sábado, 30 de novembro de 2013

Mulheres, por elas próprias.

Fernanda Torres 

Buquê

T. é amigo de meus enteados, tem 23 anos e faz o estilo Jesus Cristo Superstar. É bonito, selvagem, boa-praça e popular entre as mulheres. O mais experiente entre os seus, já levou à lona uma coroa de 32.
T. arrumou uma namorada fixa, também bela, interessante, inteligente. M. é uma garota sagaz que acaba de terminar uma relação de um ano com um homem mais velho. M. trata T. como um ogro adorável, quer criá-lo para si, talvez como o outro fez com ela.
Era um fim de festa em minha casa, sobraram os adolescentes já não tão adolescentes e eu, para lá de balzaca. T., como quem revela uma angústia a um amigo, me confessou num aparte:
-- Minha namorada me proíbe de tomar Coca-Cola e comer chocolate.
Por solidariedade ao gênero, e fiel às tendências orgânicas, dei razão à moça, argumentando em prol de uma dieta saudável; T. me interrompeu brusco.
-- Você não entendeu, ela grita comigo --disse.
A mesa ouviu e refletiu calada.
-- Vocês acham certo isso? Ela gritar por causa de uma Coca-Cola? --perguntou, impotente.
Jesus Cristo não sabia, mas começava para ele um noviciado. T. estava sendo introduzido no ardiloso mundo da histeria feminina. Parecia assustado e tinha motivos para tanto.
As mulheres têm o dom de surtar. A fragilidade atávica lhes permite perder a cabeça, chorar além do suportável, entrar no túnel, sofrer até sair da pele. Aos homens, resta o recuo, a obrigação do amparo. A posição de vítima é, por conquista, da mulher. 
 Apesar do aspecto irracional, todo descabelamento feminino é fundamentado em uma razão concreta, um direito não atendido. É o que as salva da loucura.
-- Ela grita? --perguntei.
-- Grita --ele disse.
-- Por uma Coca-Cola?
............
Folha, 29.11.2013

 PS - Reproduzi apenas a parte da crônica que aborda a relação homem-mulher no que ela tem de universal, naquilo que transcende o tempo. O título tem mais a ver com o restante do texto - aliás interessantíssimo - que revela aspectos datados da relação vivenciada  por  essa tribo na faixa dos 20-30 anos que vive na Zona Sul carioca. Vale a pena saber a razão da proibição!
 A Fernanda acaba de publicar um livro: Fim.  Retrata o imaginário dos pais dessa turma  ao final da vida. Minha idade! Pretendo lê-lo para saber como funciona a cabeça de meus contemporâneos que cresceram e viveram em Copacabana . Afinal moro lá também, mas sou um moço do interior -  out - tímido e careta para os padrões cariocas.

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