Carlitos é um Ulisses sem glória - digamos - mais desesperado, porque desprovido de um sentido. A peregrinação do herói homérico tinha um objetivo: tendia a uma evidente felicidade da qual já havia gozado parcelas.
(...)
Penélope fiava e Ulisses se fiava nela: só isso daria uma motivação - ou uma justificação - à luta e ao retorno de Ulisses.
Carlitos, ao contrário, não tem o que fiar e não se fia em ninguém. Vagabundo sem pátria, sem família, sem amigos, sem ideais, aspira a única felicidade que lhe é possível: o abrigo para mais uma noite, um prato de comida, um mínimo de segurança pessoal e de espaço físico para sobreviver num universo imenso e palmilhado sem sucesso pelas suas botas cobertas de pó, cujas pontas indicam ao mesmo tempo dois rumos antagônicos e vazios.
O Globo, caderno Prosa, 9.2.2012.
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