O escritor russo Alexander Soljenítsin (1918-2008) escreveu um dia que os piores vilões de Shakespeare já não metiam medo aos homens do século 20. Motivo?
A consciência, claro. Nas peças do bardo, eles podem conspirar, atraiçoar, matar. Mas a consciência acaba sempre por ajustar contas com eles no final.
Exatamente como ajustou contas com Raskólnikov, o personagem central de "Crime e Castigo", de Dostoiévski, que não aguenta dois cadáveres a boiar na consciência e se entrega às autoridades do czar. Raskólnikov é talvez o último vilão clássico a sentir ainda "o céu sobre ele e a lei moral dentro dele".
Depois de Raskólnikov, a ideologia substituiu a consciência. E quem tem uma ideologia pode conspirar, atraiçoar e matar à vontade. Nada é pessoal. É tudo em nome do partido, ou da história, ou da raça.
O século 20 é a prova dessa miséria moral: de como os homens deixaram de sentir "as compungidas visitas da natureza" que tanto assustavam Lady Macbeth enquanto matavam milhões em nome de um ideal.
Trecho de uma crítica de João Pereira Coutinho na Folha de 13 de julho ao livro O Zero e o Infinito relançado agora pela Amarylis ( já escrevi sobre ele e até trechos publiquei em julho)
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No século XXI a ideologia - meio fora da moda - cedeu seu lugar ao sucesso pessoal. Nem Raskólnikov entra no palco desse século, tampouco há compungidas visitas da natureza a Lady Macbeth. Se é necessário matar e esfolar para chegar lá, por que não? A maldade sempre existiu, agora porém, o mal ficou banal. É artigo de todo o dia. Maldade, hoje tem seu charme; ser mau dá um quê de personalidade forte. É obvio que com arquétipos como esse, esse tipo cada vez mais comum, durma todas as noites o sono dos justos; pela manhã o espelho certamente o contempla cinicamente e não se parte. Pruridos? ... ora os pruridos...
Assisto de vez em quando a novela das 19:00h na Globo. Como é rica a fauna de cafajestes entre seus personagens. Sem qualquer cerimônia, sem nenhuma culpa todos apunhalam-se naturalmente. Quem não joga o jogo é fraco, otário, mal-resolvido, sem graça...
Que porre - ou seria buraco - existencial!
Que porre - ou seria buraco - existencial!
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