natal, com o Gilmar Mendes e com outras evidências de coração mole
que desfaz o seu trabalho. São todos jovens idealistas que ainda não tinham se
deparado com uma antiga tradição nacional, a do brasileiro bonzinho. Estão
descobrindo que o Brasil corrigiu Marx: aqui a história não se repete como
farsa, se reinventa como farsa. E o tempo é um revisor camarada. Cada nova
versão da nossa história é mais benevolente do que a anterior.
O tempo brasileiro é concilia dor, não guarda rancor. Na
verdade, não guarda nada. Quanto mais distante fica no tempo, menos conta o fato. O fato é neutralizado pelo
tempo, emasculado como um gato. Quando,
finalmente, desaparece por
completo no grande sumidouro da
memória nacional, pode ser recriado à vontade. O Collor decretou que sua deposição foi uma farsa. Ninguém o contradisse. Faz tanto tempo. Quem se anima a mergulhar no sumidouro para resgatar uma verdade
hoje irrelevante?
A prisão do Maluf surpreendeu justamente por ser tão anacrônica. Maluf tinha uma estranha forma de impunidade, a que
vem com o tempo camarada. Transformara-se, com o tempo, num corrupto
folclórico, até simpático. E por que tocar num folclore, depois de tanto tempo?
O cara já não pagou pelo que fez (segundo ele, nada) com os anos em que foi
nosso corrupto-mor sacramentado? Mas o tempo brasileiro, cedo ou tarde,
inocenta todo mundo. É só o Maluf esperar a sua vez.
Essa garantia tácita de absolvição é um velho hábito do nosso patriciado. Nunca na história do país, mesmo com as oligarquias se entredevorando pelo poder querendo a ruína do inimigo, alguém caiu em desgraça no Brasil. Desgraça profunda, irrecuperável, de se trancar no quarto e receber comida em marmita pela portinhola pelo resto da vida. O tempo brasileiro sempre assegurou a remissão. E aí estão vilões do passado represtigiados, corruptos repaginados, banidos reeleitos e ninguém envergonhado. Collor chegou à Presidência como símbolo de combate à corrupção, saiu da
Presidência como símbolo da hipocrisia do poder e volta como símbolo da
inconsequência de tudo isto. O que só prova o que ele disse, se não a intenção
do que disse. Tudo é uma farsa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário