... tornou-se realidade. Com muito suor, algum sangue e nenhuma lágrima.
Foi a grande realização pessoal do ano. Projeto acalentado desde a aposentadoria e postergado devido a uma série de problemas: pandemia, impedimentos físicos e até climáticos. Inicialmente seria o Caminho de Santiago, depois surgiu a idéia do Caminho da Fé como um laboratório - na realidade ele é muito mais, dado seu maior grau de dificuldade.
Fi-lo por motivos religiosos em parte, mas acima de tudo com o intuito de testar meus limites físicos, mentais e anímicos. Afinal...sou um velhinho; navego por 72 anos nesta vida.
Mais do que um exercício físico, é um exercício mental pois há uma Serra para cada dia exceto o último, com trechos que incluiam subidas e descidas íngremes em cada uma delas. Era necessário dosar a energia com parcimônia para não correr o risco de acabar estourado e ser obrigado a abandonar o caminho. Foi o que ocorreu na minha primeira tentativa em julho, quando desisti no 2o dia com uma torção no pé esquerdo provocada pelos excessos físicos e equívocos mentais.
O fato é que depois de muitas idas e vindas - literalmente - atingi meu objetivo. Alcancei Aparecida-SP partindo de Águas da Prata-SP (caminho-raíz), depois de 14 dias, que poderiam ter sido 13, caso não tivesse parado um dia para uma visita a uma vinícola em Andradas. Foram quase 300km por estradas não-asfaltadas (85/90% de um percurso com gráu de dificuldade média/alta), caminhando sozinho com uma mochila que começava a jornada pesando 6,5 kg e a terminava com peso de 5,0kg. Saia no raiar do dia e parava no máximo por volta das 13:00h. Com exceção dos dias iniciais, enfrentei altas temperaturas, particularmente nos dois dias finais e nenhuma chuva, fato inusitado para a época.
Foram muitos litros de suor, algum sangue - no último dia fui acometido de rabdomiólise (informação do meu médico), uma síndrome provocada pelo esforço físico extremo que provoca o rompimento das fibras musculares e as joga na urina, dando-lhe um aspecto de sangue - e nenhuma lágrima. O forte calor do dia final desgastou-me brutalmente; estive a ponto de desfalecer quando recebi meu certificado de participação no Santuário.
....e nenhuma bolha no pé; tampouco o joelho esquerdo incomodou. Era uma preocupação pois optei por fazer o Caminho sem os bastões de caminhada.
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Perrengues? Eles não poderiam estar ausentes em 14 dias de caminhada.
...como um ataque de cachorros. Foi no trecho Andradas/Barra, quando dois deles surgiram de um cafezal. Não fosse a intervenção do dono que apareceu logo após, teria encontrado dificuldades para deles me livrar. Um bastão de caminhada teria sido útil para afastá-los, mas como tinha optado por não levar...
...ou um esquecimento, tão familiar nesta fase da vida. Deixei meu celular na capela da Nha Chica no trecho entre Inconfidentes e Borda da Mata. Dei-me conta da sua falta depois de ter caminhado 1,5km, com uma subida íngreme na parte final. Retornei meio desesperado,. Para minha sorte, ele ainda estava lá. Eram as primeiras horas da manhã e pouca gente ou ninguém deviam ter passado pela capela. Além da preocupação, custaram 3kms de caminhada.
Mais para o inusitado e contando com a ajuda da sorte, foi o que aconteceu na descida da Porteira do Céu quando saí do caminho. Ao dar-me conta, depois de caminhar 2/3 km, busquei informação mas não encontrei ninguém em todas as casas próximas. Estava um desalento só uma vez que teria que retornar por um trecho íngreme de subida. Eis que do nada surge na estrada um carro preto, - acho que um velho Chevette - dirigido por uma senhorinha - Graça ou Rosa não lembro - que retornava de uma cidade próxima para a fazenda/sítio em que morava e que estava localizada junto ao Caminho. Ela me deu uma carona e - voilà! - eu reencontrava o rumo. Sorte ou milagre? Sou cético demais para acreditar em milagres, mas muitas pessoas para quem contei o episódio, disseram que estava diante de um deles. Graça ou Rosa, pediu orações para quando chegasse ao Santuário. Foi atendida. Era o agradecimento possível.
Outra ajuda fundamental aconteceu no trecho entre Consolação e Paraisópolis. Desta vez uma moça bonita que dirigia um carro de apoio de um pessoal de bike cedeu-me gentilmente um litro de água; graças a ele livrei-me de maus momentos ao enfrentar trechos íngremes de subida que não haviam sido previstos, naquela hora de dia e com aquele calor. O apoio no trecho era precário e aquele litro de água que relutei em aceitar no início, revelou-se salvador.
O fato hilário deu-se no último dia na Rodoviária de Aparecida - SP enquanto aguardava o ônibus para retornar ao Rio. Ficou por conta de um meio-bebum que ao se deparar comigo vestido com a indumentária do caminho (ver nas fotos abaixo) chamou-me de Indiana Jones. Corolário perfeito para o final da aventura!
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Foi uma experiência incrível, como muitos relatam? Provocou uma mudança radical na minha vida? Não. Pelo menos até o momento. Aprendi com o caminho a ser paciente com as dificuldades que iam surgindo a cada dia da jornada e a trabalhar com um grau baixo de expectativa para não ser surpreendido pelo imprevisível, quando ocorresse.
Os 14 dias de caminhada também desmentiram aquela frase feita de que um projeto é construido paciente e linearmente como o colocar dos tijolos para erguer uma edificação. No caminho, para cada subida havia uma descida. Colocava-se os tijolos para em seguida retirá-los diariamente. Tem muito mais a ver com o mito de Sísifo dos velhos gregos que sabiam muito mais das coisas do que os (pós)-modernos coachers espirituais. Por se achar mais esperto que os deuses, Sísifo foi condenado a carregar eternamente uma pedra até o alto de uma montanha do Hades, que deixada no topo era de lá rolada para baixo.
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Projetos para o futuro?
Em princípio, percorrer a pé a Estrada Real no trecho Ouro Preto/Paratí em abril/maio e para setembro/outubro, o roteiro principal do Caminho de Santiago. Conseguirei?
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Selecionei uma série de fotos para ilustrar a aventura. Dado seu número elevado as distribuirei por várias postagens. Nesta coloco as que marcaram o início e o fim da caminhada.
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