Abaixo a parte final da crônica do Contardo Calligaris - Filmes para Gente Grande (Folha, 26.12.2013)
PS- Os filmes são: Jovem e Bela de François Ozon, Azul É a Cor Mais Quente de Abdellatif Kechiche, e A Grande Beleza de Paolo Sorrentino.
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Mas quero falar de A Grande Beleza , que acaba de estrear. A reação de defesa, nesse caso, consistiu em ler o filme como uma crítica moral ao mundo que ele apresenta.
No passado, Jep Gambardella (o extraordinário Toni Servillo) escreveu um romance que teve um certo sucesso, mas que ele mesmo considera pouco relevante. Ele vive numa Roma rica e mundana, decidida a se convencer de que ela está se divertindo muito.
Alguns dizem que o filme retrata a decadência da Itália. O que sobrou da grandeza passada são as artes da vaidade --a moda, o design, o estilo: somos os reis do supérfluo. Outros saem do cinema convencidos de que Sorrentino, como eles, tem ojeriza pela vida "vã" do protagonista. Jep trabalha pouco, vira as noites, bebe além do devido: ele é fútil.
Mas não é bem assim. Marcello, o protagonista de A Doce Vida, de Fellini, ele, sim, era um desadaptado na futilidade de Roma (e do mundo): esperava reencontrar uma inocência perdida e escrever enfim algo que valesse a pena.
O espírito de Jep (e de Sorrentino) é outro. Tem mais a ver com a elegância e a coragem da bandinha que continuou tocando enquanto o Titanic afundava. Em Roma isso tem um sentido especial: a festa continuou com os bárbaros às portas; e ela continua agora que os bárbaros já chegaram há tempos. É uma prova de decadência? Ou de sabedoria?
Aos olhos dos engajados (como Stefania, no filme), Jep talvez pareça desprezivelmente cínico. Mas ele é o último dos românticos, que vive como se a única resposta honesta ao vazio do mundo fosse a fragilidade da beleza: a beleza de Roma ou a de um terno perfeitamente cortado, tanto faz.
São desculpas pela futilidade? Talvez. Mas, cuidado, uma vida fútil poderia ser a única maneira de não mascarar a futilidade da vida. Qual é o efeito moral certo do "lembre-se da morte"? Ou melhor, qual é o melhor jeito de se lembrar da morte? Uma austeridade sisuda ou, ao contrário, o difícil exercício de não levar a vida a sério?
Criança, nos anos 1950, assisti a O Salário do Medo, de Clouzot. Ainda hoje me lembro que o piloto (Mario?) de um dos caminhões de dinamite, fadados a explodir, enquanto se barbeava, dizia que, se ele tiver que morrer, queria ao menos ter uma aparência decente.
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