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A solidão faz mal à saúde, dizem
cientistas da Universidade de York. Pessoas com falta de relacionamentos têm
risco acrescido de infarto (29%) e de acidente vascular cerebral (32%).
Não contesto os números. Contesto
apenas a definição quantitativa de solidão. Será apenas ausência física de
outras presenças físicas?
Ou Tchekhov tinha razão quando
aconselhava algo como isto: "Se tens medo da solidão, não te cases"?
Um boa frase para sublinhar uma evidência: podemos ter companhia permanente e
sentir uma solidão permanente.
Longe de ser uma questão física,
a solidão é um estado metafísico: é a evidência dolorosa de que a nossa
existência não tem qualquer relevância para terceiros. Estarmos vivos, estarmos
mortos –uma diferença biológica, não mais.
Existe um conto de Gao Xingjian
–Nobel da Literatura em 2000 e um mestre da sugestão– que transmite esse
sofrimento de forma magistral. Intitula-se "A Cãibra" e, como o
título indica, é a história de um banhista que entra no mar para ser acometido
por uma dor forte e paralisante no ventre.
A um quilômetro da costa, ele
tenta relaxar o corpo, nadar de volta, não ficar ali perdido no meio do nada.
Mas o que dilacera o banhista não é tanto a solidão de se encontrar à deriva; é
a angústia crescente de não haver quem repare no seu infortúnio, a começar por
uma mocinha de maiô vermelho que brincava junto às ondas.
Será que ela me viu entrar na
água?, pergunta o banhista. Será que ela repara na minha aflição?
Com esforço, ele regressa a terra
firme. A praia está deserta. O companheiro do seu quarto de hotel também está
ausente. E, entre os presentes, joga-se às cartas, conversa-se, vive-se como
sempre. Indiferentes.
A solidão talvez seja isto: um
afogamento fora da água sem ninguém para nos salvar.
João Pereira Coutinho - Judeus, Solitários & Fantasmas, Blog UOL, 03.05.2016
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