quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

... enquanto isso num certo país ao sul do Rio Grande!


Caro Roberto,
Eis que vocês revivem novamente mais um
drama promovido pelo vosso sistema de privilégios
ou distinções (como diria o bom Bourdieu)
com a prisão dos mensaleiros mais distinguidos,
todos atores centrais deste governo lulopetista
que prometia tornar o Brasil menos injusto.
Como — eis a questão — prender deputados,
tesoureiro, presidente e chefe da Casa Civil da
Presidência, o cabeça do esquema; o qual, ademais,
incluía como operadores pilantras igualmente
medalhões se todos foram cabalmente
condenados? Um esquema, digo de passagem,
testado também com o PSDB em Minas Gerais.
Prender gentinha e pessoas comuns é banal.
Mas como prender superiores, trancafiar “os
homens” e enjaular mandões apadrinhados ao
governo?
“Não tenho tempo para mencionar nomes e
detalhes porque em meia hora devo me apresentar
à corte do meu condado para finalizar o
divórcio com a minha quarta esposa, a queridíssima
Susan, já que caí de amor por Ellen (três
anos mais jovem e com um doutorado em antropologia
ontológica) neste último verão.
“Mas revisitei o ‘velho’ Machado e o encontrei
mais novo do que nunca. Como você há de
lembrar, a ‘teoria’ se faz em plena passagem de
um dia pra outro e como um presente de aniversário
para um filho rico e idiota, no momento
em que um pai sábio e realista assinala
que ser ‘medalhão’ é o papel social mais importante
da cena brasileira. Entre todas as carreiras,
diz a portas fechadas, o ideal no Brasil é
ser um medalhão. E quais são as características
dos medalhões?
“A primeira é a atitude ou a forma. A gravidade:
esse mistério do corpo mas que, neste
seu Brasil, manifesta-se pela seriedade rabugenta
e pela ausência de riso. Encontrei muitos
brasileiros assim: sérios e sempre prontos
a darem uma bronca dos fracos e a beijarem o
rabo dos fortes.
“A segunda é não ter ideias. Sobretudo, ideias novas.
Até hoje os medalhões continuam falando em
defender o povo pobre, em combater a violência e
proteger os vulneráveis (esse novo conceito para os
fracos e os subordinados), mas sem apresentar nenhuma
novidade porque não arriscam ter uma opinião
individualizada e fazem parte de uma turma
ou partido. Seguem a mediocridade geral.
“A terceira é trivial e vossos administradores
públicos são pródigos em exibi-la. Refiro-me a
usar as locuções convencionais, as fórmulas
consagradas e incrustadas na memória coletiva.
Seguir a inércia geral com frases feitas é básico
na construção do medalhão.
“A quarta é a publicidade. Oferecer jantares e
obséquios, distribuir comendas e diplomas,
produz a propaganda e engendra a imagem da
‘boa gente’ do sujeito relacional e ‘boa-praça’.
Essa é a marca da vida pública brasileira feita
mais de fortunas pessoais roubadas ao povo por
meio de ‘irmandades’ confundidas com partidos
políticos, do que de políticas públicas efetivamente
transformadoras.
“A quinta é não ter opinião. Ou seja: mesmo pertencendo
a um partido ideologicamente cheio de
opinião, jamais infringir as regras e as obrigações estabelecidas,
como o dar-para-receber.
“A sexta, taxativa, é ser vulgar. Declares, como fez
Maduro outro dia, que os comunistas roubam tanto
quanto os capitalistas. Ou como os medalhões mansaleiros
que você é um ‘preso politico’ e não uma exceção
que confirma a regra: políticos que estão
(mesmo contra a vontade) tentando prender!
“A vulgaridade que impede embate de ideias e as
decisões que resgatam a virtude formam o centro
dos governos de coalização que vocês tanto admiram
e que nós, nesses Estados Unidos(?), não conseguimos
realizar. Essa cisão e essa conjunção entre
ser ideologicamente preciso e pessoalmente
impreciso são a base no medalhão.
“Como medalhão, você tem que ser igualitário no
discurso público, mas desigual na vida caseira. Há
muito mais em Machado, mas um divórcio e um
juiz que não ri e uma mulher zangada me esperam.
O certo, porém, é que seguindo essa teoria vai ser
um problemão prendê-lo no Brasil.
“Calorosas lembranças,
“Dick.” 

Carta de Richard Moneygrand,  brasilianista da
Universidade de New Caledônia ao amigo antropólogo Roberto Da Matta.


ROBERTO DAMATTA Medalhões Presos
 O Globo, 04.12.2013

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