Umas das questões que mais ocupa
nossas mentes no início do século 21 é a felicidade.
Na filosofia, a felicidade tem
inúmeros sentidos. Da beatitude mística (nas religiões), passando pelo cuidado
para que o desejo não nos enlouqueça (estoicismo e epicurismo), até chegarmos
ao entendimento mais comum em nossos dias que é a felicidade como realização
dos nossos desejos (fruto da sociedade de consumo).
Confesso que considero a busca
maníaca pela felicidade meio brega, mas, nem por isso podemos negligenciá-la,
principalmente quando se trata de algo tão presente em nosso atual modo de
vida.
Mas há um outro motivo para
levarmos a sério a busca pela felicidade. Trata-se do simples fato de que somos
candidatos certos à infelicidade. Doenças, frustrações, traições, morte, enfim,
todo um universo infinito de perdas.
Por isso, mesmo que eu julgue que
viver obcecado pela felicidade é um atestado de superficialidade de alma, não
podemos deixar de reconhecer que há razões de sobra para temermos a
infelicidade.
Estudos sobre felicidade
relacionam idade à possibilidade maior ou menor de nos sentirmos felizes. Sei
que você deve estar se perguntando o que eu quero dizer por felicidade.
Reconheçamos que, mesmo que
"vagamente", está claro para nós que felicidade hoje em dia tem a ver
com a realização de desejos e com o usufruto do corpo com saúde o maior tempo
possível.
Então chegamos ao "U da
felicidade". Entenda esse U como uma parede que desce (o lado esquerdo do
U), o fundo do poço (a parte baixa ou o fundo do U) e uma parede que sobe (o
lado direito do U).
Quando nascemos estamos na parte
mais alta do U, na sua parede esquerda. Jovens, com saúde plena (na maioria
esmagadora dos casos, fora raras exceções médicas), temos todo um futuro pela
frente, cheios daquele encantamento que enche nosso coração de disposição para
a vida, tudo é novo e interessante, inclusive os outros jovens à nossa volta.
As ideias mais absurdas nos
parecem possíveis. Enchemos a cara e levantamos no dia seguinte para fazer a
prova. O mundo está aberto para nossos sonhos, inclusive porque o mercado
trabalha cada vez mais para nós. Então inicia-se nossa descida "aos
infernos".
Lá pelos 40 anos de idade,
estamos chegando à parte baixa da parede esquerda do U. Já com alguns amores
traídos, talvez a carreira profissional já tenha se revelado na sua possível
mediocridade, grana curta, horizonte já mais estreito.
Chegando aos 45, até uns 60,
estaremos no inferno. Saúde já apresentando limites, casamentos já fracassados,
vida "single" já se revelando na sua face de solidão desinteressante,
corpo já fora da forma de plena da beleza a ser consumida no "mercado do
desejo", filhos muitas vezes que se tornaram uns estranhos sem nenhum
interesse em nós ou nós neles, enfim, essa fase é a pior de todas.
Mas eis que algumas pessoas a
partir dos 60 anos de idade relatam uma significante retomada da felicidade.
Caso tenhamos cuidado razoavelmente da saúde e não tenhamos destruído qualquer
pequeno patrimônio, descobriremos que não vai adiantar exigir de nós mesmos
padrões de pessoas com 30 anos.
Caso tenhamos sonhado a vida
inteira com os Alpes suíços, descobriremos que a Serra Gaúcha pode ser também
uma boa pedida. Buenos Aires está mais perto do que Paris, os cinemas estão à
mão, e o desejo de engolir o mundo já passou.
Um pouco de tranquilidade da
alma, como diziam os estoicos, pode estar mais próximo do que imaginávamos, e a
medicina e a estética farão de pessoas da mesma idade que nós parceiros
interessantes e com experiências semelhantes às nossas.
Aí então iniciaremos a subida da
parede direita do U. Acima de tudo, teremos mais tempo no cotidiano para fazer
o que quisermos. Esses estudos mostram que os níveis de felicidade podem voltar
a subir a partir dos 60 anos de idade.
E, então, crescerá a sensação de
que temos condições de realizar alguns dos nossos desejos que antes nos
pareciam impossíveis.
Enfim, talvez possamos mandar o
mundo que nos enche o saco para aquele lugar e então repousaremos em nós
mesmos.
Luiz Filipe Pondé - Folha,
28.03.2016
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