segunda-feira, 1 de julho de 2013

Aos - muito - práticos diante da vida.

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Dormiu durante uma hora, placidamente e sem sonhos, e ao acordar sentiu-se refeito. O 402 estivera fazendo sinais na parede durante algum tempo; evidentemente, sentira-se esquecido. Inquiriu Rubachov sobre seu novo companheiro de exercício a quem observara pela janela, mas Rubachov o interrompeu. Sorrindo para si mesmo, percutiu com o pincenê:
ESTOU ME RENDENDO.
Esperou, curioso, pelo efeito.
Durante um longo intervalo, nada; o 402 se mantinha em silêncio. A resposta veio bem um minuto depois:
PREFIRO A FORCA.
Rubachov sorriu. Bateu:
CADA QUAL CONFORME A SUA ESPÉCIE.
Esperava uma explosão de cólera do 402; em vez disso, suas batidas vieram enfraquecidas -  resignadas, dir-se-iam.
EU JÁ PENSAVA EM CONSIDERÁ-LO UMA EXCEÇÃO. NÃO LHE RESTA UM PINGO DE VERGONHA?
Rubachov estava deitado de costas, pincenê na mão. Sentia-se contente e tranquilo. Bateu:
NOSSAS IDÉIAS DE HONRA DIFEREM.
O 402 percutiu com rapidez e precisão:
HONRA É VIVER E MORRER POR NOSSA CRENÇA.
Rubachov  respondeu com igual rapidez:
HONRA É SER ÚTIL SEM VAIDADE.
O 402, desta vez, respondeu com mais força e veemência:
HONRA É DECÊNCIA E NÃO UTILIDADE.
O QUE É DECÊNCIA? Perguntou Rubachov, espaçando, calmo, as letras. Quanto mais calmamente percutia, tanto mais furiosas se tornavam as batidas do outro.
ALGO QUE SUA ESPÉCIE JAMAIS ENTENDERÁ, respondeu o 402 à pergunta de Rubachov. Rubachov deu de ombros:
NÓS SUBSTITUIMOS A DECÊNCIA PELA RAZÃO, retrucou.
O 402 não respondeu mais.

(Diálogo entre dois condenados em celas vizinhas da prisão, comunicando-se por código através das paredes)
 O Zero e o Infinito de Arthur Koestler. Agora republicado pela Editora Amarylis. Meu exemplar, é da Editora Globo. Fez bonito na prateleira, por muitos anos. Só agora fui lê-lo.
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P.S. De nada adiantou a conversão de Rubachov para a tribo dos práticos. Da mesma maneira que os ingênuos, os idealistas, ele também dançou.

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