Chegamos ao nível de calamidade pública. A decretação, mesmo tendo sido um estratagema para garantir os caraminguás necessários para salvar as aparências até que a Olimpíada passe, é um atestado da múltipla falência de instituições como saúde, educação, segurança e mesmo ética, muito mais do que econômica desse estado e sua capital que provavelmente terá o mesmo destino após os Jogos. Estes, nunca deveriam ter sido aqui realizados. A cidade não tem condições para organizar um evento de dessa magnitude. Uma das cenas inesquecíveis que guardo da cidade e sua gente, foi em um domingo que precederia uma pré-seleção das cidades para a ainda Olimpíada de Londres. O Rio era candidato e programou-se uma manifestação na praia de Copacabana com todo mundo vestido de branco para atrair os bons fluidos e obter a desejada indicação. Soltaram-se muitos balões. Eu assistí a toda aquela pajelança e me perguntava se aquilo iria ajudar de alguma maneira na escolha. É assim que trabalha o imaginário do carioca. Pensa que um pôr de sol no Arpoador, uma noitada na Lapa, uma caipirinha (Mariliz Pereira Jorge, Folha, 18.06) podem justificar uma escolha. Pensar numa estrutura viária funcional, em segurança que nos permita ir e vir a qualquer hora e em qualquer lugar, acomodação de qualidade, é encarado como acessório. Não é. É prioridade. Para alcançá-las, é necessário organização, trabalho duro e dinheiro, artigos escassos aqui. Já as pajelanças... Mas voltando a Copacabana ... O Rio acabou desclassificado juntamente com Havana, logo na primeira seleção. Para a Olimpíada seguinte, ele seria o escolhido. Até no COI há mais coisas entre o céu e a terra que os simples aviões de carreira.
Apesar da estranheza com a decisão, dei meu voto de confiança para a cidade e torcia pelo sucesso do evento, pois muito dinheiro seria carreado para obras no estado. Seria a chance derradeira de recuperar a cidade da decadência, já que atualmente nos restam apenas as belezas naturais. Infelizmente, eu estava errado. Saúde e educação estão em frangalhos, defeitos graves são constatados em obras para os Jogos; vivemos uma pré-guerra civil. Nessa semana em um único dia, 5 policiais foram baleados em diferentes lugares da cidade. É elevadíssimo o número de pessoas atingidas por balas perdidas nos tiroteios que ocorrem quase que diariamente. Todos tememos o pós-Olimpíadas. Dom Orani Tempesta, o nosso cardeal, declarou a poucos dias, depois de ter que se abrigar de um tiroteio no Morro de Santa Teresa a caminho do aeroporto: Somos uma sociedade doente. Ele já foi assaltado duas vezes no último ano.
Vivo aqui há mais de 20 anos e desde sempre causam-me estranheza, alguns hábitos/costumes observados no quotidiano do carioca como o pouco apreço por algumas requisitos essenciais para qualquer sociedade como pontualidade, respeito às leis do trânsito e de urbanidade, a compulsão pelo atalho/esperteza. O trabalho não é encarado como uma maneira de construir/transformar o mundo e a sociedade mas como um fardo penoso que deve ser carregado por cinco dos sete dias da semana. - O pior dia da semana é o domingo porque véspera de segunda é um dito comum entre seus habitantes. O cenário se torna mais sombrio pelo fato da maior parte dos cariocas ser totalmente refratário a críticas, especialmente quando vindas de não nativos.O mito da Cidade Maravilhosa ainda é muito presente.
O resultado aí está: calamidade pública às vésperas da Olimpíada. Que os deuses se apiedem de nós.
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