quarta-feira, 4 de maio de 2016

Solidão

É vero. Tenho a maior intimidade com ela -velha companheira de todas as horas.

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A solidão faz mal à saúde, dizem cientistas da Universidade de York. Pessoas com falta de relacionamentos têm risco acrescido de infarto (29%) e de acidente vascular cerebral (32%).

Não contesto os números. Contesto apenas a definição quantitativa de solidão. Será apenas ausência física de outras presenças físicas?

Ou Tchekhov tinha razão quando aconselhava algo como isto: "Se tens medo da solidão, não te cases"? Um boa frase para sublinhar uma evidência: podemos ter companhia permanente e sentir uma solidão permanente.

Longe de ser uma questão física, a solidão é um estado metafísico: é a evidência dolorosa de que a nossa existência não tem qualquer relevância para terceiros. Estarmos vivos, estarmos mortos –uma diferença biológica, não mais.

Existe um conto de Gao Xingjian –Nobel da Literatura em 2000 e um mestre da sugestão– que transmite esse sofrimento de forma magistral. Intitula-se "A Cãibra" e, como o título indica, é a história de um banhista que entra no mar para ser acometido por uma dor forte e paralisante no ventre.

A um quilômetro da costa, ele tenta relaxar o corpo, nadar de volta, não ficar ali perdido no meio do nada. Mas o que dilacera o banhista não é tanto a solidão de se encontrar à deriva; é a angústia crescente de não haver quem repare no seu infortúnio, a começar por uma mocinha de maiô vermelho que brincava junto às ondas.
Será que ela me viu entrar na água?, pergunta o banhista. Será que ela repara na minha aflição?
Com esforço, ele regressa a terra firme. A praia está deserta. O companheiro do seu quarto de hotel também está ausente. E, entre os presentes, joga-se às cartas, conversa-se, vive-se como sempre. Indiferentes.

A solidão talvez seja isto: um afogamento fora da água sem ninguém para nos salvar.

João Pereira Coutinho - Judeus, Solitários & Fantasmas, Blog UOL, 03.05.2016

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