domingo, 30 de junho de 2013

Aos surdos de si mesmos e de sua consciência.

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Não se deve considerar o mundo como uma espécie de bordel metafísico das emoções. Esse é o nosso primeiro mandamento. Comiseração, consciência, repulsa, desespero, arrependimento e expiação constituem para nós uma repugnante sensualidade.
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A maior tentação  para gente como nós é: renunciar à violência, arrepender-se, por-se em paz consigo mesmo. Muitos grandes revolucionários renderam-se a essa tentação, de Espártaco a Danton e Dostoievski; são a forma clássica da traição da causa. As tentações de Deus sempre foram mais perigosas para a humanidade do que as de Satanás. Enquanto o caos dominar o mundo, Deus é um anacronismo; e toda a transigência com nossa própria consciência, uma perfídia. Quando fala a malfadada voz interior, é preciso tapar os ouvidos com as mãos.
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Os maiores criminosos da História... não são do tipo de Nero e Fouché, mas do tipo de Gandhi e Tolstoi. A voz interior de Gandhi fez mais para impedir a libertação da India que os canhões ingleses. Vender-se por trinta moedas de prata é uma transação honesta; mas vender-se à própria consciência é abandonar a humanidade. A história é amoral a priori; não tem consciência. Querer conduzir a história de acordo com as máximas da aula de catecismo significa deixar tudo como está.
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Pelo que me lembro o problema é o seguinte: o estudante Raskolnikov tem o direito de matar a velha? É jovem e talentoso; traz no bolso, por assim dizer, um compromisso não resgatado com a vida; ela é velha e extemamente inútil para o mundo. Mas a equação não se sustenta. Em primeiro lugar, as circunstâncias o obrigam a assassinar uma segunda pessoa; essa é a consequência imprevisível e ilógica de uma ação aparentemente simples e lógica. Em segundo lugar, a equação desmorona de qualquer forma, porque Raskolnikov descobre que dois e dois não somam quatro quando as unidades matemáticas são seres humanos...
- Se de fato quer minha opinião ..., todos os exemplares desse livro deveriam ser queimados. Pensa por um momento aonde essa nebulosa filosofia humanitária nos conduziria se fôssemos tomá-la ao pé da letra; se fôssemos nos apegar ao preceito de que o indivíduo é sacrossanto, e que não devemos tratar vidas humanas segundo as regras da aritmética. Significaria que o comandante de um batalhão não poderia sacrificar uma patrulha para salvar o regimento.
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Seu Ralkolnikov é, contudo, um louco e um criminoso; não porque se comporte logicamente ao matar a velha, mas porque está fazendo isso por interesse pessoal. O princípio de que o fim justifica os meios é e continua sendo a única regra da ética política; tudo o mais é apenas conversa fiada e se derrete. escorrendo por entre os dedos... Se Ralkolnikov tivesse matado a velha por ordem do Partido..., então a equação ficaria de pé, e o romance, com seu problema ilusório, nunca teria sido escrito; e tanto melhor para a humanidade.
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Só há duas concepções de ética humana, e estão em polos opostos. Uma delas é cristã e humana, declara o indivíduo inviolável e afirma que as regras da aritmética não se devem aplicar a unidades humanas. A outra, parte do princípio básico de que um alvo coletivo justifica todos os meios, e não apenas permite, mas exige, que o indivíduo, sob quaisquer condições, se subordine e sacrifique ao bem da comunidade, que pode dispor dele como de um coelho de laboratório ou de um cordeiro imolado em holocausto... Os embusteiros e os diletantes sempr procuraram associar as duas concepções; na prática, é impossível. Quem quer que arque com o poder e a responsabilidade descobre, na primeira ocasião, que tem de escolher; e é fatalmente levado para a segunda proposição da alternativa.
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Admito... que o humanismo e a política, em relação ao progresso individual e social, são incompatíveis. Admito que Gandhi é uma catástrofe para a Índia; que a castidade na escolha de meios conduz à impotência política.

(Trechos de O Zero e o Infinito de Arthur Koestler)

Os comunas calavam sua voz interior, seu eu - ficção gramatical -  sua consciência em nome do Partido, da causa. Os fins justificam os meios -  era sua máxima.
Hoje quantos não fazem o mesmo para serem bem  sucedidos na vida... conseguir seus objetivos... ter uma vida boa... respeitada e respeitável. Tudo numa nice. Sem grilos.

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