segunda-feira, 28 de agosto de 2017

O lugar de fala

Interessantíssimo  esse artigo do Sérgio Rodrigues para a Folha: Chico e os nazistas: o papo nas redes tem feito pouco sentido, onde ele desce o malho na pobreza do debate cultural atual. Lá pelas tantas ele se refere - com pouca simpatia, diga-se de passagem - à  expressão lugar de fala, conceito usado com frequência pelos militantes das políticas de gênero, nossos mudernos libertários, figurinhas carimbadas no circuito das artes, das ciências humanas, da psiquiatria e - bien sur - na redação dos jornais. 
Tomei contato com essa expressão num artigo marcado por uma linguagem de gueto,  de uma militante feminista afro-descendente - prá não ser processado! - e de uma entrevista da Fernandinha Montenegro em que entre outras coisas fazia uma autocrítica de um artigo - muito bom diga-se de passagem -  que lhe custou um desses linchamentos virtuais feito pela tropa de choque feminista. Ela rendeu-se para a turma do desvario - uma pena! -  e usou entre outras expressões - o lugar de fala -  para justificar sua capitulação. 
Corri atrás para descobrir a gênese do enunciado. Pelo que depreendi nasceu do pós-estruturalismo, que recusa a idéia filosófica clássica de verdades únicas e de objetividade. Pulei da cadeira, mas vamos dar um crédito e ver onde essa turma quer chegar.
De acordo com Rosane Borges, ativista de relações de gênero, lugar de fala é a posição de onde olho para o mundo para então intervir nele. Até aí tudo bem. Então começam a aparecer as incongruências: do ponto de vista da legitimidade do discurso e da fala quem sofre na própria pele pode falar de si, segundo Rosane, que continua : ... a idéia de sujeito universal está em pleno desgaste. Na verdade esse sujeito ruiu e o que surge na disputas das  lutas ideológicas são vários sujeitos. Portanto o lugar de fala é muito importante, porque é ele quem diz quais são  os posicionamentos desses  sujeitos. E ela continua : A confusão acerca do lugar de fala acontece porque o conceito tem sido correlacionado com representação (.......) São duas coisas diferentes. As discussões estão muito inflamadas porque, normalmente, confundimos o que é representação e o que é lugar de falar, ou seja, uma pessoa branca jamais pode representar uma pessoa negra, mas repito, do lugar de fala pelo qual ela vê o mundo, espera-se que ela assuma a questão ética relacionada a discriminação e ao racismo.
Há muitas cascas de banana nesse discurso para quem teve uma formação clássica. Renan Quinalha, advogado ativista dos direitos humanos mostra uma delas: A ideia de lugar de fala pressupõe uma coerência ou continuidade entre o lugar e a fala. É como se uma pessoa posicionada de determinado modo na realidade tenha que corresponder à determinada expectativa para veicular determinado discurso. Mais: como se tivesse, normativamente, um único discurso possível de ser enunciado daquele lugar determinado. No entanto, tem-se notado que a autenticidade de um sofrimento não tem por consequência a autoridade política de fala. Pablo Ortellado, filósofo e professor de Gestão de Políticas Públicas da USP vê paradoxos nesse discurso. Um deles: (...) o lugar de fala indiretamente reforça na esquerda os argumentos “ad hominem”, interrompendo uma tradição progressista de racionalismo esclarecido. Os argumentos “ad hominem” são falácias condenadas desde a antiguidade clássica porque desqualificam quem fala para não precisar discutir o teor do que diz o adversário. Quando o movimento social condena discursos sobre a opressão que não são enunciados pelos próprios oprimidos, de certa maneira ele resgata e legitima uma modalidade de argumento ad hominem.
Minha formação com  background clássico leva-me a concluir que o conceito é um namoro perigoso com a relatividade dos discursos. A negação dos universais nos leva a um beco sem saída epistemológico. A história da filosofia está cheia desses exemplos: os sofistas na Idade Antiga, os nominalistas na Idade Média. Relacionar verdade com posição do observador fica mais adequado para a mecânica quântica do que para ciências ditas humanas e do comportamento. Na minha modesta opinião, a verdade só seria alcançável se pudéssemos ver a realidade de todos os ângulos, tarefa impossível, ao menos por hora.
Enfim... continuaremos discutindo sobre qual  é a melhor visada. Nos dias que correm a opinião da turma que defende as políticas de gênero parece ganhar corpo. Não passa de perigoso retrocesso.
PS - As citações foram extraídas do artigo O que é lugar de fala e como ele é aplicado no debate público do site Geledes.

..... e prá não deixar a peteca cair....

uma das brigadas dos nossos ativistas de gênero, a das feministas não poupou sequer Chico Buarque, tido e havido pelos nossos mudernos e periferia como  profundo conhecedor  da alma feminina. Tascaram-lhe a pecha de machista em razão dos versos:

Quando teu coração suplicar,
Ou quando teu capricho exigir, 
Largo mulher e filhos
E de joelhos vou te seguir.

da canção Tua cantiga do álbum Caravanas recém lançado.
Querem mais exemplos? Há dias li por aí uma queixa das mulheres a respeito das poucas oportunidades dadas a elas nas cozinhas dos chefs. Caramba! até pouco tempo queixavam-se de que as tarefas de cozinhar e lavar roupa que as estigmatizava eram a marca registrada de opressão masculina.
Vou encerrar com o que video que assisti em um desses jornais vespertinos da TV onde foi exibido um bate-boca entre os senadores Marta Suplicy e Lindemberg Farias, em uma comissão do Senado. Lindemberg tentava educadamente colocar uma questão de ordem - sim, ele é capaz disso! - a Marta que presidia a sessão. Depois de inúmeras negativas para conceder-lhe  a palavra, Marta encerrou a querela chamando-o de machista. Simples assim.

É muita paranóia. Beira a histeria.


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